Tancos. PJ desvenda mistérios

A PJ já sabe o que se passou em Tancos, com o furto e a devolução de material de guerra. Mas a investigação está longe de terminar. O SOL sabe que militares que estiveram colocados naquela base militar são suspeitos de estarem envolvidos no furto. E que as suspeitas atingem as hierarquias militares. 

Tancos. PJ desvenda mistérios

O plano não funcionava se não tivesse ajuda de dentro. O cabecilha do grupo que terá roubado o material militar do Paiol Nacional de Tancos não conseguia planear e agir sozinho – era preciso entrar e sair por locais específicos, saber os horários das rondas, conhecer as falhas no perímetro, transportar toneladas de armamento e fazer tudo isto sem deixar rasto. A investigação acredita que para isso contou com ajuda de ex-militares que conhecem bem a base militar para engendrar um roubo desta envergadura.  O SOL sabe que a investigação suspeita do envolvimento de ex-militares que prestaram serviço em Tancos no furto do material. 

O líder do gangue, um ex-fuzileiro, usava como ‘sede’ do grupo um bar em Leiria –  espaço que lhe permitiu estabelecer contactos privilegiados, nomeadamente com elementos da  Guarda Nacional Republicana (GNR) e Exército. Foi também neste bar que conheceu os militares que tinham estado em Tancos. Com o seu conhecimento do terreno e das rotinas naquela base, estes elementos acabaram por ser fulcrais no planeamento do furto, explicou ao SOL fonte próxima do processo.

Nos últimos dias, muito se tem escrito sobre Tancos e as detenções de membros da Polícia Judiciária Militar (PJM). Mas como é que este ramo de investigação surge nesta história? A verdade é que correm, neste momento, dois inquéritos: um relacionado com o roubo do material militar e outro, conhecido como Operação Húbris, com o seu aparecimento.  O envolvimento da PJM prende-se com as circunstâncias «estranhas» em que se deu a descoberta do armamento na Chamusca, no ano passado (ver páginas 6-9). Para além de apurar a forma como se procedeu à recolha do material bélico, esta investigação poderá ajudar a perceber como se deu o roubo em si e qual o papel das pessoas envolvidas, nomeadamente dos antigos militares que estiveram colocados em Tancos e que a investigação suspeita que tenham estado implicados no furto, orientados pelo antigo fuzileiro. 

O telefonema anónimo… ordenado pela PJM

Com as notícias que começaram a surgir e a pressão política feita pelo Presidente da República para que fossem apuradas responsabilidades, a PJ militar que já andava a ser fustigada pela falta de resultados na investigação ao caso da morte de dois recrutas no curso de comandos, e também não conseguia dar resposta ao furto, desenha a forma de salvar a face.

Para tal Luís Vieira, diretor da PJ Militar, e Vasco Brazão, ex-porta-voz, foram as peças chave. Ao mesmo tempo que coadjuvavam a investigação do MP e da PJ, utilizavam os media plantar notícias que punham em causa essa mesma linha de investigação.

É nesse contexto, ao perceber que a investigação estava bem encaminhada –  com um informador privilegiado, um homem que tinha sido convidado para fazer o assalto e recusara – que o líder do grupo que perpetrou o furto começou a sentir a pressão. Por isso, decidiu restituir grande parte do material roubado (com exceção de munições e outro armamento mais fácil de vender no mercado negro). É nessa altura que o antigo fuzileiro para tentar salvar a pele decide contactar com um ex-superior seu, que trabalhava na altura na GNR de Loulé. Informou-o de que tinha as armas de Tancos e que estaria disposto a entregá-las, mas exigia que não fosse realizada qualquer investigação à autoria do roubo. Terá ainda pedido cobertura para negócios de droga.

A informação é passada ao sargento do posto de Loulé, que, por sua vez, informa os seus superiores hierárquicos do que se está a passar. É então estabelecido um contacto com a PJM, que decide enveredar por este plano à margem da investigação que estava a ser feita pela PJ. Assim, a PJM encarrega um dos seus sargentos – José Costa – de simular uma denúncia anónima, fazendo uma chamada de uma cabine telefónica no Montijo. 

Na verdade, a investigação concluiu através da triangulação de chamadas que o autor da ligação é um dos oito homens detidos – são quatro elementos da PJM, entre eles o diretor daquela polícia, três da GNR de Loulé e um civil, o cabecilha do grupo que realizou o furto. E acredita que quem recebeu a chamada no piquete – Vasco Brazão – sabia que a chamada era forjada.

Investigação pode chegar ao topo da hierarquia

Mas houve passos que causaram estranheza: por que razão a GNR de Loulé colaborou na investigação, se as armas estavam na Chamusca, uma área que pertence à GNR de Santarém? Porque é que o material foi retirado do local onde tinha sido encontrado antes de a PJ ter conhecimento da sua descoberta? Foram várias as questões colocadas, que levaram o Ministério Público (MP), em conjunto com a Judiciária, a investigar o caso. Fonte do processo confirmou ao SOL que a tese da investigação foi corroborada por dois dos arguidos, durante os interrogatórios – o major Pinto da Costa, da PJM, e o sargento Lima Santos, da GNR de Loulé, deram razão à investigação no seu depoimento.

Recorde-se que o MP pediu prisão preventiva para todos os arguidos, mas a medida de coação mais gravosa foi apenas aplicada ao diretor-geral da PJM, o coronel Luís Augusto Vieira, e ao líder do grupo que perpetrou o roubo. 

O SOL sabe que a investigação ainda não terminou e que poderá chegar ao topo da hierarquia militar. Para já, sabe-se que o major Vasco Brazão, ex-porta-voz da PJM que se encontra numa missão da ONU na República Centro Africana, chega a Portugal na terça-feira e será ouvido no dia seguinte. Recorde-se que Vasco Brazão foi um dos militares que encabeçou a investigação do caso da morte dos dois jovens durante um teste do curso dos Comandos. O major de Cavalaria recebeu até um louvor – uma Medalha da Defesa Nacional – pelo seu trabalho. 

Posição da defesa

João Magalhães, advogado de um dos elementos da PJM, disse na passada quinta-feira aos jornalistas que existe uma «guerra entre polícias» em que «toda a gente tem a pretensão de querer colher os louros de uma investigação».

«Temos duas investigações a correr ao mesmo tempo, duas polícias a investigar, e daqui resulta uma competitividade que espelha, neste processo, aquilo que não deve ser feito», defendeu. 

João Magalhães afirmou ainda que um processo como este é bom  para quem defende a «extinção da polícia judiciária militar». «O poder político deve refletir sobre isso», acrescentou.