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Como já vinha a ser antecipado, o plano de Theresa May para o Brexit foi chumbado na votação da câmara dos Comuns de dia 15. A única quase-surpresa foi talvez a dimensão da derrota, que foi verdadeiramente esmagadora. A verdade é que não existe plano que satisfaça às várias fações do parlamento inglês e a…

Como já vinha a ser antecipado, o plano de Theresa May para o Brexit foi chumbado na votação da câmara dos Comuns de dia 15. A única quase-surpresa foi talvez a dimensão da derrota, que foi verdadeiramente esmagadora. A verdade é que não existe plano que satisfaça às várias fações do parlamento inglês e a população britânica continua dividida. Uma triste novela que demonstra bem porque não se utilizam referendos de maioria simples para decidir romper com relações estruturais complexas com mais de quatro décadas.

Depois desta demolidora derrota do governo – a maior na história do parlamento inglês – May enfrentou mais um golpe sob forma de moção de censura vinda do Partido Trabalhista. Passou à tangente, mantendo-se como primeira -ministra, voltando agora à mesa das negociações com os vários partidos por forma a tentar quadrar o interminável círculo do Brexit. Já são quase dois anos desde que o Artigo 50 – que rege as saídas do bloco – foi acionado e a democracia inglesa continua incapaz de determinar um rumo para esta cisão paradigmática.

Os impactos desta incerteza têm sido mais evidentes na cotação da libra esterlina e no crescimento económico inglês que neste período tem sido constantemente inferior ao da zona euro. Do lado cambial, a moeda britânica caiu durante estes dois anos mais de 10% face às congéneres euro e dólar. A queda representa uma perda de poder de compra dos britânicos face ao exterior: menos liberdade para adquirir produtos externos e menos capacidade para muitas famílias manterem os seus habituais planos de férias no estrangeiro. Em reação, a desvalorização trouxe um natural – porém temporário – efeito de redução do défice externo mas que desde o princípio de 2018 tem vindo a dissipar-se.

Os efeitos não são cataclísmicos essencialmente porque ninguém acredita no cenário do Reino Unido sair ‘sem-acordo’ como deseja a ala mais radical do Partido Conservador inglês. A ideia que caso não haja acordo possa haver uma extensão dos prazos inscritos no Artigo 50 parece ser uma hipótese cada vez mais plausível, ao ponto do Daily Telegraph – uma publicação eurocética – ter sugerido no dia 8 que existiam negociações secretas nesse sentido. A hipótese de adiamento sempre me pareceu altamente provável dada a complexidade das negociações, especialmente em torno da delicada questão da fronteira intra-Irlandas que junta sensibilidades de ordem económica, política e social. Resumindo, a ideia de uma fronteira física que separe Irlanda do Norte (Reino Unido) da República da Irlanda (UE) seria altamente tóxica socialmente porém uma necessidade – para impedir contrabando em massa – caso Reino Unido e UE não estivessem alinhados por um acordo de livre comércio. 

Pela morosidade que a elaboração de um acordo desta natureza tem e por forma a evitar a hipotética fronteira, foi incluída nas negociações uma cláusula apelidada de ‘Irish backstop’ que essencialmente força o Reino Unido a alinhar às regras de comércio da UE enquanto ambas as partes não chegam a novo acordo nesse campo. Ora esta obrigação de alinhamento, embora fazendo todo o sentido económico, é politicamente inaceitável para o partido de Theresa May. E assim voltamos ao impasse inicial. A democracia direta é uma utopia muito bonita porém tem o potencial de criar mais problemas do que aqueles que efetivamente resolve.

*Gestor fundo macro no BIG – Banco de Investimento Global