Segredos de Estado…

O país ficou inquestionavelmente mais pobre com o afundamento de bancos e de grandes empresas, algumas delas com cotação internacional, que chegaram a brilhar com fama de visão rasgada

Os pesados ‘calotes’ herdados pelos atuais responsáveis da banca pública, vulgo Caixa, ou do Novo Banco, pseudónimo do BES, são arrepiantes e prometem continuar a exigir um esforço assinalável aos contribuintes, este ano e nos próximos. 

Perante o quadro negro – que adquiriu uma dimensão inusitada durante os governos socialistas de José Sócrates -, fica-se impressionado com a soma dos milhões desbaratados, mas não menos com a desfaçatez exibida pelos grandes devedores e gestores à época, que se passeiam impunes, na maioria dos casos, como se não fosse nada com eles. 

O país ficou inquestionavelmente mais pobre com o afundamento de bancos e de grandes empresas, algumas delas com cotação internacional, que chegaram a brilhar com fama de visão rasgada. 

Uma após outra ficaram em ruínas, no meio das maiores perplexidades. Houve uma destruição de valor raramente vista, enquanto despontaram, aqui e ali, novos-ricos e se transferiram fortunas para poisos exóticos. 

O que espanta é o aparente ‘encolher de ombros’ face à leviandade – ou ao comportamento danoso – de várias atores, que voltaram à cena ou estão confortavelmente sentados atrás da cortina, sem que ninguém os importune. 

Nos EUA, o tristemente famoso Bernard Madoff, que chegou a presidir à bolsa tecnológica Nasdaq, foi preso, julgado e condenado em menos de um ano, por causa do escândalo financeiro que abalou Wall Street e deixou milhares de clientes lesados – entre fundos de investimento, entidades de caridade e, até, celebridades de Hollywood. 

Madoff confessou em tribunal e, antes de lida a sentença, assumiu perante os juízes deixar «um legado de vergonha». Mas não comoveu ninguém.

Por cá, desde agosto de 2014 – quando a resolução do BES foi anunciada pelo Banco de Portugal – aguarda-se que o Ministério Público e o banco central façam e finalizem o seu trabalho.

Basta consultar a Wikipedia para verificar que, à data da resolução, já uma auditoria ao BES reiterara uma «gestão ruinosa» no banco, em detrimento dos depositantes, investidores e demais credores, e que tais atos teriam sido «praticados pelos membros dos órgãos sociais». 

Cinco anos depois, é anunciada outra auditoria e continua tudo em ‘banho Maria’, exceto por parte do principal protagonista, que já se permitiu fundamentar uma petição no Tribunal do Comércio contestando a falência culposa do BES, na qual endossa as responsabilidades pelo colapso ao então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, além do BdP. 

Para Ricardo Salgado, a melhor defesa passou a ser o ataque, aproveitando-se da morosidade da Justiça, enredada nas suas teias e contradições, e incapaz, até hoje, de sentá-lo em tribunal. 

Depois de Vara ter jurado inocência na TVI, em vésperas de dar entrada no estabelecimento prisional de Évora, foi agora a vez de Ricardo Salgado desfiar o seu rosário aos microfones da TSF, e derramar piedosas lágrimas, pensando «todos os dias nos lesados do BES». 

Como diria na SIC o comentador e conselheiro de Estado Marques Mendes, «no fundo trata-se de um grande descaramento». 

Na verdade, ao contrário de Madoff, não se pressente em Ricardo Salgado a menor vontade de assumir «um legado de vergonha», exibindo, pelo contrário, uma aristocrática soberba perante as sequelas da sua atividade de banqueiro. 

Entretanto, a Justiça enrola e empurra o caso ‘com a barriga’. Convenhamos que cinco anos é demais. 

Em fim de carreira, Jerónimo de Sousa promete não «calçar as pantufas» – e, coerente com a doutrina comunista, veio repor a nacionalização do Novo Banco na ordem do dia. 

Não é algo que seja inovador no seu discurso. Por esta altura, em 2016, já preconizava a mesma solução, bem como a «renegociação da dívida».

Em relação à dívida, tanto o PCP como o Bloco meteram a ‘viola no saco’ para não assustar os eleitores. Já quanto à nacionalização da banca, os comunistas não desarmam. 

O certo é que os contribuintes continuam a ser chamados a cobrir o descalabro do antigo BES, e não menos para remendar os enormes buracos do banco público. 

Segundo números divulgados pelo BdP, em abril do ano passado o Estado foi chamado a contribuir com mais de 17 mil milhões de euros de apoio ao sistema financeiro, no período compreendido entre 2007 e 2017, que «tiveram um impacto acumulado neste período de 9,1% do PIB no défice». 

A maior fatia destinou-se ao Novo Banco (ex-BES), ao ex-BPN e ao Banif, além da CGD. De então para cá, a sangria dos contribuintes ainda não terminou.

Responsáveis? Estão em parte incerta… Como nos incêndios de Pedrógão, no roubo de material de guerra de Tancos ou na estrada colapsada de Borba. Algures entre o ‘segredo de Justiça’ e o ‘segredo de Estado’… 

Nota em rodapé – Era fatal. Foi aprovado o orçamento milionário exigido pela ‘Comissão Cravinho’ para pagar os pareceres pedidos sobre a regionalização a ilustres jurisconsultos, sendo o mais avultado o de Freitas do Amaral. O conselho de administração do Parlamento cedeu depois de ter chumbado o gasto, obedecendo «a ordens de cima», segundo o Expresso. Leia-se, direções partidárias do PS e do PSD, ambas desejosas de ‘mandar às malvas’ o resultado do referendo e de ‘regionalizar’ para dar mais espaço aos caciques locais. Outra vergonha. 

Nota em rodapé 2 – Depois do telefonema de Marcelo, e dos cozinhados de Assunção Cristas, foi a vez de António Costa se deslocar aos estúdios da SIC para participar num programa de entretenimento, de avental, a exibir os seus dotes culinários, acompanhado da família. 

Aguarda-se que a apresentadora convide agora Rui Rio, Catarina Martins ou Jerónimo de Sousa, provando que não são menos na cozinha e que adoram estar à roda dos tachos!… Eleições oblige…

Nota em rodapé 3 – De acordo com um trabalho publicado no Expresso, Portugal tem 95 políticos (!!!) a comentar nos media. É uma originalidade sem paralelo em nenhum outro sítio, na Europa ou nos EUA. 

Estes incansáveis ‘pastores’, que procuram manter o ‘rebanho’ obediente no carreiro, são pagos para isso na maior parte dos casos, embora ninguém se descosa sobre os valores em causa, incluindo os que estão contratados pelo Grupo Balsemão.

Este ‘assalto’ de políticos aos media é visto como um ‘efeito Marcelo’, considerado pioneiro no género. Quem sabe se a concorrência assanhada não explicará o afã mediático presidencial, que insiste em aparecer todos os dias nas televisões, sem deixar nada por comentar…