Armando Vara e um pedido de ajuda pouco provável

Vara revelou que recebeu um pedido de ajuda há dez anos e que ainda hoje pensa se a sua vida teria sido melhor se tivesse acedido. O pedido era para pôr Carlos Alexandre como diretor do SIS. Tudo, numa altura em que o Executivo de Sócrates estava satisfeito com o então diretor do SIS e…

Armando Vara e um pedido de ajuda pouco provável

Quase três anos e meio depois de ter sido interrogado pela última vez pelo juiz Carlos Alexandre, Armando Vara decidiu revelar esta semana um suposto pedido que lhe foi feito há quase uma década: ajudar a colocar o magistrado na direção do SIS. A afirmação foi feita numa entrevista à TVI, na qual Vara – prestes a ir para a prisão por tráfico de influências – chega a questionar como teria sido a sua vida na última década se tivesse acedido a esse pedido.

O antigo ministro socialista e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos e do BCP deixa no ar que esse pedido não só lhe terá sido feito a si como a outros governantes. Garantindo que as decisões de Carlos Alexandre no caso Face Oculta e no processo Marquês são uma espécie de vingança e fez ainda uma referência ao processo Vistos Gold – não esclarecendo se com isso queria sugerir que tais pedidos também tinham sido feitos Miguel Macedo, ex-ministro de Passos envolvido neste processo.

Na entrevista, tanto o Ministério Público quanto o juiz Carlos Alexandre são colados a uma agenda de direita e acusados de agir para condicionar o poder. E se por um lado é certo que a condenação de Armando Vara foi analisada e carimbada por diversas instâncias, nunca por Carlos Alexandre, por outro é o trabalho deste último juiz – que apenas fez a instrução do processo – que é por diversas vezes referido. 

Quanto aos restantes magistrados, que o condenaram, Vara limita-se a dizer que se deixaram levar «por uma máquina de propaganda do MP».

Até ao momento, Carlos Alexandre não tomou qualquer posição, sendo certo que, como o jornal i noticiou esta semana, se decidir avançar com uma queixa crime por difamação ficará impedido de interferir em qualquer investigação futura que vise Vara.

Há dez anos o ambiente que se vivia entre a Justiça e a política era conturbado, sendo notícia a alegada instrumentalização dos serviços secretos – com várias ligações à maçonaria – por parte do governo, com o objetivo de manter os atores da justiça debaixo de olho. 

Entre 2009 e 2011 era o juiz Antero Luís que dirigia a secreta interna – ou seja, o cargo que agora Vara diz agora que Carlos Alexandre queria ocupar. E a confiança do executivo liderado por José Sócrates em Antero Luís era tanta que em 2011 o mesmo foi nomeado para secretário-geral da Segurança Interna. Anos mais tarde Antero Luís viria a ser notícia por ter sido apanhado em escutas num dos processos referidos por Vara na TVI, os Vistos Gold – tendo, nessa sequência, feito queixa do juiz Carlos Alexandre e da procuradora que tinha o caso em mãos, segundo o DN noticiou, pela forma como o seu nome foi mencionado. 

 

Ajuda em tempos crispados?

A altura em que Vara agora diz ter sido interpelado fez correr muita tinta sobre as tentativas de condicionamento da Justiça e dos media por parte do poder político. Várias notícias deram conta de suspeitas de que em 2009 os serviços secretos estavam a fazer vigilâncias a magistrados – incluindo Carlos Alexandre – no âmbito das diligências no processo Freeport – que envolvia o então primeiro-ministro José Sócrates.

Além das suspeitas de alguns magistrados à época, também na imprensa se sentiam as pressões para que as notícias sobre o caso não vissem a luz do dia, como chegou a confirmar à revista Sábado José António Saraiva, ex-diretor do SOL.

Mesmo dentro do Ministério Público o mal-estar estava instalado: os procuradores responsáveis pelo caso acreditavam que com a passagem do processo para a Procuradoria-Geral da República – então liderada por Pinto Monteiro – os investigados, incluindo Sócrates – tinham sido informados. Situação que terá levado a abortar os planos para a compra da TVI.

É no final de 2009 que são feitas as primeiras diligências do processo Face Oculta, que teve para se chamar Operação ‘Amigo dos Amigos’.

 

Vara vs. Alexandre: First round 

Apesar de dizer que a sua vida poderia ter sido diferente nos últimos dez anos se acedesse ao pedido, o certo é que a primeira vez que Vara foi interrogado por Carlos Alexandre foi há apenas sete anos – no âmbito da instrução do Face Oculta.

O clima de crispação entre o Executivo socialista e a Justiça mantinha-se, devido a todos os indícios de tentativas de controlo político e, nesse mesmo ano, numa entrevista ao Correio da Manhã, o juiz Carlos Alexandre, sem falar em casos concretos, afirmava: «Há políticos a tomar posições sobre decisões da Justiça antes de serem conhecidas».

Mas esse incómodo era visível já desde o início do ano, quando na abertura do ano judicial vários atores tinham reiterad000o a necessidade de se assegurar a separação de poderes – com indiretas para o caso das escutas destruídas e para as notícias que davam conta de que havia um plano para controlar a estação de Queluz de baixo.

Os arguidos da Operação Face Oculta acabaram pronunciados neste ano. A condenação acabaria por chegar mais tarde, em setembro de 2014, de Aveiro. Nem esta decisão, nem as confirmações dos tribunais superiores tiveram qualquer intervenção do juiz de instrução. 

 

Vara vs. Alexandre: Second round

Em 2015, a 10 de julho, Armando Vara voltou a ser interrogado pelo superjuiz, mas desta vez no âmbito da Operação Marquês e já com a sentença de primeira instância da Face Oculta conhecida. No Marquês era suspeito de corrupção passiva de titular de cargo político , branqueamento de capitais  e fraude fiscal qualificada, tendo já sido deduzida acusação. 

Na altura, questionado sobre o porquê de lhe ter aparecido um milhão na conta da Suíça, Vara recusou esclarecer. Segundo o MP, o ex-ministro recebeu tais montantes para facilitar a concessão de um empréstimo da CGD, de que era administrador, ao Grupo Vale do Lobo, de 227 milhões de euros. 

Até hoje nunca tinha feito qualquer referência a qualquer vingança de Carlos Alexandre, abordando essa questão – sem explicar de que forma poderia conceder essa ajuda à data em que lha foi pedida – na véspera de a decisão do Face Oculta transitar em julgado. 

Na TVI, o ex-ministro frisou uma pergunta que Judite de Sousa fez a Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto comentador, para fundamentar o interesse de Carlos Alexandre para dirigir o SIS: «Parece óbvio que Carlos Alexandre queria ser diretor do SIS. Não digo mais nada agora».

Na Operação Marquês, Armando Vara pediu o afastamento de Carlos Alexandre, justificando que a distribuição do processo em 2014 foi manual e não automática, o que violava o princípio do juiz natural. Na distribuição eletrónica para a fase de instrução, o processo foi parar às mãos do juiz Ivo Rosa.

 

As condenações do Face Oculta

No ano passado, a Relação do Porto confirmou a condenação de Armando Vara a cinco anos de prisão efetiva. José Penedos, outra das peças-chave no esquema de corrupção que beneficiava o sucateiro de Ovar Manuel Godinho, também viu a Relação manter a sua pena de prisão efetiva de cinco anos.

Já o empresário Manuel Godinho foi condenado em setembro de 2014 a 17 anos e meio de prisão (em cúmulo jurídico) por  cinco dezenas de crimes, como corrupção, tráfico de influências e associação criminosa. Os desembargadores decidiram na altura reduzir a pena para 15 anos e 10 meses. A Relação do Porto decidiu atenuar as penas aos restantes 31 arguidos.

No caso Face Oculta foram condenados 36 arguidos (entre os quais duas pessoas coletivas), 11 deles a penas de prisão efetivas.