Quatro cientistas portuguesas premiadas por investigações

Diana Madeira, Joana Cabral, Joana Caldeira e Patrícia Costa Reis são as vencedoras da 15.ª edição das Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, um programa internacional que já apoiou 49 jovens investigadoras no país.

Segundo os dados da OCDE, Portugal é o país onde há mais mulheres a estudar ciências e tecnologia. Ainda faz sentido a distinção? O i falou com as quatro investigadoras sobre o trabalho que têm em mãos e sobre o significado do prémio que vai financiar com 15 mil euros cada um dos seus projetos

Diana Madeira. Minhocas marinhas e alterações climáticas

Sempre quis perceber melhor as coisas da natureza, por isso, a biologia tornou-se o caminho natural. Seguiu-se o mestrado em Ecologia Marinha pela Faculdade de Ciências de Lisboa e, depois, o doutoramento, na Nova, já com os desafios das alterações climáticas em mente. Diana Madeira estudou o impacto do ciclo da vida da dourada (e não é pequeno, sobretudo na fase larvar, e, em adulta, quando entra na etapa reprodutiva, explica) e foi daí que deu o salto para a Universidade de Aveiro, onde está a fazer o pós-doutoramento no grupo ECOMARE do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM). É lá que tem em mãos o projeto agora distinguido pelas Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, que premeiam investigadoras entre os 30 e os 36 anos. A ideia é perceber de que forma as alterações climáticas e a poluição vão afetar o crescimento de espécies marinhas que estão na base da cadeia alimentar nos oceanos e, por isso, começaram por trabalhar com pequenos invertebrados. “São espécies de minhocas marinhas que acabam por ser importantes porque são alimentos para muitas outras espécies”, explica Diana, de 30 anos. O objetivo é, através de experiências em laboratório, perceber que fatores externos as afetam mais e quão rápido é o organismo a adaptar-se. “O que esperamos é que, ao longo de várias gerações, possa haver uma atenuação dos efeitos nefastos das alterações climáticas nos organismos: a nível molecular, podem ir alterando o metabolismo de forma a sobreviver.” Sendo animais mais simples e com uma vida mais curta, conseguem testá-los em laboratório de forma eficaz, mas Diana não descarta a hipótese de, mais tarde, estudarem a capacidade de adaptação até de vertebrados. Se para já estão numa fase de experiências e análise dos resultados, a utilidade do estudo será bastante concreta, sobretudo tendo em conta que estão a usar espécies da costa portuguesa e do Mediterrâneo. “Vai ser possível perceber as vulnerabilidades das espécies, ver os mecanismos que levam a alterações no crescimento e reprodução e, com essa informação, adaptar os planos de conservação para promover a sustentabilidade dos recursos marinhos, perceber quais são as espécies-chave e ter planos para que não haja, no futuro, um colapso das populações.” E ainda é necessário um prémio para a ciência no feminino em Portugal? Diana admite que nunca se sentiu discriminada e tem “bons exemplos” à sua volta: tanto o centro na Universidade de Aveiro como o seu grupo são liderados por mulheres. Mas essa ainda não é a realidade em todas as áreas: ainda há aquelas em que homens recebem mais do que mulheres e uma gravidez é motivo de penalização. “Na ciência estamos no bom caminho, mas ainda há dificuldades em conciliar o trabalho com a vida familiar”.

Joana Cabral. A matemática ao serviço da psiquiatria

E se um eletroencefalograma ou uma ressonância magnética puder confirmar uma depressão ou a esquizofrenia como hoje se fazem análises para diagnosticar diabetes ou colesterol alto? Ainda não é para já, mas Joana Cabral, de 34 anos, acredita que dentro de quatro ou cinco pode haver mudanças nos consultórios. “A ideia não será nunca substituir os médicos, mas termos melhores sistemas de apoio ao diagnóstico, como hoje se pedem análises ao sangue para fazer um determinado diagnóstico.” É nesta área que a investigadora agora distinguida pelos prémios L’Oréal trabalha há uma década, cruzando a matemática com as neurociências. Licenciou-se em Engenharia Biomédica e fez o doutoramento em Neurociência Computacional, tradicionalmente uma área com mais homens do que mulheres, talvez mais por haver interesses diferentes do que por falta de oportunidade, partilha. “Quando fui tirar o doutoramento em Barcelona éramos duas raparigas em 20 pessoas, mas nunca senti barreiras.” Antes disso, foi durante o mestrado num departamento de psiquiatria em Oxford que começou a aperceber-se da necessidade de mais ferramentas e conhecimento sobre os mecanismos cerebrais da doença mental: os exames, mesmo feitos muitas vezes em simultâneo, dão resultados díspares; nem sempre se consegue descortinar o que significam e, sobretudo, o que está na sua origem, explica. “Senti que os psiquiatras queriam muito colaborar com os investigadores porque acabam por ter muitos dados de atividade cerebral sem conseguir extrair um sentido.” Hoje a trabalhar no Instituto de Ciências da Vida e da Saúde, na Universidade do Minho, o objetivo do projeto que tem em mãos é encontrar um modelo matemático que consiga representar os mecanismos biofísicos que governam a atividade cerebral, uma rede intricada de 100 mil milhões de neurónios interligados, e descobrir marcadores para as diferentes doenças. Publicaram já resultados para perturbações como esquizofrenia e depressão major e estão a trabalhar com o distúrbio obsessivo compulsivo. Quanto ao significado do prémio, Joana destaca dois pontos: em Portugal não há barreiras no acesso à ciência por parte das mulheres mas, noutros países, elas ainda são uma realidade. “Podemos ser uma inspiração para jovens de outros países que não têm as mesmas oportunidades.” Cá, acredita sobretudo que faz sentido dar espaço aos jovens investigadores, o que é também uma vertente do galardão. “O problema da ciência para a minha geração não tem tanto a ver com o sexo mas com a idade, a nossa dificuldade é conseguir competir com as pessoas que já estão estabelecidas.” A falta de financiamento, que afeta homens e mulheres, é outro. O prémio é, por isso, uma ajuda bem-vinda.

Joana Caldeira. Dores de costas e as células estaminais do futuro

O projeto de Joana Caldeira é destinado a quem sofre de dores de costas crónicas: e se for possível ir além dos anti-inflamatórios, fisioterapia e cirurgia e encontrar outras soluções para um problema que afeta 70% da população ao longo da vida? A resposta, acredita, está no desenvolvimento de novas terapias que consigam ir buscar a capacidade regenerativa da coluna, que existe na fase fetal e desaparece com a idade. Aos 36 anos, a investigadora do Instituto de Engenharia Biomédica e do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde i3S, da Universidade do Porto, explica que não começou logo a trabalhar nesta área. Depois de tirar o curso de Microbiologia esteve um ano com uma bolsa de investigação Sevilha, período em que utilizou moscas-das-frutas para descobrir genes que interferem com o aparecimento de cancro gástrico. Seguiu-se o doutoramento nessa área mas, no final do trabalho, começou a interessar-se pelo estudo da matriz extracelular. “No fundo, é perceber tudo o que não são células nos tecidos, as paredes do edifício.” Havia pontos em comum entre a doença oncológica e a regeneração que ocorre no quotidiano quando nos queimamos ou fazemos uma ferida. “Ambas envolvem um processo de inflamação em que o tecido está muito desregulado.” Daí, a pergunta passou a ser como otimizar o processo regenerativo, por exemplo, em doenças do envelhecimento e surgiu então a oportunidade de perceber melhor a recuperação da dor lombar, que resulta da degeneração dos discos intervertebrais. Aqui entra a ciência de ponta: no trabalho que está a desenvolver, a ideia é usar a nova tecnologia de edição genética CRISPR – que funciona como um processador de texto no ADN e permite manipular as células – para fazer sobressair genes que, durante a fase fetal, promovem uma boa regeneração dos discos e que, com a idade, são desligados. “Hoje há terapias em estudo com células estaminais, mas estas células sobrevivem pouco tempo. Pensamos que esta tecnologia vai permitir desempenharem melhor a sua função” – no fundo, criar uma nova geração de “células estaminais 2.0”, mais eficazes. “Estamos a estudar o conceito para a dor lombar, mas pode ser útil noutras doenças”, diz. Para já, estão a fazer a “prova de conceito” em culturas de células. Depois, terão de confirmar o processo com modelos animais. Até chegar à clínica seriam oito a dez anos. Com dois filhos pequenos, de três e seis anos, Joana conta que depois de ser mãe se tornou mais complicado gerir o horário e que se leva algum tempo a recuperar do tempo em casa de licença de maternidade, mas nunca se sentiu discriminada. “Acabamos por trabalhar menos horas, mas naquelas horas temos de dar mais e também nos organizamos melhor”.

Patrícia Costa Reis. A luta contra o lúpus de uma pediatra-cientista

Desde pequena que queria ser professora ou investigadora, mas primeiro veio a medicina. A meio do internato de pediatria, o bichinho da ciência tornou a aparecer. “Via muitas crianças com doenças autoimunes, com lúpus, e queria ter mais respostas. Num estágio em Nova Iorque, contactei com a realidade dos investigadores médicos, pessoas que fazem clínica mas também estão no laboratório. É uma relação muito frutífera: da prática clínica saem as perguntas que alimentam a investigação”, conta Patrícia. Aos 36 anos, é investigadora médica no Hospital de Santa Maria, embora cá ainda não exista essa figura, o que não a demoveu: acredita que juntar as linguagens da medicina e da ciência traz novas pistas, mesmo que tire noites de sono. “Cá não existe a carreira. Por isso, as pessoas que fazem clínica e investigação basicamente fazem isto no tempo livre.” É nesse tempo livre, em dias que parecem esticar e em que lida com casos graves de crianças em hemodiálise ou que precisam de transplante, que tem desenvolvido o seu trabalho em torno do lúpus. Na base do projeto agora distinguido está uma pergunta de fundo: é uma doença em que o sistema imunitário está desregulado, fica cronicamente inflamado e ataca o próprio organismo; o que estará na origem desta resposta? Ao estudar mulheres com lúpus percebeu que tinham mais lipopolissacarídeos no sangue. “Têm mais bocadinhos de bactérias em circulação”, descomplica. Surgiu a hipótese que quer explorar: um dos fatores por trás da doença pode ser uma maior permeabilidade do intestino. Ao deixar passar bactérias, este leva o sistema imunitário a reagir, o que poderá ser alterado mudando o paradigma do tratamento: hoje usam–se imunossupressores, mas a solução pode estar em vacinas ou antibióticos. “É um bocadinho uma loucura, mas começa a haver fundamentação científica.” Ainda é necessário um prémio para a ciência no feminino? “Gosto de acreditar que o meu projeto valeria o mesmo se estivesse a concorrer com homens. Numa sociedade equilibrada, não faz sentido. Mas a ciência espelha aquilo que é a sociedade. Mesmo em medicina: entram mais mulheres, mas no topo da carreira temos mais homens. Numa sociedade que ainda não está em equilíbrio, são precisos incentivos. O meio científico, por si só, é muito competitivo. Costuma dizer-se ‘publish or perish’, temos de publicar para ter financiamento. Quando temos filhos, não conseguimos ter o mesmo rendimento.” Mas depois também há escolhas. Quando estava nos EUA, ofereceram-lhe a oportunidade de subir, mas quis voltar para constituir família. Tem dois filhos, o mais pequeno com dez meses. “Há desigualdade, mas não creio que haja apenas um fator para haver mais homens em cargos de topo, também há opções que fazemos pelas coisas a que damos valor”.