Quando os ministros se desacreditam

Depois deste braço-de-ferro com os professores por causa da reposição dos anos de carreira, sem nunca se comprometer com acordos futuros, quer mesmo que acreditemos que vêm aí tempos tão risonhos? 

1. Às vezes ainda nos espantamos com as reações de uns quantos governantes quando surpreendidos por realidades inconvenientes: Refiro-me à reação do ministro Vieira da Silva face ao estudo do Instituto das Ciências Sociais sobre o subfinanciamento a médio prazo da Segurança Social. 

Não quero ser injusto e dizer que ele não sabia. No seu lugar de ministro, com um passado desde sempre ligado a este tema, obviamente que sabe que a população está a envelhecer nas últimas décadas, como igualmente bem sabe que uma população a viver mais anos requer financiamentos adicionais para fazer face ao prolongar das reformas. 

Aliás, já na vigência deste Governo a idade da reforma foi prolongada exatamente pelas mesmas razões apontadas neste estudo: a sustentabilidade do sistema.

Donde, referir que o estudo está ao serviço dos privados foi mais do que uma reação infeliz – foi uma reação política esquerdista sem qualquer substrato. Mas, desta vez, a população percebeu que, pior do que ter a reforma apenas aos 69 anos, é ter alguém que não fala verdade aos portugueses. 

O estudo não foi contestado, por ser impossível ser contestado. Todos sabemos que sem alteração das circunstâncias – sejam elas contribuições adicionais ou aumento da natalidade – apenas uma de duas soluções é possível: aumento da idade da reforma ou diminuição das pensões, como em tempos foi alvitrado. Não há milagres! Atirar com o papão das privatizações foi um tiro no pé perante a opinião pública que, não sendo rica, não é parva nem gosta de ser enganada em temas altamente sensíveis como este.

2. Centeno foi o ministro das boas notícias na apresentação do Plano de Estabilidade e Crescimento. 

Défice vai ser de 0,2%, superavit nos anos seguintes; dívida pública a 118,6% no final deste ano e 99,6% em 2023; crescimento do PIB entre 1,9% e 2,1% nestes 5 anos! 

Até referiu que, no futuro, os funcionários públicos terão todas as condições para verem os seus salários repostos! Como? Pode repetir? Depois deste braço-de-ferro com os professores por causa da reposição dos anos de carreira, sem nunca se comprometer com acordos futuros, quer mesmo que acreditemos que vêm aí tempos tão risonhos? 

Se assim é, chame os professores e chegue a um acordo para a reposição dos tais 9 anos, 4 meses e 2 dias, mesmo que seja num período alargado de anos. Mas isso não faz. Criar ilusões é fácil, cumprir promessas é difícil – e Centeno não se quis mesmo comprometer. Por isso, não acredito que, ao contrário da opinião de muitos comentadores, Centeno vá continuar como ministro das Finanças se Costa ganhar as eleições. Até porque, para Costa, o protagonismo de Centeno é incómodo, dando azo a especulações sobre quem é, de facto, o líder deste Governo.

Acresce uma outra realidade que, como economista, Centeno bem sabe desde os bancos da universidade – sem investimento, as organizações definham. Nestes anos de recuperação da economia, o investimento público foi escasso, tantas vezes cortado ao serviço do défice, com todas as consequências que bem se conhecem, particularmente na saúde (deterioração da qualidade de serviço no SNS, conforme as notícias publicadas) e transportes (deterioração também notória na qualidade de diversos serviços públicos). 

Sobre o investimento para 2019, os números frios aí estão: 4.392 milhões de euros, ou seja, 2,1% do PIB em vez dos 2,3% previstos no OGE 2019. Mais um corte para manter o défice em 0,2%. Deste valor, prioridade total para saúde e transportes, dado que começa a ser difícil sustentar tanto adiamento de investimento. Em suma: sem nunca dar o braço a torcer, Centeno reconhece que ‘a manta é curta’!

P.S. – Esta greve dos motoristas de materiais perigosos demonstrou bem que ainda há quem consiga paralisar literalmente o país. Ouvindo os motoristas e suas reivindicações, percebemos que algo tinha de ser feito — e apenas falo de justiça perante a classe. Estes homens não são uns quaisquer motoristas de pesados, sem desprimor para estes. Ouvindo a ANTRAM, parece que as reivindicações, sobretudo as salariais, não colhiam. Em suma, estivemos num impasse absolutamente desnecessário, porque a greve de 2008 e o caos que então se instalou deveria ter servido de lição para todos, sobretudo para os políticos candidatos a governantes. Memória curta nunca ajuda! Entretanto, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, esfrega as mãos de contente porque muitos hoje pensam que a alternativa dos veículos elétricos ou híbridos tem mesmo de ser considerada.