O valor das propinas ou a falta de residências têm sido duas das razões que travam a ida de estudantes para o Superior, apontam as associações académicas. Em setembro de 2019 o valor da propina máxima vai passar dos 1.068 euros anuais para os 856 euros por ano. São menos 35 a 40 milhões de euros que vão entrar nos orçamentos das universidades, alerta ao SOL o reitor da Nova, João Sàágua, para quem a medida «é demagógica e tem efeitos perversos». Isto porque um aluno com mais recursos financeiros beneficia da mesma medida que um aluno com mais dificuldades. Por isso, o reitor defende que em vez de reduzir o valor das propinas se devia reforçar as verbas dos Serviços de Ação Social, que atribuem bolsas e subsídios de alojamento aos alunos mais carenciados.
Um dos problemas apontados pelos estudantes é a falta de residências. O Governo anunciou a construção e requalificação de 200 edifícios com capacidade para 12 mil novas camas. A aposta do Estado foi pouca?
Sobre este assunto o Estado agiu bem e pensou depressa. No curtíssimo espaço de tempo em que a questão se pôs, que se pôs subitamente. A questão talvez já pudesse ter sido antecipada mas estávamos com uma procura deprimida no tempo da troika. Não era muito percetível o que se ia passar em termos de preço de quartos, não só em Lisboa e no Porto mas em todo o país. Isso veio criar uma necessidade que antes não existia. Antes, se o estudante conseguisse um quarto por um preço módico, se calhar até preferia estar num quarto do que numa residência, onde há regras. O problema não era fácil de antever, sobretudo com a intensidade com que se pôs. Nesse aspeto, acho que o Estado agiu depressa e relativamente bem. Depressa porque rapidamente começámos a ter medidas e bem porque as medidas são diversificadas. Há várias medidas que o Estado está a adotar. Está articulado com as autarquias e está a apoiar as universidades.
Da lista dos edifícios de novas residências há dois em Almada, o Quartel da Trafaria e um edifício na Rua D. Sancho I. Vão ser concessionados pela Nova?
Estamos a pensar concessionar esses edifícios. Estive em contacto direto e intenso com o Ministério e com a secretaria de Estado e a universidade manifestou o seu interesse. O Estado aí fez o que tinha de fazer. Mas nós não ficámos por aí. Neste momento estamos a colaborar intensamente com o ISCTE para construir uma residência, com a autarquia da Amadora, às portas de Benfica. De metro está a 15 minutos do centro da cidade.
Essa residência vai ser construída de raiz?
Sim. Achamos que nesse caso era mais benéfico. É mais rápido e mais barato do que o Estado estar a recuperar um edifício. Mas daquilo que se conversa entre reitores, há zonas do interior do país onde seria mais importante ter um sistema articulado com as autarquias para a mobilidade, do que as residências. O aluno está a 15 ou 20 minutos da universidade e prefere continuar a viver onde está, mas precisa de um transporte rápido. E sei que também há sensibilidade para isso. A solução não é uma, são muitas. Passa sempre por ter mais residências mas passa também por outras soluções.
O antigo edifício do Ministério da Educação na 5 de Outubro vai ser transformado em residência. A Nova tem interesse em concessionar esse edifício?
Vai ser perguntado às universidades se querem fazer uma gestão dos edifícios individual ou conjunta. Veremos caso a caso quais são os edifícios sobre os quais temos um interesse. Depois da obra feita, analisaremos. Vamos ter pelo menos mais duas residências com mais 250 quartos. Só com estes quartos conseguimos responder a todos os pedidos que nos têm sido feitos nos últimos cinco anos. Mas imaginando que esses pedidos sobem estamos a pensar ir até aos 350 quartos.
Diz que a solução foi rápida, mas os estudantes salientam que há mais de 20 anos que não se aposta em residências. A resposta chega tarde?
Em Lisboa e no Porto os estudantes dizem isso. Mas até agora os estudantes tinham alguma facilidade em encontrar quartos em Lisboa e no Porto e muitos deles preferiam. Agora está a ver-se o movimento contrário. O preço dos quartos inflacionou de tal maneira que o que se está a dar de subsídio [bolsa do Estado] já não dá para custear o quarto e o estudante está a procurar a residência. Mas é evidente que há muitos aspetos do Ensino Superior que se conseguem prever e sobre os quais se consegue atuar atempadamente.
Este era um deles?
Este era um deles mas dependia, como todos os outros, de dinheiro.
Desde que este Governo tomou posse que o valor máximo das propinas foi congelado. No próximo ano letivo o valor vai descer 212 euros anuais. Qual é o impacto desta medida?
O congelamento das propinas, já foi só por si uma situação de enorme dificuldade. As propinas fazem parte do financiamento. Não há nenhuma universidade portuguesa que consiga sobreviver apenas das verbas que o Estado lhe dá. Para termos um termo de comparação, a Nova tem cerca de 20 mil alunos, cerca de 1.200 professores, mais uns quantos investigadores e mais umas centenas de colaboradores não académicos. Em grosso modo tem uma estrutura e uma abrangência semelhante à Universidade Livre de Bruxelas, na versão flamenga. A Universidade Livre de Bruxelas recebe do Estado o triplo da fatia que nós recebemos. Fazemos omeletes praticamente sem ovos.
Que despesas são cobertas pelas verbas que recebem do Estado?
O que nós recebemos do Orçamento do Estado não chega para pagar todos os recursos humanos. É cerca de 80% da nossa despesa com pessoal. E os recursos humanos são o maior valor da universidade. São lugares onde pessoas ensinam pessoas sobre as fronteiras do conhecimento. E onde pessoas produzem conhecimento que força as fronteiras do conhecimento. Pode sempre dizer-se que as universidades alemãs não cobram propinas. Pois não. Mas troco já a minha fatia do Orçamento do Estado com a fatia alemã. Como o país não pode, infelizmente, suportar essa situação, as famílias contribuem através das propinas. Congelar as propinas é uma coisa que se percebe, viemos da troika, viemos de uma situação extraordinariamente deprimente para as famílias. Agora, a redução do valor é uma medida completamente diferente. É uma medida demagógica e de efeitos perversos.
Porquê?
Há uma série de potenciais candidatos ou de estudantes que não estudam no Superior porque não têm condições financeiras seja para pagar um quarto fora do sítio onde vivem, seja para se sustentarem. Porque as famílias não têm condições suficientes. Em Portugal isso tem um nome: Serviço de Ação Social. Se estamos interessados em financiar o Superior para favorecer aqueles que menos podem e aqueles que menos têm, então agarrem nesse dinheiro e atribuam aos Serviços de Ação Social. É para aí que tem de ir o dinheiro. Senão o que vai suceder é que há estudantes que pagam menos 200 euros de propina e que não têm qualquer dificuldades. Beneficiam da mesma medida que o aluno que tem dificuldades. A medida é perversa porque não beneficia quem menos pode e quem menos tem.
Qual é o valor total da redução das propinas?
De acordo com as nossas estimativas, cada estudante a pagar menos 200 euros por ano na propina máxima, vai custar entre 35 a 40 milhões de euros para todas as universidades. É um impacto brutal. Mas o Governo diz que vai aumentar em financiamento aquilo que as universidades perderam com a redução de propinas.
E vai?
Estou a admitir que o Governo é uma pessoa de bem e tem cumprido, de uma maneira geral, com os seus compromissos.
Tem havido alguma contestação com as verbas transferidas pelo Estado, que não cobrem a totalidade do aumento das despesas que resultam com alteração de leis…
Tem havido alguma contestação. Mas tenho essa expectativa…Se o Governo não fizer esse acerto a situação ficaria numa gravidade extrema. Mas mesmo assumindo que vai fazer esse acerto o dinheiro não está a ir para os bolsos certos.
Estão em asfixia financeira?
A situação das universidades não é toda igual.
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