Os assassinos não pensam

A partir do momento em que decidem matar, não conseguem pensar para além do crime. O day after para eles não existe. O foco no crime é tão forte que anula tudo o resto. 

HÁ três SEMANAS escrevi sobre um crime horrível: uma filha que matou a mãe adotiva com requintes de violência e depois deitou fogo ao cadáver. Nessa altura falei de um outro suposto crime – a morte de um triatleta que vivia em Cachoeira, Vila Franca de Xira – que continuava por desvendar.

Agora parece estar tudo esclarecido: foi a mulher que o matou com a ajuda do amante. E, ao que se diz, para ficarem com os seus bens e possivelmente com o seu seguro de vida.

 Estranhamente, este crime lembra outro: o de Maria das Dores, que encomendou a morte do marido, Paulo Pereira da Cruz, num prédio da avenida António Augusto de Aguiar. Também aí o homem foi brutalmente agredido com pancadas violentas no crânio. Também aí apareceu com um saco enfiado na cabeça. Também aí a mulher tinha um amante, o motorista, que terá colaborado no assassínio.

Enfim, os métodos repetem-se, desgraçadamente.

MAS AS HISTÓRIAS mudam. Neste caso, a mulher do triatleta inventou que o marido partira numa segunda-feira para um treino de bicicleta e não regressara a casa. E em ajuda desta tese, foi depositar o telemóvel do homem e o seu cartão de cidadão num local do percurso que ele supostamente seguiria.

Sucede que nestas encenações há sempre coisas que não batem certo. Por exemplo: o treinador do triatleta, que conhecia as suas rotinas, veio achar estranho que ele treinasse neste dia, e ainda por cima depois de regressar de uma prova. O homem era cuidadoso, e em princípio não fazia treinos às segundas-feiras, quando há muito movimento nas estradas. Logo aí a história da mulher se tornou suspeita. Mas, se não fosse verdade o que ela dizia, que história se esconderia por detrás dessa? A mulher estaria a encobrir o quê? Daí até à descoberta do que se passou foi um pequeno passo.

O QUE ME ESPANTA nestes crimes é a ingenuidade dos assassinos. Como é possível acreditarem que não serão apanhados? Para começar, não sabem que nestas situações – crimes, raptos de crianças – os familiares próximos são sempre os primeiros suspeitos? E não percebem que, em interrogatórios apertados, dificilmente deixarão de cair em incongruências que os denunciarão?

Isto só prova que os assassinos não pensam. Ou melhor, a partir do momento em que decidem matar, não conseguem pensar para além do crime. O day after para eles não existe. O foco no crime é tão forte, absorve-lhes de tal modo a mente, que anula tudo o resto. Não conseguem pensar em mais nada. O cérebro bloqueia-se-lhes. O que acontecerá depois não existe para eles. É uma zona branca.

SE PENSASSEM no que viria após os crimes, os assassinos concluiriam com muita probabilidade que ficariam muito pior do que estavam antes de matar. 

Vejamos este crime de Cachoeiras. Mesmo que Rosa Grilo e António Joaquim não fossem apanhados, como iriam gerir depois a relação entre eles? Não poderiam naturalmente começar a viver juntos, pois isso levantaria imediatamente suspeitas. Nem sequer poderiam ser vistos um com o outro nos tempos mais próximos. Teriam de andar escondidos, com terror de serem apanhados. A sua vida seria um pesadelo. 

Assim, mesmo na perspetiva de prosseguirem a relação, as coisas seriam mais fáceis com Luís Grilo vivo do que morto. 

MAS REPITO: os assassinos não pensam. Ficam cegos. E quando o amor, o sexo e o dinheiro se cruzam, ainda pior. Ao que tudo indica, nesta história, o funcionário judicial não era apenas amante de Rosa Grilo – era uma espécie de proxeneta. Pedia-lhe dinheiro – e ela dava-lho. Talvez incitada pelo fulano, ela matou o marido para receber todo o dinheiro de uma vez e dividi-lo com ele. 

Tramou-se, como era previsível. 

Quem tudo quer, tudo perde – e Rosa Grilo ficou sem o marido, ficou sem o dinheiro e ficou sem o amante. Se tivesse pensado um pouco, perceberia logo que seria este, com toda a probabilidade, o final da história.