O Estado já tem a RTP e a Lusa para sustentar

Mal seria que Marcelo tivesse razão e a solução para a crise nos media dependesse da intervenção do Estado

A Newsplex, proprietária do SOL e do i, faz hoje três anos. As datas festivas podem servir para balanços, para olhar para trás e lembrar o muito que passámos para chegar até aqui – e que não adianta nada, porque, como ainda diz o povo, ‘para trás mija a burra’ – ou, na bem melhor e mais produtiva alternativa, para olharmos para a frente e anteciparmos os desafios que todos os dias temos e teremos de enfrentar para manter vivo o nosso projeto jornalístico.

Não tendo mecenas que garanta o capital necessário para suprir perdas nas vendas em banca, que nunca voltarão a ser o que já foram, nem crença ainda em que o Estado deixe de tentar asfixiar com o garrote fiscal as pequenas e médias empresas – incluindo a Newsplex -, a solução para um projeto jornalístico (do SOL, do i ou de qualquer outro) não passa por proposta semelhante à que o Presidente Marcelo preconizou para a Comunicação Social do regime.

Se o futuro do SOL e do i depender da ajuda e da intervenção do Estado, que acabem.

A sobrevivência do jornalismo depende única e exclusivamente da capacidade para se autossustentar.

Ora, tal será absolutamente impossível num mercado disfuncional em que o Estado é mau regulador (e mau gestor) e os grandes grupos desvirtuam as regras e as boas práticas, minando a entrada de novos players no mercado e procurando por todas as vias impossibilitar a livre concorrência que dê cabo do pouco que ainda lhes assegura a sobrevivência.

Corrigir este estado anormal do mercado é que deve ser a preocupação do Estado e não outra.

 

O Estado (detentor da RTP e da RDP e garante único do financiamento da Lusa) e os grandes grupos, reféns de megaestruturas sobreavaliadas e com massas salariais estratosféricas, e em muito desfasadas da realidade nacional, e que pornograficamente convivem com fornadas de estagiários a quem nada pagam, são os únicos beneficiários do mercado tal como ele se mantém. E por isso assim se mantêm.

Mas a culpa também é da Comunicação Social e dos seus principais agentes, os jornalistas.  Um dos erros da comunicação social (e da classe jornalística) foi achar-se e convencer-se de que é o quarto ou o quinto poder.

 

A comunicação social só sobrevive como contrapoder e enquanto servir os interesses de quem não se conforma com a ignorância, com a iliteracia, com a ausência de escrutínio, de fiscalização, de investigação, do ato simples de questionar, de interrogar, e de quem com coragem para denunciar o que vai mal na res publica, no poder mal exercido, seja em proveito próprio ou dos seus, seja simplesmente em desfavor do país, dos seus contribuintes e da sua gente.

Se o jornalista não deve ser protagonista – informar é dar (e não ser) notícia – também não pode deixar de recusar o papel de mero mensageiro.

O dito jornalismo acrítico, acéfalo, de pé de microfone, das redes sociais, pode ser muito útil para muita gente mas não é jornalismo e não serve os interesses de quem quer ser e estar informado.

Se destes depender o futuro do jornalismo, desenganemo-nos todos.  Como desenganem-se os que acreditam que a solução está no Estado.

O Estado já tem a RTP (com a RDP) e a Lusa – o que, como diria Mário Crespo, não é nada pouco – para sustentar e para alimentar com os impostos dos contribuintes.

Não podemos nem devemos ficar à espera de mecenas que não existem.

Devemos, sim, e enquanto pudermos, continuar a trabalhar para merecermos a aposta de quem quiser continuar a investir em informação independente. 

 

Essa, porque cada vez mais rara, vai valer cada cêntimo investido.

Seja por investidores que ousem desafiar os poderes instalados, seja pelo público que continua a comprar jornais e que sabe que a informação nunca foi, não é nem será gratuita.

Quanto ao Estado, mais do que em subsidiar quem obviamente não deve subsidiar, devia preocupar-se em não prejudicar e, sobretudo, em não asfixiar. 

Em nome da liberdade e da democracia. E por mais que lhes custe.