Jamaica, hipocrisia e populismos

O episódio no bairro da Jamaica, no Seixal, sintetiza a falta de dignidade social, profissional e política. 

As dezenas de famílias que nunca foram apoiadas para terem uma habitação digna, os polícias – agentes da autoridade do estado e garantes da ordem pública – que não são valorizados nem respeitados na sua profissão, os bairros sem condições – verdadeiros guetos dos insucessos e hipocrisias das “políticas sociais”, a divulgação sensacionalista, ligeira e tendenciosa que alguma comunicação social fez e o aproveitamento populista e irresponsável de alguns partidos e movimentos foram cruamente revelados pelos acontecimentos.

Devemos recusar o racismo. Mas também devemos recusar a narrativa conveniente ao Bloco de Esquerda e a outras organizações extremistas e populistas de que os acontecimentos no bairro da Jamaica representam uma atitude da sociedade ou do Estado. Portugal não é assim, por muito que desse jeito a alguns que se alimentam dessa narrativa.
A comunicação social tem um papel fundamental no Estado de Direito e na democracia. Esta responsabilidade não é cumprida cada vez que cede ao imediatismo e ao sensacionalismo. No caso do bairro da Jamaica, a difusão de imagens parciais intoxicou a informação e inviabilizou uma mediação correta dos acontecimentos.

As imagens do bairro da Jamaica revelam condições habitacionais infra-humanas. É justa a insatisfação daquela população. A exclusão social em bairros sem condições habitacionais permanece em muitos concelhos da Área Metropolitana de Lisboa. Sem subterfúgios, vale a pena identificar os concelhos onde estes problemas são mais graves e quais são os responsáveis políticos. É importante, sem hipocrisias, assumir que as propaladas preocupações e políticas sociais assentam em modelos que falharam.

É mais fácil e mais popular (populista) acenar com fenómenos de racismo, mas o que existe é exclusão provocada (e promovida) por políticas sociais falhadas e que apenas são úteis para aqueles que se servem da fragilidade e da miséria dos outros.

Os profissionais da polícia são mal pagos. Mais do que discursos de consideração pela polícia, importa valorizar a sua missão, remunerando adequadamente a profissão, confiando na sua ação, exigindo responsabilidade e rigor no desempenho das suas tarefas e penalizando condutas que colocam em causa o prestígio e confiança da sociedade.
A crítica primária à atuação policial é sempre o caminho mais fácil para a simpatia popular, especialmente num ambiente em que aqueles são o rosto do Estado que falhou na garantia da dignidade humana. Mas as forças policiais num Estado de Direito são o garante do cumprimento da lei e da preservação da liberdade. Os ataques sistemáticos à polícia por alguns protagonistas políticos é irresponsável mas não é inocente. Trata-se de uma atitude premeditada de quem não acredita no Estado de Direito e não convive bem com o modelo de sociedade livre e democrática.

À polícia cabe zelar pela ordem pública. Nenhuma condição social pode desculpabilizar o desrespeito da lei. A atuação da polícia tem de ser exemplar e nenhuma insatisfação profissional pode justificar uma conduta incorreta. Importa não ter preconceitos e julgar de forma ponderada. O imediatismo e o sensacionalismo contribuem para o populismo e para os extremismos de esquerda e de direita – igualmente reprováveis.

O combate ao populismo e aos extremismos deve ser uma prioridade. O compromisso com a dignidade social e profissional é o meio adequado para promover uma sociedade baseada em valores de liberdade, de tolerância e de respeito.