Foi você que pediu um Governo Porto Ferreira?

Não deve ser fácil alguém ter de abandonar o emprego por causa do cônjuge.

Quando era criança havia um anúncio que passava na televisão e que ainda hoje recordo, tantos anos depois. Passe a publicidade, o reclame, era assim que se dizia, era do vinho Porto Ferreira, e começava com alguém a ir entregar um jornal ao vizinho – como o tempo passa… – e constata que estão a abrir uma garrafa de vinho do Porto. A mulher do jornal foi logo chamar o marido, a mãe, o pai, a sogra, a namorado do irmão, a prima deste, o cunhado de alguém, e por aí fora.

Tudo enquanto alguém fumava um cigarro tranquilamente, até, julgo, a sala se tornar pequena para tanta gente. O anúncio tinha o sugestivo título ‘Foi você que pediu um Porto Ferreira?’ e faz-nos lembrar a atualidade, não alcoólica, mas governamental. Se olharmos bem para a quantidade de familiares que se cruzam no Governo de António Costa é mesmo caso para perguntar: ‘Foi você que pediu mais uma família governamental?’.

É óbvio que não é crime nenhum haver familiares no mesmo Governo, mas não cai bem, a quantidade de filhos, cunhados, maridos e mulheres, tudo no mesmo saco do partido, no caso em apreço do PS – e, se calhar, no passado aconteceu o mesmo ou parecido no PSD, embora não tenha ideia de algo tão volumoso.

Além do grau de parentesco entre membros do Governo, há ainda a ligação de alguns governantes a ex-governantes, filhos de, além de governantes familiares de militantes distintos. Mas a salganhada deste Executivo é muito mais complexa do que isso, já que, como disse, não há mal nenhum em governantes serem familiares uns dos outros. Qual é o mal da ministra do Mar ser casada com o ministro da Administração Interna? Nenhum. Fica tudo em família.

O caso mais complicado para o Governo, e que pode ser completamente injusto para as pessoas em causa, diz respeito ao poderoso ministro Adjunto e da Economia, que perdeu a ‘pasta’ da Energia, que transitou para o Ambiente,  porque Pedro Siza Vieira, antes de ser governante,  era advogado e foi consultor dos chineses com interesses na EDP. Além disso, e para não voltar ao anúncio do Porto Ferreira, diga-se que Siza Vieira pouco tempo antes de entrar para o Governo, fundou uma empresa imobiliária a meias com a mulher. O Tribunal Constitucional está a analisar o caso e dirá de sua justiça.

Só que, ao ficar também com a pasta da Economia, Pedro Siza Vieira poderá ter de lidar com a mulher, já que esta é presidente da Associação de Hotelaria de Portugal, embora o governante já tenha dito que essa pasta fica com o secretário de Estado. Enfim, parece-me muita confusão para um homem só. 

E o que dizer do marido da ministra da Saúde? Se calhar, foi um excelente presidente do Conselho Nacional de Saúde, mas entendeu que com a nomeação da mulher, Marta Temido, para o cargo de ministra não podia continuar a desempenhar as suas funções. A isto se chama amor. Se  Jorge Simões deixou a sua vida profissional por causa da nomeação da mulher, como irá reagir a mulher de Pedro Siza Vieira? Confusos? Eu também.
Costa já deve julgar-se deus para não se importar com estas minudências, mas quem envereda por esse caminho não costuma acabar bem.

Por fim, não posso deixar de escrever que estes casos são conhecidos e ninguém esconde coisa alguma. Mas o que dizer de todos os casos que nos governos passados, independentemente de quem estava no poder, aconteciam e ninguém soube? E, se calhar, de incompatibilidades muito mais graves, mas que não tinham graus de parentesco tão próximos. A vida às vezes pode ser bem injusta…