Cidades: os novos transportes

Todos os dias ando no centro da cidade de Lisboa e sou confrontado com novas realidades – desde o número crescente de turistas, que trazem uma lufada de juventude, a obras e mais obras, em particular no Chiado. Recentemente, por toda a parte se vê um número crescente e assustador de trotinetas e veículos partilhados.…

Todos os dias ando no centro da cidade de Lisboa e sou confrontado com novas realidades – desde o número crescente de turistas, que trazem uma lufada de juventude, a obras e mais obras, em particular no Chiado. Recentemente, por toda a parte se vê um número crescente e assustador de trotinetas e veículos partilhados.

Esta realidade dos veículos partilhados veio mesmo para ficar. Desde os automóveis que, mercê de parcerias em Lisboa, têm estacionamento nas zonas da EMEL, continuando pelas trotinetas, onde em cada passeio encontramos diversas estacionadas esperando por novos clientes, a maioria delas sem qualquer preocupação pelos transeuntes, sobretudo os invisuais. 

E ao andarmos nos passeios, somos com frequência sobressaltados por uma gargalhada jovem que anuncia uma destas trotinetas à laia de buzina, quando não uma chusma delas em rali entre os peões. Outras vezes andam nas ruas a desafiar regras elementares do trânsito, como duas que outro dia vi descer a Rua do Conde Redondo pela faixa ascendente, demonstrando uma notável perícia ao evitarem os veículos em sentido contrário – cujos motoristas deviam estar aterrorizados.

Falar de regras e segurança a estes condutores é o mesmo que falar chinês! Capacetes não há. E, por incrível que pareça, a Associação Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) disse no final do ano passado, em resposta à EMEL, não ser obrigatório usar capacete em bicicletas ou trotinetes elétricas (velocípedes simples ou com motor auxiliar). Ou seja, quem deveria exigir facilita; e, se a PSP multar por recomendação da EMEL, é reclamar à ANSR. Surreal!

Mas seja assim ou assado, estes veículos aí estão. Atualmente são 7 empresas de bicicletas ou trotinetes/scooters, e 4 empresas de carros partilhados. Os veículos têm uma aceitação notável entre os jovens e os estrangeiros. São extremamente baratos na utilização pontual e não implicam qualquer dispêndio inicial de capital, sem falar nos seguros e outros custos diversos como combustíveis, manutenção ou inspeções periódicas. A realidade é incontornável – e, no caso dos automóveis, muitas marcas querem posicionar-se para garantir presença no mercado. 

Em setembro de 2018 realizou-se o Lisbon Mobi Summit, onde se discutiram muitas das futuras soluções de mobilidade, e algumas ideias-chave surgiram das diversas intervenções – como a quase certeza de que, a prazo, serão significativamente reduzidos os carros particulares, substituídos por soluções partilhadas. Outras ideias sugiram, muito curiosas, como a convicção de que os carros autónomos irão reduzir significativamente os acidentes de viação ou ainda que os carros particulares apenas representarão cerca de 10% do parque automóvel em 2050.

Mas, por enquanto, o trânsito nas grandes cidades é cada vez mais caótico, causado pelo aumento desmesurado de veículos todos os anos. 

Por exemplo, Medina referiu nessa cimeira que em 2018 entravam diariamente em Lisboa 370 mil veículos. Não tenho quaisquer dúvidas de que isto igualmente irá mudar – e será um fator a considerar nas opções por veículos partilhados. Antes, nesta área, ouvíamos apenas falar de transportes públicos – ora, o futuro vai-nos trazer soluções alternativas e que atraem indiscutivelmente os utentes. 

É curioso como este início de um novo paradigma de transportes coincide com as alterações nos passes sociais, medida de cariz eminentemente político tomada em vésperas de eleições. O efeito imediato será de um aumento da procura de transportes públicos, mas rapidamente se irá concluir que, sem a gestão integrada intermunicipal destas redes, a oferta terá problemas estruturais de responder no curto prazo. 

Mas isto são contas de um outro rosário, que interage com as ausências de investimento nos transportes públicos. No final tudo se interliga, conjugando-se para incrementar a procura destes novos transportes alternativos.

Como podemos imaginar, não há bela sem senão! Com todas estas alterações, com a predominância do veículo elétrico sobre o combustível, onde será que o Estado irá buscar dentro de 20 anos os valores que atualmente cobra de ISP e/ou multas de trânsito? Não tenho resposta hoje, apenas coloco estas questões que considero especialmente preocupantes para as gerações vindouras, sobretudo dos nossos netos. Mas também dos que viverão das reformas financiadas por aqueles que, no futuro, estarão a trabalhar (os quais, dada a diminuição da natalidade, serão cada vez menos). 

P.S. – Tem sido um desvario de inaugurações nestas semanas! Sobretudo na área da Saúde, Costa e Temido desdobram-se em aparecer a mostrar obra feita ou prometer obra futura. Pelo meio, Marcelo aprovou a lei que devolve aos professores o tempo de serviço que o Governo estipulou e do qual nunca saiu. Pelo meio, continuam greves na Saúde e na Educação, setores carenciados de investimento nas infraestruturas, incluindo mais recursos humanos. Parece que estamos em dois mundos, em que o virtual e o real não se encontram!

Manuel Boto 

Economista