Santana Lopes: ‘Uma coligação pré-eleitoral ajudaria a ganhar à esquerda’

Santana Lopes desafia Rui Rio e Assunção Cristas para uma coligação pré-eleitoral nas legislativas. ‘As pessoas dizem-me: juntem-se, juntem-se’. Admite que ficou embaraçado com o caso Carlos Pinto e garante que já está a preparar as listas para as legislativas e autárquicas.

Os seus discursos eram muito aguardados nos congressos do PSD. Foi muito diferente falar no congresso da Aliança?

Senti-me bem. Foi uma sensação nova. Tinha pensado apresentar a moção de estratégia, mas durante o congresso decidi, quase à hora de almoço, pedir aos dois jovens [Bruno Ferreira Costa e Ana Pedrosa Augusto] para a apresentarem no meu lugar. Quando falei no sábado à noite disse que quase não me apetecia discursar. Por mim tinha fechado o dia de sábado sem falar. Estava a gostar de ouvir. É uma realidade nova. Um partido novo.

Sentiu necessidade de marcar a diferença em relação aos partidos tradicionais? 

A principal diferença da Aliança tem de ser nas propostas. Fiquei muito satisfeito por vários analistas que respeito –  e que nunca apreciaram as minhas posições ou atuações – terem dado especial atenção às propostas do partido, nomeadamente na área da saúde. Henrique Raposo, por exemplo. E  vários artigos com elevação olharam para a substância das propostas, porque representam a abertura de um novo ciclo. Não gosto de falar em nova República. Prefiro falar num novo ciclo no regime político. Há alguns clichés e dogmas que têm de cair de uma vez por todas, porque prejudicam os portugueses. Comecei a falar na generalização dos seguros de saúde quando apresentei a declaração de princípios da Aliança, ou seja, em agosto. Está lá escrito.

Não tem medo de assustar as pessoas com essas propostas?

Não têm razão nenhuma para se assustar. Não quero um sistema de saúde todo privado. Quero um sistema de saúde com os três pilares: o público, o privado e o social. Vamos deixar os seguros de saúde privados. Vamos falar em generalizar a ADSE. Quem quiser descontar passa a ter liberdade de escolha.  

Isso não iria excluir muitos portugueses?

Não. O Estado tem de continuar a apoiar aqueles que não podem. O objetivo das propostas que apresento não é beneficiar quem tem mais, mas sim quem tem menos.

A esquerda diria que essa solução criaria um serviço de saúde para pobres e outro para ricos? 

A esquerda diz muita coisa interessante, mas aquilo que defendem está a cair em ruínas. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) não responde aos mais pobres. Os mais ricos vão para o privado. Os que têm dinheiro e podem fazê-lo. Os mais pobres ficam à espera um ano ou dois anos e não têm hipótese de ir para o privado. Do que o  SNS precisa, de facto, é de concorrência. 

Seria uma espécie de ADSE para todos?

É esse o caminho. Quando comecei a falar nisto propus seguros de saúde generalizados. AADSE está numa encruzilhada que deve ser aproveitada, ou seja, é melhor para a ADSE passar a ter o desconto da generalidade de quem o queira fazer. Para a Aliança a liberdade de escolha é sagrada. A frente de esquerda acha que o SNS é gratuito, mas não temos dinheiro para o pagar. Está a rebentar pelas costuras e não responde às necessidades. Qualquer dia está todo fechado…

Há esse risco?

Não há o risco de fechar, mas há o risco de uma degradação enorme. 

Como é que enquadra essa proposta para a Saúde na reforma do Estado?

Na Segurança Social, por exemplo, as pessoas devem poder escolher se querem descontar só para o público ou se querem que uma parte dos seus descontos vá para esquemas privados, complementares ao sistema público. Poderia  ir desde os 25% até metade. A decisão caberia a cada um. Hoje sente-se, sobretudo as gerações mais novas, que daqui a 20 anos vai ser muito difícil que o Estado vá assegurar as reformas. Não acredito num Estado que diz aos cidadãos que estão proibidos de descontar para esquemas privados de Segurança Social. Estamos num momento decisivo de viragem do nosso modelo de organização económica e social. Vamos encontrar soluções para o financiar ou vamos passar a viver cada vez pior. 

Não é possível melhorar os serviços públicos sem abrir aos privados?

O que está a acontecer na Saúde é um exemplo do que nos pode acontecer a todos os níveis. Na justiça, nas estradas, na proteção civil, na segurança… OEstado está a rebentar por causa dos programas de ajustamento com Bruxelas. Não é por vivermos melhor que os outros europeus, mas porque Bruxelas não tem olhado de um modo adequado para as exigências da coesão económica e social. A Aliança quando nasceu disse: o principal desígnio do país tem de ser o crescimento económico. OPresidente da República tem de se envolver nesta causa.

OPresidente da República devia ter sido mais exigente com o Governo em relação ao crescimento económico?

Deixe-me só dizer isto. No domingo, Marques Mendes falou do crescimento. Durão Barroso fez um vídeo para a Convenção do PSD a dizer isso. Nunca os tinha ouvido a eleger o tema desta maneira, mas não fico aborrecido com isso. Fico muito contente. Quero é que todos se convençam de que essa tem de ser a grande aspiração  nacional. Se a conseguirmos realizar, a generalidade dos nossos problemas fica resolvido. Faz-me confusão que isto ainda não tenha sido interiorizado. Às vezes, por culpa da frente de esquerda. O primeiro-ministro está muito contente com um crescimento de 2,1% ou 2,2%, mas se crescêssemos 3,5% seriam três mil e quinhentos milhões de euros. Isso permitia que o SNSfuncionasse sem problemas. 

Não é um problema exclusivo deste Governo. Há muitos anos que o país tem um crescimento fraco… 

Não ataco só este Governo por causa disso. Em média, neste século crescemos menos de 1% ao ano. É um problema global da sociedade. Mas a Aliança nasceu por causa das causas. O crescimento económico, a coesão territorial, uma nova atitude na Europa… Se há coisa que um primeiro-ministro deve fazer é chegar a Bruxelas e dizer: há trinta anos que recebemos fundos europeus para a coesão, mas continuamos longe da média europeia. Somos ultrapassados por todos. E, portanto, não queremos os fundos europeus estruturados como têm sido até hoje. Vamos organizar dois ou três programas globais e o primeiro deles de apoio ao crescimento. 

Essa estratégia passa pela redução dos impostos?

Somos profundos crentes da importância da redução de impostos para o crescimento e para o investimento.

Já houve vários Governos que prometeram baixar os impostos e fizeram o contrário…

Isso é o principal. Qual é o mandamento sagrado para nós? Cumprir na ação o que se promete na eleição. Ainda ontem, depois da decisão que a Comissão Executiva da Aliança tomou sobre o caso de um seu vice-presidente, recebi mensagens de pessoas a felicitar-me por cumprir aquilo que tinha prometido. Na política, o pior que há é chegar ao poder e não fazer aquilo que se prometeu na campanha.

Ficou embaraçado com esse caso?

Quem é que não fica? Embaraçado e incomodado. Conheço essa pessoa há mais de 30 anos. Não somos amigos de casa, mas durante décadas fomos próximos no combate político. Com Cavaco Silva… Estivemos juntos em vários combates. Qualquer pessoa ficaria incomodada.

Mas é estranho desconhecer essa situação…
Como é que podia saber? Ele só foi notificado depois do congresso. Só soube disso quando saiu a notícia da SIC. Estava no futebol e mandaram-me uma mensagem a dizer: ‘Saiu uma notícia chata sobre o Carlos Pinto na SIC’. Não sabia o que era. 

A suspensão foi pacífica?

Foi por unanimidade. Ninguém teve dúvidas. Nem se colocou outra hipótese. Vai ficar afastado de funções até isto estar esclarecido. Falei primeiro com o próprio e reconheço que não é fácil. Espero que tudo se esclareça, mas estas situações não são fáceis. Disseram-me que se via na minha cara que  estava triste com tudo isto. E, de facto, estava. Custa-me muito tomar decisões destas. 

Rui Rio também falou num banho de ética e depois foi confrontado com alguns casos polémicos na sua direção.

Não tenho dúvida que a Aliança está a ser pioneira quando exige aos dirigentes do partido e aos  candidatos uma declaração em como não têm nenhum processo pendente. Darei o exemplo e vou entregar o meu registo criminal e a minha declaração. Acredito que todos os partidos vão acabar por fazer isto. 

O impacto mediático que a Aliança está a ter deve-se ao facto de ter Santana Lopes como líder. Espera que as pessoas votem mais nas ideias do que no líder?

Qualquer líder tem sempre o seu peso e há quem goste e quem não goste, mas espero que votem muito mais nas ideias. Vou lutar por isso. Não vou atrás das ideias que dão votos. 

Que tipo de ideias?

Contra os imigrantes ou a favor da prisão perpétua e da pena de morte. Aquilo que hoje os populistas defendem pela Europa fora. Não vou por aí. 

Está a falar do Chega de André Ventura?

Sim. Não vamos estar nessa batalha. Nunca vou dizer coisas diferentes daquelas que sinto e penso para ter votos. Não sou capaz. Não vou dizer: é preciso pôr a comunidade cigana na ordem. Sei que há muitas pessoas que pensam assim, mas não digo isso. Já fui presidente de câmara e procuro fazer um trabalho de integração. Com respeito pelas características das pessoas. Sou liberal, mas sou defensor da solidariedade social. E, portanto, estou noutro terreno.Portugal é uma sociedade tolerante. Espero que a Aliança tenha muito apoio pelas boas causas e pelas propostas que apresenta.

A Aliança não viabilizará, em nenhuma circunstância, um Governo liderado por António Costa?

Apresentei uma proposta para uma coligação depois das legislativas. Quanto mais tempo passa mais me convenço da necessidade de uma clarificação entre uma grande frente de direita e uma frente de esquerda. O facto de o PSD ter votado a favor da moção de censura é um sinal positivo. A Aliança também disse que teria votado a favor se estivesse no Parlamento. Cada vez mais, os dirigentes dos partidos do centro e da direita devem capacitar-se que, para os eleitores, o que faz sentido não é irem para eleições sabendo que PS, PCP e Bloco de Esquerda estão prontos para governar em conjunto. E depois, do outro lado, a Aliança, o CDS e o PSD não estão unidos. Não faz sentido. E, portanto, primeiro temos que ir todos a eleições. Há as europeias e as regionais na Madeira, mas uma coligação pré-eleitoral para as legislativas com base, por exemplo, no resultado das europeias ou de outros critérios que possam ser ponderados, poderá ajudar a ganhar à frente de esquerda.

Defende uma coligação pré-eleitoral entre os partidos de centro-direita?

O que quero dizer aos eleitores do centro-direita é isto: não nos podemos resignar nem dar por adquirido que a frente de esquerda vai ganhar. A proposta formal da Aliança é formar uma coligação a seguir às legislativas. Mas com quem contacto sinto vontade para a direita se unir ainda antes das eleições. No outro dia, no Norte do país, diziam-me: juntem-se, juntem-se. Cada um com as suas causas, com os seus projetos, mas pouco a pouco os dirigentes dos partidos de centro-direita estão a sentir que o caminho deve ser esse. Qualquer 1% ou 2% podem fazer falta para uma maioria absoluta. OPS, o PC e o Bloco não vão em coligação formal, mas António Costa já deixou claro qual é o seu caminho. 

Estaria disposto a abdicar de ir sozinho a eleições?

É uma proposta que tenho de apresentar ainda à direção política nacional, mas todos temos de admitir que faz sentido perante este discurso cada vez mais radical da esquerda. A bipolarização está cada vez maior. Já não é mau a coligação pós-legislativas, mas como se viu, por exemplo em 2015,  é mais mobilizador se houver um entendimento. Em 2015 o PSD e o CDS elegeram 107 deputados, mas separados teriam menos deputados por causa do método de Hondt. 

Está inspirar-se na AD de Sá Carneiro?

Tenho essas marcas dentro de mim. Boas marcas de convergência entre forças do centro e da direita, incluindo pessoas de esquerda moderada. Lembro-me que Sá Carneiro foi chamar Medeiros Ferreira, Francisco Sousa Tavares, António Barreto… É um movimento desse tipo que pode entusiasmar os eleitores que querem essa alternativa patriótica e democrática. Essa é a reflexão que devemos fazer. A Aliança prefere ir a eleições sozinha para medir a sua força. mas sem coligação pré-eleitoral é muito difícil vencer a frente de esquerda. 

Espera que Rui Rio e Assunção Cristas ponderem essa hipótese…

Quero colocar o tema em reflexão. Qual é a melhor via para ganhar à esquerda e à extrema-esquerda? Não é uma proposta, é um tema para refletir. A degradação da situação social e o extremar de posições assim o exigem. Acentuaram-se as clivagens entre a esquerda e o centro-direita.  

Tem falado com os outros líderes dos partidos de centro-direita?

Já falei com o CDS. Espero poder falar em breve com quem ainda não falei. 

Ainda não reuniu com o PSD? 

Com o PSD ainda não falamos, por causa do que aconteceu e por causa do nosso congresso, mas está na altura.
Já foi primeiro-ministro, presidente de Câmara de Lisboa, deputado… Onde se imagina no futuro?
Imagino-me presidente da Aliança. Tenho muita gente para colocar nas diferentes funções. Em princípio, irei encabeçar a candidatura para as legislativas, mas se os eleitores nos derem alguma responsabilidade, não fujo. O que gosto de fazer é aquilo que estou a fazer. Os quatro primeiros lugares da lista da Aliança às europeias são ocupados por candidatos que nunca tiveram intervenção na vida política. Têm percursos profissionais de mão-cheia. Isto enche-me de alegria. Paulo Sande, Maria João Moreira, Bruno Ferreira Costa, Daniela Antão. Têm a sua vida profissional. Advogados, professores universitários…

Isso prova que a Aliança não é só Santana Lopes?

Espero que se comecem a convencer disso. Paulo Sande é, de longe, o melhor candidato. Os cabeças de lista, à exceção do PS, que escolheu um ministro, são repetidos: Marisa Matias, João Ferreira, Paulo Rangel, Nuno Melo… Paulo Sande é uma candidatura de grande categoria. Já estamos a escolher os cabeças de lista para as legislativas e a começar a trabalhar nos candidatos para as autárquicas. 

É mais fácil fazer listas na Aliança que no PSD, onde há sempre uma grande disputa pelos lugares?

Não estou a sentir grande diferença nesse aspeto. É engraçado porque também já há disputa. O Presidente da República avisou-me disso: olhe que o partido vai ser novo, mas algumas coisas vão ser iguais. Isso faz parte.

Gostava mais de ter funções executivas ou, por exemplo, voltar a ser deputado?

Gosto mais de exercer funções executivas. Isso faz parte da minha vida. Não sou cínico e não escondo isso. Reconhecerão que não tenho grande dificuldade em ser parlamentar, mas gosto mais de funções executivas. 

Gostava de ser ministro?

Tudo está em aberto. A Aliança até pode ir para o Governo e o meu caminho ser outro e acabar por desempenhar outras funções. Não é por isso que corro. 

Sente a necessidade de dar provas depois de ter saído do cargo de primeiro-ministro daquela maneira?

Nessa altura deram-me como morto. Já está mais provado que não morri na altura. Não tenho contas nenhumas a ajustar. Isso já passou e agora quero ajudar Portugal de outra maneira.