Sabemos que as suas qualidades humanas e profissionais, a sua vasta experiência como Magistrada do Ministério Público na jurisdição criminal, bem como noutras jurisdições, fazem de si a escolha acertada». Esta descrição da nova procuradora-geral da República foi feita em 2016, quando Joana Marques Vidal a escolheu para liderar o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, sucedendo então à procuradora Maria José Morgado – o nome recebeu do Conselho Superior do Ministério Público 14 votos favoráveis e duas abstenções. Agora que Marques Vidal se prepara para deixar a Rua da Escola Politécnica, Lucília Gago está prestes a herdar muitos dossiês complexos e a exigência que Joana Marques Vidal imprimiu enquanto PGR.
Os últimos anos trouxeram Lucília Gago para o mediatismo que nunca quis ter e a procuradora acabou mesmo por ser notícia pela sua curta permanência como líder do maior DIAP do país. No centro da sua saída, a meio do mandato, estiveram algumas movimentações de bastidores no âmbito do inquérito aos Comandos – no qual se investigava a morte de dois jovens recrutas. Segundo o CM noticiou no ano passado, foi Lucília Gago quem decidiu bater com a porta devido a algumas divergências com a Procuradoria-Geral da República acerca de um despacho da procuradora responsável pela investigação. A PGR instaurou um inquérito a Cândida Vilar na sequência de uma queixa apresentada pelo advogado que representava os militares arguidos e o episódio não terá sido bem visto no DIAP de Lisboa, uma vez que o respetivo despacho tinha sido do conhecimento da Procuradoria-Geral da República desde o início sem que nunca ninguém se tenha oposto.
Neste caso, importa ainda lembrar que o mesmo advogado, Alexandre Lafayette já tinha tentado junto de Lucília Gago o afastamento da procuradora Cândida Vilar, alegando que a mesma não estava mentalmente sã, algo que a então diretora do DIAP de Lisboa não aceitou.
A Saída do DIAP de Lisboa
Ao SOL, um antigo membro do Conselho Superior do Ministério Público que preferiu não se identificar explica que tudo não passou um desentendimento e não de uma incompatibilidade com Joana Marques Vidal: «Se tivesse havido incompatibilidade a Joana não tinha aceitado que Lucília Gago fosse para a Procuradoria-Geral da República a seguir e ainda por cima para coordenar um departamento [o de direito da Família] que lhe é tão querido, poderia ir para um Tribunal da Relação ou mesmo para o Supremo».
Um outro procurador ouvido pelo SOL partilha desta opinião: «Sentiu-se desconfortável no cargo, mas não se incompatibilizou».
A verdade é que a magistrada de 62 anos não chegou ao fim do mandato, numa casa onde anos antes já tinha estado na década de 90. E logo numa área que lhe promete dar muitas dores de cabeça a partir do próximo dia 12 de outubro, quando tomará posse como Procuradora-geral da República: a corrupção e a criminalidade económica.
A discrição que imprime à sua vida particular, mesmo entre os colegas com quem já trabalhou, é percetível. Poucos são os que conseguem falar das suas relações ou da forma de estar fora dos gabinetes. Apesar de a descreverem como uma pessoa «socialmente agradável» e que «não cria conflitos», apontam-na como uma mulher muito reservada, que não dá muita confiança aos colegas.
Ao jornal i, procuradores que trabalharam com Lucília Gago falam de uma pessoa calma e ponderada, mas de pouca proximidade: «Não é pessoa de tu cá tu lá ou de beijinhos».
A relação com Van Dunem
Lucília Gago terá sido uma escolha de Francisca Van Dunem, até porque a ministra da Justiça é uma das poucas pessoas apontada por vários procuradores como tendo uma relação de alguma proximidade com a futura PGR. Sendo ambas da mesma geração de procuradores – tal como Joana Marques Vidal -, a relação profissional entre Van Dunem e Lucília Gago estreitou-se na última década.
Enquanto Procuradora-Geral Distrital de Lisboa, Francisca Van Dunem coordenou o trabalho da futura Procuradora-Geral da República, que entre 2005 – ano em que passa a procuradora-geral-adjunta – e 2012 representou o Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa.
Atualmente Lucília Gago é professora do Centro de Estudos Judiciários e lidera o gabinete da Família, da Criança e do Jovem da Procuradoria-Geral da República – área em que, tal como Joana Marques Vidal, sempre se sentiu mais à vontade.
A futura PGR nasceu em Lisboa a 26 de agosto de 1956 e é casada com o procurador Carlos Gago, que fez parte da direção da Polícia Judiciária na época de Fernando Negrão e Luís Bonina. Carlos Gago foi em tempos membro do PCTP/MRPP.
A magistrada licenciou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em 1978 – altura em que se cruzou com Marcelo Rebelo de Sousa, que já era docente.
Só em 1981 ingressou no Centro de Estudos Judiciários, tendo subido a procuradora da República em 1994 – além do DIAP de Lisboa, passou pelas Varas Criminais e pelo Tribunal de Família e Menores – onde entre 2002 e 2005 assumiu funções de coordenação dos magistrados do Ministério Público.
Não vendo esta escolha como qualquer afronta do poder político a Marques Vidal – até pela relação entre ambas -, alguns procuradores explicaram que só o futuro poderá responder às questões que agora se colocam: «Vamos ver quem será o vice-PGR ou se haverá algum tipo de mudanças no Departamento Central de Investigação e Ação Penal…», alerta um dos magistrados, deixando ainda assim a ressalva: «Apesar de ser uma magistrada, e não uma política, temos de ver os sinais que vêm a seguir».