Sergio Moro fez bem ou mal?

Que sinal mais forte o novo Presidente do Brasil poderia dar do que convidar para ministro da Justiça o homem que se tornou a bandeira do combate ao crime?

A esquerda e a direita juntaram-se para condenar a ida de Sergio Moro para o Governo de Jair Bolsonaro. De Daniel Oliveira, situado na extrema-esquerda, a toda a gente do PS, de Marques Mendes, situado no centro, a Paulo Portas, todos criticaram a ida de Moro para o Ministério da Justiça brasileiro.

Os argumentos invocados fazem aparentemente sentido: ao aceitar ir para ministro, Moro deu razão àqueles que o acusavam de ter conduzido com objetivos políticos a Operação Lava Jato, que levou à prisão de Lula da Silva.

Ou seja, quando iniciou a luta contra a corrupção no PT (e não só), há quatro anos e oito meses, o juiz Moro já teria a intenção de um dia abraçar a política, de mãos dadas com a direita anticomunista.

Por outro lado – dizem – esta ida do juiz para o Governo mistura duas coisas que devem estar bem separadas: a política e a Justiça.

Finalmente, Moro disse um dia que nunca seria político – pelo que, ao fazê-lo, quebrou uma promessa, iniciando esta nova fase da vida já com a credibilidade abalada.

Além disso, é preciso recordar que as incursões de juízes na política não têm corrido nada bem. O superjuiz italiano Di Pietro, que conduziu a Operação Mãos Limpas, fundou um partido que não teve qualquer sucesso. E o superjuiz espanhol Baltasar Garzón também não teve grande sorte. Mas, se isto é verdade, não é menos certo que Moro conhece perfeitamente estas histórias e mesmo assim decidiu arriscar.

Compreendo os argumentos da esquerda e da direita, curiosamente semelhantes – o que denota alguma falta de imaginação –, mas a questão pode ser vista por outro prisma.

A eleição de Jair Bolsonaro no Brasil teve muito que ver com a criminalidade e a corrupção. O estado a que o país chegou neste aspeto fez nascer no espírito de muitos milhões de brasileiros a necessidade de uma mudança drástica.

Bolsonaro tem assim, neste campo, talvez a sua maior responsabilidade – e o seu sucesso ou fracasso passa muito por aqui.

Ora, que sinal mais forte o novo Presidente poderia dar do  que convidar para ministro da Justiça o homem que se impôs como bandeira do combate ao crime?

Que prova mais forte o novo Presidente poderia dar da sua vontade de enfrentar com vigor a criminalidade e a corrupção do que convidar para o Governo o homem que foi para a frente com o maior processo da Justiça brasileira, resistindo a tremendas pressões e levando o caso até ao fim – com a prisão de um ex-Presidente popularíssimo?

Ao convidar Sergio Moro, o novo Presidente mostrou que, ao contrário de quase todos os políticos brasileiros, que se deixam corromper quando chegam ao Governo, ele leva mesmo a sério a luta contra a corrupção.

Do ponto de vista de Bolsonaro, é, pois, óbvio que se tratou de um sinal fortíssimo.

Se o combate ao crime falhar, a culpa não será dele. Aliás, ao dar ao juiz plenos poderes, Bolsonaro quis dizer aos brasileiros e ao mundo que não se intrometerá nas questões de Justiça e que Moro terá mãos livres para agir.

Do lado de Sergio Moro (que tem curiosamente o mesmo apelido de um político italiano assassinado pelas Brigadas Vermelhas), a questão coloca-se de modo diferente. O mais sensato seria não ter aceitado o convite. A responsabilidade que assume é gigantesca, a erradicação da corrupção no Brasil é uma tarefa hercúlea e as probabilidades de falhanço são enormes.

Assim, o mais cómodo para ele seria recusar o convite e manter-se no aparelho da Justiça. Até porque não precisava da política para nada: é célebre, tem prestígio, e com este Presidente nunca seria molestado nem pressionado. Ao aceitar os riscos, que não desconhece, de entrar na política, Sergio Moro mostrou coragem e confiança em si próprio: entende que no Governo pode levar melhor para a frente a sua cruzada contra o crime do que ficando no aparelho judicial.

O convite de bolsonaro a Sergio Moro é um risco? Para o Presidente, não é: de certo modo, ele lava as mãos da luta contra a criminalidade, passando a batata quente para as mãos do juiz. Para Moro, sim. A sua tarefa no Ministério da Justiça tem tudo para correr mal. Mas o simples facto de aceitar o enorme desafio mostrou que é um homem de coragem. Oxalá tenha sorte.  

P.S. – As críticas de militantes socialistas à nomeação de Sergio Moro, com base na ‘confusão entre Justiça e política’, causam alguma perplexidade: então a ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van Dunem, não é magistrada do Ministério Público e membro do seu Conselho Superior?