Ba, a bófia e a senhora da casa da Judite

Bairro da Jamaica: Catarina Martins sabe que a reação de Mamadou Ba é perigosíssima e inadmissível.

Faz umas semanas, Judite de Sousa publicou nas redes sociais uma fotografia do lançamento do seu último livro em que aparecia ao lado da mãe, da irmã e «da senhora cá de casa». Caíram-lhe em cima, com uma chuva de comentários e posts arrasadores, que se prolongaram pelo prazo máximo de validade destes fenómenos nas redes sociais, obrigando-a a retirar a fotografia e a legenda da polémica.

Judite de Sousa não conseguiu, nem conseguiria jamais explicar que aquela legenda não estava imbuída de nenhum preconceito. Porque, por mais voltas que a jornalista desse, a verdade é que, na sua origem, a discriminação estava lá – não querendo necessariamente dizer que se tratou de uma manifestação de racismo: para a autora (que evidentemente pensou na qualificação que utilizou), provavelmente teria sido sempre a ‘senhora lá de casa’ tivesse a cor de pele que tivesse e fossem as suas origens africanas, asiáticas, americanas ou europeias.

Por isso, a esmagadora maioria das reações críticas ao post de Judite de Sousa evidenciavam um bem mais latente racismo do que o alegado racismo da jornalista.

Em Portugal há muito poucos racistas assumidos. Mesmo quem não deixa de ser racista não reconhece que o é ou procura negá-lo até para si próprio.

Isso, para começar, já não é mau.

Mas não chega.

Porque o racismo existe e os preconceitos sobre a raça existem – até por um passado de séculos de colonização cujos efeitos obviamente não desaparecem em poucas décadas e muito menos de uma geração para a outra.

E não é o facto de os portugueses terem apostado em práticas de miscigenação – mesmo que esta, mais do que por nobres princípios, resulte do pragmatismo de quem quer sedimentar a colonização e tem falta de gente e de colonos – que nega ou afasta o racismo.

‘Eles’, ‘vocês’ e ‘nós’ fazem parte do discurso corrente dos portugueses em geral e aplicam-se indistintamente quer em relação a raças, etnias, religiões, preferências sexuais, clubísticas, políticas ou partidárias…

E não tem mal nenhum, desde que haja consciência de que todos são cidadãos com iguais deveres e direitos.

Um heterossexual é um heterossexual, um homossexual é um homossexual, um cigano é um cigano, um branco é um branco, um preto é um preto, um católico é um católico, um adventista é um adventista e um muçulmano é um muçulmano.

Cada um é o que é. Tem é de respeitar os outros, nas suas semelhanças e nas suas diferenças. E respeitar as normas – a lei – da sociedade em que está inserido.

O resto são tretas.

Sobretudo o discurso e a retórica de uma pretensa classe dominante que pretende ditar o pensamento e as regras, a moral e a norma – para além da lei -, em que cada um não é bem o que é mas o que ‘eles’ acham que deve ser e serão todos a mesma coisa independentemente de não o serem.

Uma anormalidade.

Mamadou Baila Ba faz parte dessa pretensa classe – daqueles ‘eles’ que se julgam iluminados e investidos de um poder superior, vá lá perceber-se por que loas (ou talvez porque se trata de um daqueles assessores de um grupo parlamentar, no caso do BE, da Assembleia Municipal a quem a Câmara de Lisboa paga umas largas dezenas de milhares de euros para fazer nada ou ninguém sabe bem o quê).

Ativista do SOS Racismo, Mamadou Ba resolveu reagir aos acontecimentos do bairro da Jamaica qualificando a ação da PSP como «bosta da bófia» em post no Facebook que rapidamente se tornou viral.

Ba sabia que o seu post era incendiário, incentivador da violência e de ações desafiantes e agressivas contra os agentes da autoridade. E racista.

Mas manteve-o.

Mesmo depois de Catarina Martins lembrar que não se responde à violência «com violência».

Os skinheads e os racistas não são exclusivo da extrema-direita. Também os há na extrema-esquerda – e o PSR, que integra o BE, tem-nos.

Mamadou Ba não fez como Judite de Sousa e manteve o seu post. E pretendeu mesmo justificá-lo. 

E o BE mais nada fez.

As manifestações de racismo, venham de onde vierem, são sempre preocupantes.

Pelo que representam e por serem um rastilho de pólvora perigosíssimo depois de ateado. 

Sobretudo quando desafiam a autoridade do Estado e os seus agentes.

Como é agora o caso. 

E ‘eles’ sabem-no.