O Governo deu à costa

Um Governo de esquerda só consegue equilibrar as finanças públicas com medidas de direita. Isto é, dá com uma das mãos e tira com a outra

Foi bom enquanto durou este sentimento difuso de recuperar o ter.

Um amanhecer mais consciente fez com que um dia umas classes profissionais se dessem conta de estarem na mesma, outras prejudicadas, outras sem futuro definido.

Andámos à volta de nós mesmos, e navegámos à bolina.

O mal fundamental permanece o mesmo. Não conseguimos sair da cepa torta.

Um Governo de esquerda só consegue equilibrar as finanças públicas com medidas de direita. Isto é, dá com uma das mãos e tira com a outra.

É ele e não outro que equilibra o défice com a redução do investimento público, fazendo Keynes corar de vergonha.

É ele e não outro que utiliza a cativação, na boa doutrina de Salazar, como freio à despesa, como arte de prestidigitação.

A esquerda amiga e passa culpas cala e consente. Faz-se de novas.

O dinheiro é essa coisa que não há, independentemente da vontade socialista de estender até ao infinito o pouco para consolar tantos, o vil metal…

E, portanto, pedras sucessivas caíram nos charcos, organizaram-se os protestos, saíram à rua as greves.

Tantas que deram para ser classificadas (hélas!) de direita e de esquerda.

Numa visão atualista nem ninguém calará a voz da classe operária nem dos descontentes em geral.

Por isso as sondagens promissoras entupiram.

Azar, o calendário atropelou as projeções. Antes das eleições, a crise social.

A volúpia da maioria absoluta caía, assim, por terra.

É certo que, prevendo o pior, o Bloco de Esquerda aburguesou-se. A sua líder moderou a linguagem, o tom de voz, as declinações do protesto. Tanto que alguns seus camaradas acharam um abuso e saíram.

O Bloco manifestou a sua intenção de ir para o Governo.

Entalado, o primeiro dos ministros, percebeu que alguma coisa devia mudar.

Optou. E optou por acentuar a esquerda da sua resposta.

O cenário transformador teve como epicentro o Governo.

Claro que o fez com cautelas.

Sob pretexto de encontrar espaço para a candidatura de ministros às eleições europeias, fez uma remodelação observando duas condições: reforçando o núcleo duro da confiança e permitindo a entrada dos jovens turcos em lugares convenientes.

Ninguém ignora que, neste país recuperado, há mais famílias endividadas a pedir ajuda. Sim, mas, em contrapartida, há outras a integrar o governo. Marido e mulher, pai e filha, por pouco irmão e irmã.

O cúmulo do nepotismo que a comunicação social, atenta veneradora e obrigada, desculpa.

O Governo é uma família com alguns filhos rebeldes.

É este outro bloco em que o PS se transforma para ganhar eleições.

O Governo vai ser uma comissão eleitoral.

É o Governo da esquerda declarativa para impedir o crescimento de outros, certo de que o centro se encontra prisioneiro dos seus dilemas.

O argumento dos argumentos é o mais simples de todos.

Trata-se de fazer crer como o PS conseguiu amansar a fera da Europa, como lhe fez frente, como fez tremer as pernas dos alemães, como lhes comeu as papas na cabeça.

Portanto, como a Europa foi vergada e o país redimido.

De barato dá as reformas que não fez, o PIB que não fez crescer como devia, a dívida ampliada.

Portugal encalhou.

O Governo deu à costa.