Prostituição é profissão?

«Eu trabalho para mim mesma, não há chulo não». «Nem tenho nenhum cafetão». Estas e outras afirmações procuram justificar da parte de várias(os) ‘profissionais do sexo’ uma abordagem – e, na prática, uma realidade – que muitos julgamos crónica, de associação da prostituição tout court ao tráfego humano e sexual, sobretudo das mulheres.

«Os profissionais do sexo são pessoas que decidem vender sexo para ganhar a vida».

Luca Stevenson

(Coordenador do Comité Internacional para os Direitos dos Trabalhadores do Sexo na Europa)

 

Pode ter passado despercebido, mas nos últimos dois anos, à agenda fraturante e dos ‘costumes’, foi adicionada a possibilidade da ‘legalização’ e ‘regulamentação’ da prostituição no nosso país.

Com a Juventude Socialista a tomar a dianteira ao Partido Socialista na propositura de um debate alargado na sociedade portuguesa. Matéria que também tem sido objeto de discussão em alguns países da Europa. E que em Portugal, de ‘mansinho’, foi fazendo o seu caminho, para ser testada como mais uma questão fraturante e prioritária. Sobretudo para o novo arco governativo da extrema-esquerda e esquerda proto progressista. Em coerência – reconheça-se – com a agenda da extrema-esquerda e da esquerda socialista, que nos têm vindo a impor várias outras decisões que não são de todo uma prioridade para Portugal e para os portugueses. Sobretudo para o chamado ‘país real’.

A legalização e/ou regulamentação da ‘mais velha profissão do mundo’ ainda hoje divide mais do que une. E até entre muitos(as) profissionais do sexo anda longe de ser consensual.

É um debate que não é novo, antes pelo contrário. Afinal, a prostituição é ou não uma profissão?

«Eu trabalho para mim mesma, não há chulo não». «Nem tenho nenhum cafetão». Estas e outras afirmações procuram justificar da parte de várias(os) ‘profissionais do sexo’ uma abordagem – e, na prática, uma realidade – que muitos julgamos crónica, de associação da prostituição tout court ao tráfego humano e sexual, sobretudo das mulheres.

Mas é preciso ver que muitas mulheres que se prostituem não são obrigadas e exploradas. Escolheram a ‘profissão’ com toda a liberdade. Nas casas de alterne nem todos os clientes procuram sexo. Muitos querem ‘romance’, conversa, companhia. Há quem chegue a ganhar por noite dois mil euros sem fazer sexo. Muitas associações de defesa dos direitos da mulher, que fazem da ‘prostituição’ uma matéria a que dedicam estudo e investigação, são contra a sua legalização.

A prostituição é uma profissão clandestina, de mau nome, uma ‘indústria’ carregada de estigmas e de marginalizações. As organizações, associações e personalidades que são contra a sua legalização dizem que regulamentar é reconhecer a violência – e que tal é, na prática, uma armadilha para as mulheres. Porque são cada vez mais as mulheres que o fazem de forma voluntária e sem exploração de outrem.

Por outro lado, os que defendem a legalização assumem-no em nome do reconhecimento de vários direitos, como a saúde, a justiça, o trabalho, a dignidade profissional, a segurança contributiva e social, em nome de uma dignidade laboral.

Há ainda a criminalização dos clientes. E tal leva-nos para o que comparativamente se passa noutros países. Na Europa e fora dela. Com a existência sobretudo de quatro modelos, a saber:

1. O ‘modelo proibicionista’, em que as prostitutas (os prostitutos) são delinquentes e têm de ser criminalizadas(os);

2. O ‘modelo regulamentarista’, que defende a legalização em nome de vários valores como a saúde e ordem públicas, vigente em países como a Alemanha e a Holanda;

3. O ‘modelo abolicionista’, em que os ‘profissionais do sexo’ são vítimas, pelo que a prostituição tem de ser erradicada e os clientes criminalizados, vigente por exemplo na Suécia;

4. O ‘modelo da descriminalização’, com o reconhecimento da profissão, com dignidade legal, fiscal e social, vigente sobretudo na Nova Zelândia.

No ordenamento jurídico internacional comparado, existem várias convenções relativas aos direitos humanos, que excluem os ‘trabalhadores do sexo’ como profissão.

Em Portugal, a exploração da prostituição (lenocínio) é crime. Mas a prostituição sem lenocínio não é crime.

A polémica é grande acerca desta temática. Existindo até quem defenda que a ‘atividade’ pode ser praticada como ‘trabalho independente’. E os mesmos dizem que legalizar a proibição é legalizar a violência e o poder de homens e mulheres ‘comprarem’ ou ‘alugarem’ um outro corpo.

A ‘transação’ entre adultos com ‘consentimento’ encontra defensores que, de iure e de facto, nos reconduzem para a regulamentação, para a supressão do tráfego de pessoas e de exploração da prostituição por outrem, bem como para a eliminação de todas as formas de descriminação contra as mulheres. Como também para decisões do Conselho da Europa, para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica, e também para a observância da Convenção de Istambul.

O bom senso impõe que se apliquem ao universo da prostituição regras mais apertadas, dificultadoras e desincentivadoras da sua promoção e publicitação nos media e nas redes sociais. Sem que isso caia no exagero ultra moralista.

Sabendo que é um tema com muitos preconceitos, sendo difícil ter indicadores muito atualizados, é relevante ter presente o aumento do consumo de pornografia, o endeusamento do corpo, daquilo que já se qualifica como a ‘cultura dos corpos nus e seminus, do consumismo desenfreado e regular de conteúdos e mensagens sobre sexo nas redes sociais, no espaço do audiovisual, nos media em geral e nos espaços exteriores. O sexo sem compromisso, ironicamente, faz-nos recordar o ‘orgasmómetro’ de Woody Allan. Temos hoje uma cultura do incentivo ao sexo que não pode deixar de ser associada à crise da instituição familiar. E à solidão de pessoas que vivem sozinhas – e, noutros casos, pessoas com vidas duplas ou triplas.

olharaocentro@sol.pt