Eduardo Vítor Rodrigues. ‘Eu pediria a maioria absoluta. O PS merece-a’

O presidente da câmara de Gaia elogia ‘sentimento de compromisso’ do PCP e aconselha BE a evitar ‘devaneios populistas’. PS deve lutar pela maioria absoluta.

Eduardo Vítor Rodrigues. ‘Eu pediria a maioria absoluta. O PS merece-a’

O processo de descentralização foi  imposto aos presidentes de câmara de forma atabalhoada?

Não. Considero é que tivemos um debate de dois anos e meio, que poderia e deveria ter sido atempadamente concretizado. É impossível, quer do ponto de vista prático, quer do ponto de vista da compreensão dos diplomas setoriais, garantir a sua concretização a 1 de janeiro de 2019.  Para que tudo corra bem não pode haver falhas.

Houve um debate durante dois anos. O que falhou?

Falharam várias coisas. Falhou, por exemplo, no facto de, se calhar, só um número muito reduzido de pessoas querer verdadeiramente que isto corra bem.  Verdade se diga também, há um equívoco conceptual de partida.

Qual é esse equívoco?

É considerarmos que a descentralização deve tratar o país com uma lei igual para todos os concelhos. A melhor forma de combater as desigualdades não é tratar todos por igual. Porque se tratar todos por igual reproduzem-se as desigualdades. Do meu ponto de vista, quem verdadeiramente queria a descentralização no Governo era o primeiro-ministro. Eu duvido que se formos ao Parlamento e fizermos uma votação secreta que a maioria o queira.

O primeiro-ministro estava isolado e a remar contra a maré. É isso que está querer dizer?

Isolado não, porque existem outras pessoas no Governo que também o quereriam. Temos todos de fazer um esforço para que o processo se concretize bem. O adiamento do processo de 2019 para 2020, é do meu ponto de vista,  uma condição de sucesso do processo e não uma qualquer entropia que nós queiramos criar.

O ideal teria sido o Governo assumir que queria a regionalização?

Podemos fazer isto a duas etapas, numa primeira etapa de descentralização e numa segunda etapa de regionalização. Não tenho dificuldade nenhuma em assumir que estas duas etapas estão interligadas. Há outros que acham que a descentralização é o melhor caminho para nunca termos regionalização.

Foi isso que atrapalhou o processo? O presente envenenado como lhe chamou?

Claro. Ou seja, transferir pagamentos de salários e transferir funções de gestão corrente não é fazer a descentralização. É fazer a tarefização.  O que poderia estar aqui em jogo? Por exemplo, a gestão dos centros de saúde. Há centros de saúde que se estivessem abertos até às onze da noite  facilitariam muito a vida de pessoas que têm um problema às nove da noite e têm de percorrer 40 quilómetros para uma urgência hospitalar. As câmaras têm de estar disponíveis para pagar os salários, fazer o que for básico, mas têm potencial para fazer muito mais do que isso, a bem do Estado, a bem dos serviços públicos. A partir daí, temos condições para que os cidadãos percebam que localizar, ou regionalizar, uma parte do poder nacional é um benefício. 

Tem a expectativa que o programa eleitoral do PS para as eleições legislativas de 2019 contemple a regionalização?

Se se concluir o pacote de descentralização este ano, sendo ou não sendo aplicado em 2019, eu quero acreditar que podemos fazer esse debate, não só no PS, mas no país.

A descentralização tem de ser prévia à regionalização? 

Acredito que sim, porque é uma fase importante para demonstrar aos cidadãos que isto faz sentido e funciona e para demonstrar aos cidadãos que é possível ter uma regionalização sem ter mais tachos. Foi o grande argumento de há 20 anos. 

Ficou chocado com o desfecho do caso do Infarmed?

O Governo andou bem no processo, talvez tendo pecado pela forma como comunicou a sua suspensão. Em bom rigor não foi anulada a hipótese de o Infarmed ir para o Porto. O que se passou foi a transição do processo do Ministério da Saúde para a comissão, criada em sede parlamentar, para tratar de todo o conjunto de instituições públicas que podem ser descentralizadas para o país. 

 As suas relações com Rui Moreira são boas, apesar de não terem a mesma ideologia?

Rui Moreira é um autarca de referência em Portugal. Tem feito um trabalho que me parece muito positivo e parece-me óbvio que quer enquanto presidente da câmara de Gaia, vizinha do Porto, quer enquanto presidente da Área Metropolitana do Porto, seria uma idiotice não contar com a colaboração e parceria do presidente da Câmara do Porto. Isso tem acontecido de uma forma perfeita. Ele não tem filiação partidária, mas tem um enorme caráter e uma enorme convicção no que está a fazer. É um autarca de grande qualidade. Eu sei que é uma coisa nova, porque as pessoas estavam habituadas aquela guerra paroquial entre o Dr. Rui Rio e o Dr. Luís Filipe Menezes. Mas era uma guerra pessoal. Uma guerra paroquial, de egos…

Falando da câmara a que preside, o valor da dívida são 138 milhões de euros?

Sim, e vamos chegar ao fim do ano com 134 milhões de euros, mas 134 milhões de euros é muito dinheiro. Para mim, o que é importante dizer é que cheguei agora aos 138 e vou chegar ao final do ano com 134, depois de ter partido com 299 milhões de euros. E de ter feito em cinco anos a maior redução de dívida do país. Mesmo quando me comparo com Lisboa, que tem um orçamento muito mais elevado de Gaia. Este trabalho é muito importante para mim porque significou um esforço durante dois anos e meio, três anos, com a liquidação de uma empresa municipal, a GAIANIMA,  o pagamento de duas mega sentenças no valor global de 30 milhões de euros e significou transformar as empresas municipais restantes, as Águas de Gaia e a Gaiurb em duas empresas municipais que hoje estão perfeitamente sustentáveis. Significou ao mesmo tempo que a Câmara de Gaia, pela primeira vez, em 2018, passou a estar no verde. Ou seja, abaixo do limite legal de endividamento. Nos últimos 16 anos estivemos sempre a violar a lei. 

Mas esse endividamento não foi necessário?

Há um velho paradigma da gestão pública que é a ideia de para fazer obra é preciso ir à falência. Esse velho paradigma está ultrapassado. Não é necessário ir à falência para fazer obras. Se assim fosse, os finlandeses, os noruegueses, os dinamarqueses já há muito que tinham ido à falência. 

Queria ouvi-lo sobre política nacional. O último Orçamento do Estado desta legislatura é eleitoralista?

Não. É um orçamento de alegria porque tem algumas medidas que eram impensáveis há um ano. Estou a referir-me, por exemplo, ao passe único, que é uma combinação do passe social, que já existe, com um passe de valor reduzido para todos os cidadãos, permitindo um processo de melhoria socioeconómica para as famílias, mas permitindo também o início de um processo de valorização do transporte público.

Estamos a um ano das legislativas. Não há aqui uma tentação de eleitoralismo?

Não. O Governo lança novos benefícios e mantém a trajetória de redução do défice.

Aí somos todos Centeno. É isso?

Não, aí somos todos beneficiados por um processo de redistribuição. Eu diria, aí somos todos António Costa. Foi António Costa, não foi o ministro Mário Centeno, que apostou num processo de melhoria das condições da competitividade da economia para uma melhor redistribuição. Quando muito Mário Centeno fez uma boa gestão dos dinheiros públicos, mas quem fez a boa gestão estratégica dos dinheiros públicos foi o António Costa, não foi Mário Centeno.

A um ano de eleições, o primeiro-ministro deve ir a votos a apelar à maioria absoluta?

Como sabe António Costa já disse que não o vai fazer. 

E qual é a sua opinião? 

A questão da maioria absoluta é, para mim, uma condição importante de governabilidade, não é única. Mas eu, mais do que tudo, acho que ele merecia ter maioria absoluta. 

A relação do PS com a esquerda não é uma amizade de conveniência?

Não é uma amizade de conveniência. É uma estratégia que radica na convicção ideológica do primeiro-ministro e numa visão um bocadinho mais ampla do que é mera gestão partidária da coisa pública. Agora, isso não me impede de achar que seria muito justo que António Costa tivesse maioria absoluta, porque ele é claramente a referência do poder político da última década. 

Com ou sem maioria absoluta, os parceiros de diálogo serão sempre de esquerda, do PCP e do BE? Nunca com a direita.

Primeira parte sim, segunda parte não. Os parceiros privilegiados para o PS, com ou sem maioria absoluta, serão o PCP e o BE. Sendo que há dossiês onde se percebe perfeitamente que esse diálogo não é viável e nós não podemos excluir nem o PSD, nem o CDS da governação. Não há uma rede com arame farpado no Parlamento que divide a esquerda da direita. E não estamos perante uma divisão maniqueísta dos bons contra os maus.  Em dossiês como a Europa, a sustentabilidade da Segurança Social, os contributos e o diálogo com os partidos devem ser feitos numa perspetiva alargada. Rui Rio já mostrou estar disponível para esses compromissos de Estado. Não acho que se deva dizer nunca com a direita. Porque também acho que hoje o PSD é menos da direita do que era com Passos Coelho. 

O que está a dizer é Bloco Central não, mas acordos em temas de Estado sim. É isso?

Em temas estruturantes sim. Digo isto com uma dupla convicção. A convicção de que para tratar de temas europeus, infelizmente não podemos contar com o BE e com o PCP, -sobre isso não evoluíram -, mas também com a convicção de que a política no país não pode ser uma política de ajuste de contas.

Disse que PCP e BE não evoluíram sobre a Europa. Acha que é possível, em caso de vitória do PS nas legislativas, incluir ministros do Partido Comunista e do BE?

Possível há de ser. Não vejo nenhuma impossibilidade, até porque não me parece que por ter ministros, ou não ter, que os cidadãos não percecionam que há neste momento um pacto, um acordo entre o PCP, o Bloco e o PS.  Para ter ministros no Governo temos de assumir algumas dimensões da política governativa, nomeadamente, da política europeia. Mas, esse é um caminho que tem de ser feito, não pelo PS, mas pelo PCP e pelo Bloco. 

Qual dos dois parceiros foi mais leal, o PCP ou o BE?

Não consigo fazer essa avaliação. Tenho uma estima por duas dimensões específicas de cada um deles. No caso do PCP tenho uma estima enorme pela afirmação de compromisso que durante este mandato sempre presidiu à forma como o PCP se comportou neste acordo. No caso do BE, gosto de algumas causas do Bloco, mas penso que é preciso amadurecer a forma de fazer política e de evitar alguns devaneios populistas que, depois correm mal. 

Está a referir-se à chamada taxa Robles sobre a especulação imobiliária?

É um dos casos, mas há outros em que não se pode dizer uma coisa e fazer outra.

É mais fácil fazer um acordo escrito com o PCP do que com o BE?

Acho que talvez seja difícil ao BE, por muito que não queira, fugir a um compromisso numa nova legislatura.  Nestes meses que aí veem espero que não se criem as condições para um afastamento artificial e oportunista desta solução que permitiu, apesar de tudo, bons resultados para o país.

Pode existir essa tentação?

Há o risco de pensar que esta solução pode prejudicar o score eleitoral de A ou de B, até pode prejudicar o do PS, e portanto que haja aqui um afastamento de última hora. Espero que não aconteça.

O líder da Federação Distrital do PS/Porto, Manuel Pizarro, considerou, numa entrevista ao jornal Público, que o combate à geringonça de Francisco Assis obscureceu, de alguma forma, a sua ação no Parlamento Europeu. Concorda?

Percebo bem o que o Manuel Pizarro diz. Ouvimos mais falar do Francisco Assis pelas abordagens à política nacional, do que pelas abordagens à política europeia.

Isso é mau?

Gostava de o ter ouvido falar mais de política europeia. O que eu espero é que no futuro, nomeadamente, nas próximas eleições, o país e já agora a região [do Porto]  possa ter uma expressão no Parlamento Europeu que permita afirmar a região no contexto europeu. E, nesse sentido, espero que Manuel Pizarro esteja na lista ao Parlamento Europeu, porque acho que fará um trabalho de afirmação dos desígnios da Europa e dos desígnios de Portugal na Europa. Se o Francisco Assis lá fica ou não, não faço a mínima ideia.

Mas gostava que Francisco Assis ficasse na lista?

Eu sei é que gostava de lá ver o Manuel Pizarro. Acho que Manuel Pizarro tem um potencial de afirmação da região no Parlamento Europeu suficientemente forte para justificar a sua presença na lista e acho que estes anos de Francisco Assis no Parlamento Europeu podem projetá-lo para outro tipo de desafios que já não passam pelo Parlamento Europeu. 

Que outros projetos? 

Vi-o tão envolvido nas questões nacionais que pode participar em inúmeras atividades, desde o Governo, se o António Costa quiser, a outros desafios académicos ou outros. Acho que Francisco Assis não terá um problema de empregabilidade.

Quem é que gostaria de ver como cabeça de lista nas Europeias?

Provavelmente algumas pessoas que eu gostaria de ver como cabeça de lista não o podem ser. Veja o trabalho magnífico de Elisa Ferreira  no Parlamento Europeu.

Está no Banco de Portugal. Agora seria impossível…

Agora é impossível. Acho que não seria muito cordial estar aqui a dizer nomes à sorte. O que digo é que o Manuel Pizarro tem suficiente peso político e provas dadas para justificar integrar a lista nas eleições europeias.

E qual seria um bom resultado nas europeias?

Os bons resultados são sempre a maioria absoluta. 

Tal como nas legislativas?

Quem vai a eleições quer ganhar. Eu não tenho a noção de que ganhar com maioria absoluta signifique ignorar todos os outros. Eu ganhei com 61% e tenho nos vereadores da Câmara Municipal de Gaia três sensibilidades: PS, ex- PSD e independentes. A confusão que se estabelece é a de saber se maioria absoluta é poder absoluto. E não é. Podemos ter um primeiro-ministro com maioria absoluta a dialogar e a integrar sensibilidades político-partidárias.  Acho que é muito confortável pedir maioria absoluta.  

Seria muito confortável que o PS também pedisse maioria absoluta nas legislativas?

Eu pediria maioria absoluta e seria muito justo que os cidadãos dessem esta maioria absoluta ao PS, mas percebo que António Costa pense de maneira diferente e aceito perfeitamente.

Vai concorrer a um terceiro mandato à autarquia de Gaia?

Seria hipócrita se não dissesse que está nos meus horizontes a concretização de doze anos de mandato. Preferia que fossem dez, porque defendo dois mandatos de cinco anos cada.

Isso pressupõe uma revisão constitucional?

Pressupunha uma revisão constitucional e uma alteração à lei eleitoral, mas penso que seria uma daquelas revisões cirúrgicas. Os mandatos de cinco anos estenderiam o tempo de gestão e permitiriam adequar melhor a gestão autárquica do ponto de vista financeiro, ao quadro comunitário e aos desafios que temos em Gaia ou em outro sítio qualquer. Mas sim, voltando à questão, eu tenho na minha perspetiva cumprir os doze anos. 

O seu antigo adjunto diz que foi vítima de ‘tentativa de assassinato de caráter’. Este processo com o seu ex-adjunto afetou-o?

Afetou-me do ponto de vista pessoal. Quando lidamos com uma pessoa de peito aberto e, depois, percebemos que temos um traidor no nosso próprio gabinete, ficamos inevitavelmente tristes, amargurados. Felizmente que ainda fui a tempo de percecionar o que estava ali em jogo. Que era muito mais do que uma forma desorganizada de comportamento. Era uma estratégia política para criar as condições para me tentar derrubar.  Só me pode criticar por lhe ter chamado uns nomes. Significa que a minha atividade na câmara foi de absoluta lisura.