A mulher de César

Nunca um título se adequou tão bem a uma situação concreta. Refiro-me evidentemente à mulher de Carlos César, o ex-líder dos Açores e atual líder parlamentar e presidente do PS, cuja mulher foi um dos casos apontados de relações promíscuas entre a família e o Estado.

De facto, já em 2010 a TVI noticiava: Mulher de Carlos César viajou ‘às custas’ dos Açores.

Julgo que entretanto as relações promíscuas se estenderam a quase toda a família.

Ou seja: a família César vive em boa parte à custa do Estado, quer nos salários que recebe ao fim do mês quer nas ajudas de custo.

Recorde-se que Carlos César foi um dos exemplos recentemente tornados públicos de deputados que recebem as viagens por inteiro ao seu local de residência, quer as façam, quer não façam, e mesmo que tenham um preço inferior.

Por respeito à célebre frase relativa à ‘mulher de César’, – a qual ‘não basta ser honesta, tem de parecer honesta’ –, Carlos César, titular há muito tempo de cargos públicos, deveria manter a mulher fora de qualquer suspeita de favorecimento.

Não o fez.

E a família socialista seguiu-lhe o exemplo, verificando-se um verdadeiro festival de nomeações de familiares de governantes para os mais variados cargos.

Estando nós a falar do Estado, o assunto deveria ter preocupado mais o primeiro-ministro.

Mas mesmo nas empresas privadas este cuidado deve existir.

Nos 33 anos em que desempenhei lugares de direção, só indiquei três pessoas da família para as empresas onde trabalhei: um primo, uma sobrinha e um filho. Ou seja, uma pessoa em cada 11 anos.

O primo foi trabalhar como estagiário no setor gráfico do Expresso, não se adaptou e saiu ao fim de pouco tempo.

A sobrinha foi trabalhar nos guias do Expresso, onde se destacou, transitando depois para o SOL, onde coordenou o guia Essencial com notável êxito; saiu pelo seu pé, para se dedicar à família.

O filho foi fundador do SOL, começando como responsável da área cultural, passando para editor da revista Tabu, e finalmente para subdiretor; estes dois últimos cargos foram a convite dos atuais diretores; e ele só foi subdiretor depois de eu sair da direção.

Além disso, o meu pai foi membro do júri do Prémio Pessoa, a convite de Francisco Balsemão.

Na altura, Balsemão também me indicou para jurado, pois eu era o diretor do jornal que atribuía o prémio.

Recusei o convite, dizendo que não fazia sentido pai e filho integrarem um mesmo júri.

Se houvesse coincidência de opiniões, haveria sempre a suspeita de um complot familiar…

Aqui têm a minha posição sobre o assunto, através de casos concretos de que fui protagonista – e não de blá-blá-blá.

Mas nem é aqui que quero deter-me.

Este caso já foi sobejamente falado e tudo o que eu dissesse seria chover no molhado.

O aspeto que me interessa tratar tem que ver com a vivência dos governantes.

Já disse e repito que deveria ser obrigatório os governantes terem uma experiência de trabalho no setor privado.

Num país democrático, o setor privado é uma parte fundamental da sociedade – e muitos governantes não têm aí qualquer experiência de trabalho, revelando ainda uma enorme ignorância quanto ao seu funcionamento.

Não é a mesma coisa trabalhar no Estado e num grupo privado.

Não digo que um seja melhor do que outro: há grandes profissionais em todos os segmentos do Estado.

Mas são experiências diferentes.

Por exemplo: no Estado não se coloca a necessidade do lucro; nem se sabe o que isso é. Ora, se uma empresa não der lucro, fecha simplesmente as portas.

Outro exemplo: no Estado não se sente a concorrência; num determinado trabalho, o que conta é a qualidade. Ora, numa empresa privada, um produto pode ser excelente, mas se não tiver sucesso no mercado não serve para nada.

Outro ainda: no Estado não se coloca o problema do despedimento; um funcionário pode ser muito mau, mas só será despedido em circunstâncias excecionais. Ora, numa empresa privada, o fantasma do despedimento está sempre presente.

São só três exemplos para as pessoas perceberem que no Estado e no setor privado se colocam problemas muito diferentes – e um governante que só tenha a experiência do setor público tem um horizonte limitadíssimo.

Assim, o que mais me impressiona neste tema é haver famílias inteiras de governantes – marido e mulher, e às vezes filhos, irmãos, cunhados e noras – que nunca tiveram experiências de trabalho fora do Estado.

Como podem pessoas do Governo e da Administração Pública ter sensibilidade para os problemas das empresas e dos empresários se nunca os viveram?

Como podem saber o que é importante e não é importante para o setor privado, o que faz e o que não faz falta, se nunca lá trabalharam?

Eu tenho a experência contrária: nunca trabalhei no Estado mas muitos dos meus familiares fizeram lá carreira, a começar pela minha mulher.

E esse diálogo em família sobre a visão de um e outro lado é importantíssimo.

As famílias de governantes onde todos trabalham no setor público têm um défice enorme de perceção e conhecimento da realidade que afetará necessariamente o seu desempenho.