Abstenção pode ser traumatizante?

Marcelo deixou o alerta. O número de eleitores recenseados no estrangeiro quintuplicou com as novas regras. CNE admite aumento da abstenção. Politólogo desvaloriza.

Nas últimas Europeias, em 2014, havia 9,6 milhões de eleitores inscritos em Portugal. Nas eleições do próximo dia 26 de Maio, poderão votar 10,7 milhões de portugueses. O que mudou? No ano passado o recenseamento passou a ser automático para todos os portugueses maiores de 17 anos, portadores de cartão de cidadão.

O número de residentes no estrangeiro inscritos, e que poderão votar nestas eleições, aumentou mais de cinco vezes:  em 2014 havia 240 mil emigrantes, em 2019 são 1,4 milhões. Destes, 600 mil residem fora da Europa, segundo dados da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI). 

Brasil, França, Venezuela e Alemanha são os países com mais emigrantes.

Em declarações ao SOL, João Tiago Machado, porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE), admite que, por ter havido um aumento automático do número de recenseados, e não inscrições por interesse dos próprios, a abstenção pode vir a ser muito elevada: «Se há mais eleitores, há mais não votantes. É possível que haja aumento da abstenção mas não é o desejável».

Na última quarta-feira, Marcelo apontou o cenário a evitar: «Estou um pouco preocupado, por uma razão adicional: é que nós aumentámos muito o número de recenseados no estrangeiro, com o recenseamento automático. Isso aumentou o número de votantes no estrangeiro de menos de 300 mil para um milhão e 400 mil», disse. «Somem esse milhão e umas centenas de milhares ao universo eleitoral e vejam o que seria de traumatizante descobrir na noite das eleições que a percentagem de votantes teria sido de 25 ou de 30% de portugueses. Isso seria um mau sinal para a democracia portuguesa». Marcelo pediu para que a população não perca o interesse em manifestar as suas opiniões por meio do voto, principalmente aqueles que residem fora do país. A CNE reforçou a campanha lá fora, mas tem havido queixa de falta de informação. «Preocupa-nos que a abstenção aumente de forma assustadora e depois se ponha a culpa nas comunidades», disse à Lusa, há uma semana, o presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas, Flávio Martins.

O politólogo José Adelino Maltez, ouvido pelo SOL, desvaloriza a questão. O aumento dos eleitores «alerta para a abstenção, e depois?». O investigador e professor diz concordar a 100% com o recenseamento automático,  por ser uma forma de integração da comunidade emigrante. «Nós abandonamos os nossos portugueses fora de Portugal», acrescenta. E crítica a intervenção de Marcelo: «Muito mal esteve o Presidente nas suas declarações».

O problema da fraca participação eleitoral é já crónico. Em 2009 a abstenção nas Europeias foi de 64% e, em 2014, subiu para 66,2% – a maior taxa de sempre. Se os receios de Marcelo se confirmarem, poderá passar os 70%.