Portugália Plaza ‘é uma barbaridade urbanística’

Teresa Leal Coelho tinha avançado que o PSD iria aprovar o projeto Portugália Plaza, mas ao SOL o partido nega-o veementemente. Vítor Reis afirma que ‘jamais’ o partido será a favor e ataca Manuel Salgado, o vereador do Urbanismo, e Fernando Medina, presidente da autarquia: ‘São uns selvagens’. A discórdia estende-se aos outros partidos.

O PSD é contra o polémico projeto Portugal Plaza, que quer recuperar o quarteirão da Portugália, em Arroios – e que inclui uma torre com mais de 60 metros de altura. A informação foi avançada ao SOL por Vítor Reis, presidente da Mesa da Concelhia de Lisboa do PSD, depois de a vereadora Teresa Leal Coelho ter garantido que o partido aprovaria o projeto, num comunicado divulgado na última terça-feira.

«Quero deixar claro que quem neste momento anda a falar em nome de quem não deve é a senhora vereadora Teresa Leal Coelho. Quero deixar claro e público que quem não está sozinho é o vereador João Pedro Costa, quem está sozinha é a vereadora. Não falou com ninguém, anda a tomar posições – já é a segunda vez que o faz, com Entrecampos [o projeto Operação Integrada de Entrecampos] já o tinha feito e acabou a falar sozinha -, sem nos ter passado cartão, sem nos ter pedido opinião, sem ter falado connosco, sem rigorosamente ter participado numa única reunião. É a segunda vez que faz a mesma brincadeira», lamenta, indignado, o antigo vereador da Câmara Municipal de Lisboa (CML). «Estou a usar do cargo que tenho – presidente da Mesa da Concelhia -, para dizer isto. Além disso, tenho conhecimento da opinião dos membros da comissão política, dos eleitos, dos militantes, que é esmagadoramente contra isto. Isto é uma barbaridade urbanística. A vereadora emitiu um comunicado e não falou com ninguém», acrescenta ainda Vítor Reis.

Na última terça-feira, depois de Teresa Leal Coelho ter divulgado o referido comunicado garantindo que o PSD iria votar a favor do projeto Portugália Plaza, o vereador João Pedro Costa, por sua vez, disse ao i não ter conhecimento do comunicado, lançado momentos antes, e assegurou: «A título pessoal, posso dizer que este é um projeto que não terá o meu apoio. Ou voto contra ou passo o meu lugar a outro vereador. O PSD enquanto estrutura tomará posição na altura certa».

Independentemente da posição do PSD enquanto estrutura, os dois vereadores têm, no entanto, liberdade de voto, confirmou ao SOL Vítor Reis. Questionado sobre se existe uma situação de rutura, o presidente da Mesa da Concelhia de Lisboa do PSD negou-o, justificando que «não há situação nenhuma de rutura quando as pessoas se tornam irrelevantes e ficam a falar sozinhas». E pondera o PSD tomar alguma medida em relação a Teresa Leal Coelho? «Não, nada, zero. Quando as pessoas se tornam irrelevantes não se perde tempo. Isso é dar importância a coisas que não merecem importância. A questão aqui é muito simples: a Almirante Reis e a cidade de Lisboa valem muito mais do que um disparate de alguém que decide votar a favor de alguma coisa sem falar com ninguém», remata. O SOL sabe que Teresa Leal Coelho mantém a sua posição.

O novo projeto da discórdia

O PSD oficializa, assim, a sua posição – que, tal como a dos restantes partidos, é de rejeição. Ao i, esta semana, o PCP (PCP) e o BE já tinham revelado o seu descontentamento com o projeto pensado para o quarteirão, bem como relativamente à forma como a consulta pública está a decorrer – sem estar disponível online. Também o CDS critica o projeto, que defende ser «um absurdo urbanístico», nas palavras do vereador João Gonçalves Pereira ao SOL. «Os 16 pisos da torre são conseguidos por utilização de um mecanismo que Manuel Salgado inventou no Plano Diretor Municipal (PDM) que se chama critérios urbanísticos. O CDS votará contra porque isto é promover com os grandes interesses imobiliários da cidade de Lisboa de forma abusiva. O CDS, ao contrário do que Fernando Medina tem repetido, não é contra a construção em altura na cidade, em zonas onde já existe e faz sentido. Esta é uma zona onde não faz sentido absolutamente nenhum, pela questão da luz, das vistas, do enquadramento», justifica.

A câmara, por seu lado, vai apresentar o projeto nos dias 16 e 21 de maio, às 18h30, na Ordem dos Arquitetos e na Junta de Freguesia de Arroios, respetivamente – até lá, quem quiser consultar o projeto pode fazê-lo no centro de documentação DMEM, no edifício do Campo Grande da Câmara Municipal de Lisboa, e na sede da Junta de Freguesia de Arroios. Para quem discorda da obra, já há uma petição pública a circular online.

As várias forças políticas apontam críticas, em especial, à torre de 16 andares. O social-democrata Vítor Reis descreve mesmo a situação como «verdadeiramente escandalosa». «Não é senão o regresso da selvajaria dos anos 60 que aconteceu na Avenida da República. A Almirante Reis é apesar de tudo uma avenida que tem alguma uniformidade de sércias. Como é que alguém consegue explicar o respeito pelo artigo 59.º do Regulamento Geral de Edificações Urbanas que impõe a regra dos 45 graus? É uma regra com mais de 50 anos», questiona. E ataca Manuel Salgado e Fernando Medina: «Tenho a informação de que os técnicos da câmara que fizeram a avaliação deste projeto deram pareceres negativos e terão sido as chefias que por cima acabaram a fazer a validação que convinha ao Salgado e ao Medina. Repare, não é possível numa avenida que tem 25 metros de largura implantar um edifício com 60 metros de altura. É ilegal. As pessoas que vivem ali à volta vão ficar com as casas sem luz e sol?!». Vítor Reis qualifica como «preocupante» a «conduta de Manuel Salgado e de Fernando Medina. Estamos perante dois selvagens», afirma.

Para o presidente da Mesa da Concelhia de Lisboa do PSD, «isto é um problema gravíssimo de um homem chamado Manuel Salgado. O senhor vereador Manuel Salgado precisa de regressar aos bancos da escola? Pelos vistos, precisa! O poder faz-lhe mal, está a ficar burro, só pode! Aliás, os disparates sucedem-se em Lisboa. É a usura do poder, não é?», acredita, numa referência ao facto de Manuel Salgado estar no cargo há 12 anos. Mas Vítor Reis vai mais longe e defende que, «pelo que já se percebeu, esta história da aprovação da linha circular do metro de Lisboa não foi inocente: tem que ver com uma estratégia de densificação da cidade, naquela zona envolvente, precisamente para viabilizar soluções destas», uma posição partilhada pelo antigo vereador da Mobilidade da CML, Fernando Nunes da Silva, numa entrevista dada ao SOL em setembro. «O PSD jamais vai ser a favor. Imagine o que é a seguir, por toda aquela avenida acima, desde lá debaixo do Martim Moniz até ao Areeiro, qualquer pessoa que tenha uma parcela igual à da Portugália querer fazer o mesmo? Qual é o critério urbanístico com que a câmara vai atuar ou permitir isto?», conclui.

O projeto

O plano pensado para o quarteirão do histórico restaurante  que será reabilitado, tal como a Fábrica de Cerveja – inclui a construção de quatro prédios, um deles o protagonista da discórdia pela sua dimensão: 60,2 metros de altura, com 16 andares. Com enfoque na habitação, o projeto pretende oferecer à cidade 85 novos apartamentos com tipologias de T0 a T4, 16 escritórios e espaços de cowork, uma zona comercial e cinco pisos subterrâneos. Com um custo avaliado em 40 milhões de euros, as obras deverão prolongar-se por dois anos. O investimento é do Fundo Imobiliário Fechado Sete Colinas, que pertence a um grupo alemão, e é gerido pela SilVip – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário – como deu conta o Diário de Notícias, que avançou o projeto, lembrando que entre os acionistas está José Manuel Pinheiro Espírito Santo Silva, que era administrador do BES na época de Ricardo Salgado, por sua vez primo direito do vereador do Urbanismo da autarquia, Manuel Salgado.

Ao i, a Essentia, responsável pela coordenação do projeto, assessorando o Fundo nas decisões estratégicas, assinalou que «o projeto do quarteirão da Portugália parte de uma profunda compreensão do local, da afirmação dos valores intrínsecos à cidade de Lisboa, acrescentando uma nova página na história deste lugar, através da introdução de uma linguagem contemporânea. Assume-se, assim, como um projeto singular de referência na cidade, capaz de religar passado, presente e futuro». Referiu, também, que «para o concurso de ideias foram convidados gabinetes de arquitetura, com vasto currículo em intervenções similares a nível internacional, tais como Promontório, Bak Gordon, Diller Scofidio + Renfro e Lacaton & Vassal. As propostas foram avaliadas anonimamente. A proposta vencedora foi a da equipa ARX Portugal, dos irmãos José e Nuno Mateus».