Raphael Gamzou: ‘Não somos um nação só de anjos’

O representante do Estado de Israel assegura que a Faixa de Gaza podia ser a nova Hong Kong ou Singapura, mas que os ‘fascistas do Hamas e da Jihad Islâmica’ não o permitem. Confrontado com as acusações de crimes de guerra israelitas, Gamzou fala numa maioria de ‘países sombrios’ na ONU. 

Israel afirma-se frequentemente como a única democracia do Médio Oriente. No entanto, os seus críticos acusam-na de não o ser para os seus cidadãos palestinianos. Os árabes-israelitas são cidadãos de segunda em Israel? 

Definitivamente não. As minorias em Israel, a maioria delas são árabes muçulmanos, também há árabes cristãos, drusos. Desde o momento zero, em 1948, quando David Ben-Gurion declarou a independência, nas vésperas do fim do mandato britânico, na declaração da independência é mencionado que o novo Estado de Israel seria a expressão da nacionalidade do povo judaico e o ponto de encontro de judeus no exílio, mas ao mesmo tempo garantia plenos direitos religiosos e culturais a habitantes não-judaicos. E, de facto, se verificar a realidade, encontrará muitos muçulmanos, árabes, drusos, etc, em todas as camadas sociais do público israelita. No Governo, no exército, no setor privado. Não sei se já visitou Israel, mas caso visite verá que há árabes no Supremo Tribunal, no Parlamento, como militares e polícias, até generais. Também os verá na academia, professores árabes. Momentos antes do senhor chegar estava a ouvir as notícias na rádio pública, que acabaram com uma lembrança aos cidadãos árabes israelitas que o jejum do Ramadão acabará à hora x. Só para dar um exemplo concreto do quotidiano. Os cidadãos árabes israelitas definitivamente não são de segunda. Se me perguntar sobre a situação de árabes que são etnicamente palestinianos, enquanto estamos em conflito com os palestinianos, e se torna a situação fácil, a resposta é não. Mas para lhe dar um exemplo de como os árabes israelitas são plenos cidadãos, o meu vice-embaixador, aqui, na embaixada de Lisboa, não é judeu, é druso, etnicamente é árabe. E está plenamente integrado.

Várias ONG’s e a imprensa israelita afirmam que os árabes israelitas são sistematicamente alvo de supressão política, confiscação de terras, vigilância discriminatória, têm uma taxa de desemprego muito mais alta que os cidadãos judeus… Para lá dos casos de sucesso, não há descriminação da maioria destas populações?

Eu não disse que não há dificuldades. Mas quando fala de desemprego, os dois setores onde há mais desemprego é no setor árabe, por um lado, e, por outro, entre os judeus ultraortodoxos. Como pode ver, é claro que há problemas por resolver, e que estão a ser resolvidos pelo nosso Governo. Mas se só se olha para o setor árabe israelita e se diz que têm a maior taxa de desemprego, ao mesmo tempo que não se menciona o setor judeu ultraortodoxo, que está na mesma situação, correlaciona-se as coisas de uma maneira distorcida. É claro que há problemas. Mas também há cada vez mais sucesso, mais integração.

Mas a nova Lei da Nacionalidade, especificamente, afirma o Estado israelita como um Estado para o povo judaico. Isto por si mesmo não é excludente para os árabes israelitas? 

Sei que alguns setores da sociedade israelita ficaram ofendidos porque sentiram que algum do vocabulário não era suficientemente inclusivo. Mas, no quotidiano, a nova Lei da Nacionalidade não muda um milímetro a realidade das nossas minorias. Não vou negar que o vocabulário da lei é controverso dentro da sociedade israelita. Por exemplo os drusos fizeram demonstrações contra isso em Telavive, e houve judeus israelitas a protestarem junto deles, num ato de solidariedade. 

Referiu a declaração de Israel enquanto Estado, em 1948. Mas ao mesmo tempo que esta estava a ser escrita, prometendo liberdade cultural e religiosa, 800 mil palestinianos estavam a ser expulsos das suas terras. Não lhe parece uma contradição?

Creio que o termo expulsar não é o mais preciso. Como se deve recordar, houve uma guerra e alguns meses antes da declaração de independência por Ben-Gurion, a ONU adotou a famosa resolução 181, sobre a partição da terra de Israel entre dois Estados, um Estado israelita e um Estado árabe. Não utilizou o termo palestiniano, porque a identidade política nacional palestiniana é muito recente, em termos históricos. Apesar que adotar a ideia de um Estado árabe em territórios que histórica e emocionalmente pertencem ao povo judaico… A liderança judaica desse período, encabeçada por Ben-Gurion, não aceitou com facilidade a divisão dos territórios em dois Estados. Foi a liderança palestiniana e o mundo árabe que o rejeitaram, claro, e atacaram Israel com seis exércitos árabes, com um desejo óbvio de destruir o Estado recém-nascido. E durante a guerra houve incidentes em que habitantes não-judaicos tiveram de sair das suas terras, claro. Mas dizer que o fenómeno pode ser descrito como expulsão de palestinianos em massa, não é preciso. Não se esqueça que a liga árabe apelou aos árabes palestinianos que saíssem das terras para facilitar a invasão. E prometeram que após a vitória garantida dos árabes sobre Israel, todos poderiam voltar às suas casas. A maioria acreditou no que a Liga Árabe lhes prometeu. 

Mas não foram apenas os Estados Árabes que prometeram o regresso dos palestinianos às suas terras, a ONU também o fez, com a aprovação da resolução 194. Não lhe parece estranho que um judeu de qualquer outro país, sem qualquer ligação ao território, possa viver em Israel, enquanto uma palestiniano expulso em 1948 não o possa fazer?

A vocação do Estado de Israel foi abraçada pela declaração de Balfour, com o reconhecimento do mandato britânico, na altura a mais importante superpotência na região e também pela resolução da ONU que mencionei anteriormente, para a partição das terras em dois Estados, um deles judaico. Um Estado que seria o lar e a expressão nacional do povo judaico. Esta é a vocação do Estado israelita, reconhecida pela comunidade internacional. Como tal, alguém do povo judaico que deseje regressar às suas terras ancestrais é bem-vindo, para concretizar o seu direito de retorno. Mesmo uma pessoa que não seja judia, segundo a lei judaica, se tiver um avô ou avó que o seja pode-se tornar cidadão israelita. Há apenas um pequeno lar para os judeus, um povo que provavelmente sofreu mais tragédias do que qualquer outro. Não sinto qualquer sentimento de culpa por termos este pequeno Estado para quem quer viver a experiência israelita. Há mais de 20 Estados árabes, muitos deles grandes e ricos, onde os árabes podem viver, em que a língua árabe é a língua oficial, a religião maioritária é o Islão. Por isso, exigir o direito de retorno da terceira ou quarta geração de pessoas que tiveram de abandonar o território num momento de guerra… não é prático, como é que se regressa a aldeias destruídas pela guerra? A realidade mudou. Encorajar os palestinianos a continuar a sonhar com um retorno em massa – algo que não tem qualquer precedente histórico em qualquer país -, significa que não se apoia um futuro acordo de paz. Não há nenhum Governo, seja do centro-direita ou centro-esquerda em Israel que cometa o ato de suicídio que é deixar voltar milhões de descendentes de palestinianos que viverem em algumas partes do território e que não aceitaram a resolução da ONU e participaram no esforço militar para destruir à nascença o Estado de Israel. 

Não lhe parece ainda mais danoso para a causa da paz a anexação dos colonatos na Cisjordânia, que estão em direta violação do artigo 49 da Convenção de Genebra?

Os colonatos nunca foram um obstáculo à paz. Nós tínhamos colonatos no Sinai e ainda assim assinámos um acordo de paz com o Egito, nunca foi um obstáculo. São um bom pretexto para aqueles que não querem sentar-se à mesa de negociações e compreender que a realidade mudou. Referiu a Convenção de Genebra, mas posso-lhe dizer que há diferentes visões de juristas quanto ao estatuto dos colonatos judaicos. Não havia nenhum Estado palestiniano, nunca houve, Israel não conquistou nenhum Estado existente. Quando a Judeia e a Samaria, conhecidas também como Cisjordânia, estiveram sob ocupação militar da Jordânia, entre 1948 e 1967, o Egito ocupou a faixa de Gaza. E enquanto estes territórios estiveram nas mãos de Estados árabes, ninguém deixou os palestinianos formar o seu próprio Estado. Nunca se perguntou porquê? Podiam ter dito à liderança palestiniana: ‘Vocês têm a Cisjordânia, têm Gaza, comecem a construir o vosso próprio Estado’. Isto faz com que os territórios não tenham sido tomados a um proprietário legítimo, são territórios contestados. São territórios reivindicados pelo movimento nacional palestiniano e pelo movimento nacional judaico sionista. Se queremos ter um acordo de paz precisamos de negociar. Mas como dizia Abba Eban, o nosso icónico ministro dos Negócios Estrangeiros nos anos 60, ‘os palestinianos nunca perdem uma oportunidade de perder uma oportunidade’.

Contudo, os palestinianos aceitaram os Acordos de Oslo, que demarcaram fronteiras violadas pelos colonatos. Como é possível uma solução de dois Estados se a cada ano a terra disponível para o futuro Estado palestiniano diminui?

Primeiro, quando fala de Oslo, não se esqueça que a iniciativa de Oslo apanhou Arafat no seu momento de menor prestígio internacional. E nós, através dos Acordos de Oslo, oferecemos a Arafat a recuperação um certo estatuto e de legitimação pelos israelitas. O facto de os palestinianos aceitarem os acordos de Oslo, foi porque tinham muito a ganhar. E depois o Arafat, que tinha a oportunidade de regressar às terras palestinianas devido aos acordos de Oslo, em vez de manter a paz, continuou a promover o terrorismo. Desde o primeiro dia, quando cruzou de carro a fronteira egípcia, até à faixa à Faixa de Gaza, já estava a contrabandear armas no seu próprio Mercedes. Quando os controladores de bombistas suicidas do Hamas eram acusados e detidos por Israel, ele prendia-os por uns dias e depois deixava-os ir em liberdade. Este não era um parceiro honesto e sincero para a paz. E ele, infelizmente, não encorajou o campo dos defensores da paz em Israel. O Arafat tem uma grande responsabilidade, e o Abu Mazen [Mahmoud Abbas] também, no enfraquecimento dos defensores da paz em Israel. Quando fizemos o acordo de Oslo já havia colonatos nos territórios. Às vezes fala-se disso como colónias, mas não se esqueça que historicamente estes territórios são nossos, mesmo que sejam contestados pelos palestinianos. Fomos os primeiros a oferecer-lhes autonomia, no início, e mais tarde o direito de formar um Estado. 

Acha que a continuada ocupação e bombardeamentos de Israel criou melhores condições para a criação de um Estado? Por exemplo, em 2014 duas mil casas foram destruídas, segundo a ONU. Desde então estima-se que 97% dos cerca de 2 milhões de habitantes de Gaza não tenham acesso a água potável, só há eletricidade 12 horas por dia… 

Acho que estas condições são terríveis e que os palestinianos em Gaza estão miseráveis. Acho que têm sido governados por ditadores fascistas, que são os jihadistas do Hamas e da Jihad Islâmica, organizações terroristas. Eles governam sadicamente o seu próprio povo. Quando retirámos da Faixa de Gaza, o seu colega, o jornalista norte-americano do New York Times, Thomas Friedman, escreveu sobre a corajosa decisão do primeiro-ministro Ariel Sharon. A Faixa de Gaza tem a hipótese de se transformar na Singapura ou Hong Kong do Médio Oriente e explico porquê. Entre outras razões, porque a taxa de jovens é muito elevada, há muita energia, há proximidade a Israel, uma nação startup, etc. Bem, em vez de transformar Gaza na Singapura ou Hong Kong do Médio Oriente, os palestinianos, especialmente os do Hamas, desde que tomaram o poder há alguns anos, de forma bastante cruel, chegaram a atirar responsáveis da Autoridade Palestiniana do 10.º e 11.º andares. Por vezes, até os seus primos remotos, que fugiram para a fronteira e pediram a nossa proteção. Desde que o Hamas governa a Faixa de Gaza que usa a sua própria população da forma mais cínica possível, como escudos humanos. Metem os lançadores de rockets que atingem Israel em hospitais, escolas, mesquitas e dentro de bairros com população civil. Não mencionou o facto de os civis israelitas serem, por mais de 50 anos, muitas vezes alvos de rockets destas organizações terroristas, fascistas, e extremistas islâmicas. Enviam o seu próprio povo para se manifestar e provocar soldados israelitas junto à vedação, tentando entrar em território israelita enquanto sabotam a vedação. Não se importam com as mortes, por apenas estarem interessados em boas imagens de palestinianos miseráveis serem enviadas para canais televisivos na Europa. Sabem como ativam os sentimentos anticolonial e terceiro mundista da Europa. Especialmente da esquerda europeia, que confunde a realidade em Israel com o colonialismo em África ou noutras partes do mundo, o que não tem nada a ver com o conflito israelo-palestiniano. É uma disputa entre um dos mais velhos e legítimos movimentos nacionais, o movimento sionista do povo judeu, e um relativamente recente movimento dos palestinianos. Que estou pronto a reconhecer, como israelita, mas infelizmente eles não estão prontos a reconhecer a nossa legitimidade. Se continuarem a ensinar às gerações mais novas que somos um fenómeno europeu colonial e que o povo judeu nada tem a ver com a terra. A ensiná-las que têm de nos combater, de matar israelitas e que ser shahid [bombista suicida] é glorioso, que algum do dinheiro que os contribuintes europeus enviam para a Autoridade Palestiniana não vai para o seu desenvolvimento mas para famílias dos shahid – terroristas glorificados, que têm ruas com os seus nomes – enquanto tudo isto existir, não há grandes hipóteses de uma paz verdadeira.

Contudo, historicamente não parece haver uma correlação entre as operações militares e o número de rockets lançados. 2013 foi o ano com menos rockets lançados de Gaza. Mas 2014, foi marcado por uma operação militar Israelita que causou a morte a 1423 civis, entre as quais 590 crianças. A ONU afirmou que uma percentagem tão elevada de vítimas civis não pode ser resultado de danos colaterais.

A única forma de se compreender as operações militares israelitas em Gaza é como tentativa de erradicar o terrorismo, tanto quanto possível – e não é fácil, por ser uma das zonas mais densamente povoadas do mundo. Nunca definimos a população civil – ou como nós lhe chamamos, civis envolvidos – como alvo do exército israelita. Entre todos os exércitos democráticos do mundo, não conheço exército mais ético que o nosso. Dê-me um exemplo de uma força aérea que sai para bombardear instalações terroristas – colocadas cinicamente entre a população civil – e espalha panfletos à população em Gaza meia hora antes, para os avisar para saírem do edifício por ter nas proximidades um quarte-general ou depósito terrorista? Não é uma situação fácil como no Iraque ou Afeganistão, para se dar um aviso antecipado e se reduzir os danos colaterais. Aliás, o senhor Richard Goldstone, que redigiu o famoso relatório de 2014 da operação militar em Gaza, ele próprio confessou ter sido manipulado por várias fontes palestinianas, e não só, e arrependeu-se imenso do seu próprio relatório. 

Mas não é o único investigador da ONU que acusa o exército israelita de crimes de guerra. E apesar dos recentes apoios de Trump e Bolsonaro, o Estado israelita parece ter cada vez mais condenações na comunidade internacional. Como responde à sistemática acusação de crimes de guerra? Quão isolado está o Estado de Israel?

A ONU, com esta maioria automática, que também existe em algumas das suas agências, pode facilmente declarar que é noite e não dia neste momento. Esta maioria consiste comummente nos mais sombrios regimes, não democráticos, anti-homossexuais, anti-mulheres, anti-liberdade de expressão. Esta maioria nunca será uma bússola moral para o Estado de Israel. Nunca. E, por isso, esta maioria automática não pode ter – e nunca terá – qualquer impacto na sobrevivência do Estado de Israel. A sobrevivência do Estado de Israel será uma mistura de valores éticos e de supremacia militar. O povo judeu não terá uma segunda hipótese. Já tivemos uma em solo europeu há 80 anos atrás. Estamos aqui os dois sentados há mais de 40 minutos e nunca referiu nem por uma vez um país – e poderoso – cuja liderança todos os dias jura destruir Israel. Nunca mencionou o Irão. Ficou-se pela ONU e pelas decisões desta maioria automática, muitas vezes regimes sombrios. Nunca, nunca, mencionou as ameaças que enfrentamos todos os dias, com o Hezbollah – que é um satélite do Irão – no norte, no Líbano, mais a Jihad Islâmica e o Hamas, em Gaza, também inspiradas no Irão. Israel é um pequeno país que enfrenta todos estes inimigos, organizações e Estados terroristas, que proclamam quererem destruir-nos. O Irão não nos quer destruir por causa da causa palestiniana, posso-lhe garantir. Não querem saber da causa palestiniana. A maioria automática da ONU pode facilmente votar, declarar e adotar moções, que nunca será para nós uma bússola de valores morais. 

Nos últimos anos houve uma grande aproximação entre Telavive e a Arábia Saudita. Um regime acusado de tudo o que falou, violações de direitos das mulheres, de pessoas LGBT+, da liberdade de expressão… Os valores de Israel ficam comprometidos com esta abordagem?

A aproximação que temos entre Israel e os regimes sunitas pró-ocidentais do mundo árabe são o resultado da ameaça do Irão. Estes regimes, a maioria deles não são definitivamente o meu modelo de valores morais e cívicos, mas são regimes que perceberam que a pequena Israel não é uma ameaça para a sua existência e para o mundo árabe. Se me perguntar se este é o nosso modelo de sociedade, que quero para a nossa vizinhança e para o mundo, a resposta é que, continuando como são agora, definitivamente não. Mas penso que há um início aqui. E uma pessoa que observe de perto a realidade do Médio Oriente deve reconhecer que há mudanças dramáticas – não são todas claras e óbvias – mas há dinâmicas internas em alguns países e sociedades árabes. E se alguém deseja um Médio Oriente pacífico, como eu, penso que não pode ignorar a Arábia Saudita ou outros Estados árabes. Nem sempre temos relações com países que têm valores à medida dos nossos. Basta olhar para o Egito, que foi o primeiro país que assinou um acordo de paz connosco, tínhamos o Presidente [Anwar] Sadat na altura, o corajoso que veio fazer a paz connosco. E agora temos o Presidente Sisi. Se formos ingénuos, como foi o Presidente [Barack] Obama, ao permitir eleições tecnicamente democráticas num país como o Egito, que ainda não é maduro para uma democracia ocidental, se pensarmos que por deixar os egípcios votar democraticamente, e ficarem com a irmandade muçulmana governar, isto é uma democracia… ou então governa Sisi, um general que é eleito, provavelmente de uma maneira ligeiramente diferente. Mas ainda assim é felizmente muito popular no Egito, e pode garantir o desenvolvimento e prosperidade do país. Pode garantir um pouco mais de liberdade na sociedade, menos terrorismo, menos matanças de cristãos coptas. Garantindo ainda o combate ao ISIS no Sinai, a preservação do acordo de paz com Israel. Então prefiro definitivamente Sisi como Presidente do Egito, tanto de um ponto de vista israelita, como em solidariedade com o povo egípcio. É melhor do que ter Mohamed Morsi, eleito democraticamente, mas que no momento em que chega ao poder deixa de haver democracia. Democracia é um longo processo em certas culturas e civilizações, de educação e de valores, que têm de ser integrados na sociedade, antes de haverem eleições tecnicamente livres.

Essa lógica está em linha com a dos críticos que acusam Israel de não ser uma democracia, por alegadamente segregar parte da sua população apesar de ter eleições tecnicamente livres. Há democracia plena sem igualdade?

No caso de Israel, não a defino como democracia apenas pelo processo técnico do voto. Penso que a maioria da população israelita tem os valores democráticos integrados na sua cultura. Depois de 70 anos de integração da minoria árabe, há definitivamente mais democracia que em qualquer outro país árabe. Não defino Israel como democracia apenas pelo voto, como não o faria em relação a Portugal, no pós-74. Os valores democráticos estão profundamente enraizados na mente portuguesa, como em Israel. 

Poucos dias antes da semifinal da Eurovisão, a imprensa israelita avançou que mais de metade dos bilhetes estavam por vender, que estavam a ser oferecidos dois bilhetes pelo preço de um, que o fluxo de turistas foi um terço do esperado… É uma vitória do Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS)?

Não, não, de todo. Vi ontem na RTP1 a primeira semifinal, que foi muito bem sucedida, infelizmente não para Conan Osíris, e para o seu parceiro, o dançarino João. Mas a produção foi muito bem sucedida, o auditório estava completamente cheio, como pudemos ver pela RTP1. Os júris cumprimentaram Portugal pelo seu enorme sucesso do ano passado, com a Eurovisão, e eu gostaria de adicionar os meus próprios parabéns a Portugal pela sua incrível edição do festival. Em todos os aspetos, produção, segurança, atmosfera, etc. 

Os defensores do boicote mencionam como motivo, entre outras coisas, a prática de prender crianças por atirar pedras – algumas com menos de oito anos – como acontece frequentemente na Cisjordânia.

Se está a descrever a situação como uma situação normal, em que os israelitas estão a prender menores para se divertir, é uma distorção da realidade. É esquecer que estes menores podem estar envolvidos em crimes com facas, ou atirar cocktails molotov, ou até pedras, que podem ser letais. Já tivemos militares e civis mortos com pedras. Nesta situação, como qualquer outro exército ou Polícia, temos de prender menores também, se estão envolvidos nestas atividades. Se estão envolvidos numa atividade terrorista, ou põem em perigo vidas de civis, não há outra escolha que não prendê-los. Seriamos os primeiros a ficar felizes se as crianças forem educadas pela Autoridade Palestiniana para compreender que a única solução para as duas populações, os israelitas e os palestinianos, é viver lado a lado, pacificamente. Têm de mudar a sua mentalidade, mudar o disco que põem na cabeça. Não os podem continuar a incentivar ao ódio, a verem-nos como colonizadores europeus que não têm nada a ver com o território, que simplesmente os invadimos.

O facto da lei internacional ser expressamente contra a detenção de menores não é uma preocupação do Estado israelita?

Como sabe, os território da Cisjordânia não foram anexados por Israel em 1967, com a exceção de Jerusalém Este, e como tal, quem governa dentro dos territórios é o exército, sob lei militar. Dentro de Israel há um certo conjunto de leis, ligeiramente diferente das militares. Mas os nossos valores são os mesmos, e como tal, menores em Israel geralmente não são presos, a menos que estejam envolvidos em crimes. Na Cisjordânia, serão detidos menores envolvidos em crimes e terrorismo, e se puserem em perigo a vida de outros. Não perseguimos e detemos menores por prazer, isso é uma maneira distorcida de ver a realidade. 

Considera que Israel não tem culpa alguma da atual situação dos palestinianos?

Penso que depois de retirarmos militarmente de Gaza, os palestinianos tiveram uma oportunidade dourada de provar à sociedade israelita – que funciona com grande debate interno e democracia -, que Gaza se tornou um vizinho amigável, ou pelo menos pacífico. Isto teria encorajado à opinião pública israelita a optar por posições mais pró-paz em vez de pró-guerra. Aliás, muitas pessoas de Gaza desejavam poder regressar e trabalhar em fábricas e na agricultura israelita, algo que acontecia antes de nos retirarmos. Ainda há grandes amizades entre habitantes de Gaza e israelitas.

Na pergunta, referia-me especificamente ao papel das políticas israelitas na situação palestiniana.

Mas a política israelita é fabricada pelo Governo israelita, que é democraticamente eleito pela população. Como tal, o que estou a tentar dizer-lhe, é que se os palestinianos tivessem dado aos israelitas a impressão de que, cedendo algum território, eles se manteriam pacíficos – não os utilizando como uma posição militar, a partir de onde Israel seria atingido – então acredito que o voto seria ligeiramente diferente. E, como tal, também o resultado político e a dinâmica com os palestinianos poderia ser diferente. Sabe qual é distância entre Gaza e o kibbutz Nahal Oz? Cerca de 300 metros. Estamos a falar de metros e centímetros, nem sequer quilómetros. É como viver em Lisboa e ter o Hamas no Alentejo a lançar rockets e mísseis sobre casas. Votaria por uma força política mais pró-paz ou pró-guerra? As diferenças não são assim tão grandes atenção. Mesmo os mais pró-paz, como o Partido Trabalhista, ou a aliança azul e branca de [Benny] Gantz, se estivessem no poder, acha que a nossa resposta ao terrorismo seria diferente?

Isso é uma boa pergunta para lhe colocar.

Definitivamente não.

Não há culpa nenhuma dos israelitas quanto à atual situação dos palestinianos?

Sabe quantos camiões com mantimentos israelitas chegam à fronteira de Gaza todos os dias? As transferências são feitas de um camião para outro em marcha atrás, porque temos receio de enviar motoristas israelitas para Gaza. Um média de 500 ou 700 camiões de alimentos e medicamentos. Infelizmente, o Hamas até chega a bombardear o terminal de onde saem estes camiões. Se me pergunta se houve alguma culpa da política israelita… historicamente falando, em retrospetiva, diria que talvez, talvez o Sadat estivesse preparado para negociações de paz antes 1977, quando veio a Jerusalém. Talvez os sinais de Sadat não tenham sido plenamente absorvidos pelo Governo israelita. E estamos a falar de um Governo do Partido Trabalhista. Estou seguro que não somos uma nação composta só de anjos. Seria até uma maneira muito antissemita de nos descrevermos a nós mesmos, como um fenómeno anormal. Somos um país normal, democrático, e sinto-me muito orgulhoso de representar uma democracia plural. Definitivamente não somos uma nação sem falhas, com um Governo sem falhas. Claro que houve erros. Mas a sociedade israelita está muito mais madura para a paz que a sociedade palestiniana. 

Essa preparação para a paz é refletida nas propostas de Netanyahu de anexar colonatos na Cisjordânia?

Quanto à anexação, durante a recente campanha eleitoral, houve uma declaração de Netanyahu quanto ao assunto. Penso que certas declarações devem ser contextualizadas dentro de uma campanha eleitoral. Mas também há um processo dinâmico. E se não há um parceiro palestiniano válido, que eduque a sua própria população para a paz, em vez da glorificação da morte, do terrorismo, que não prometa que os palestinianos poderão inundar Israel, pondo fim ao Estado judaico e à maioria judaica… Na história nunca há vácuo. Não havia colonatos judaicos antes de 1967. Mas ainda assim não houve paz. Os palestinianos ainda nem sabem o que está no plano de Trump para o Médio Oriente e já dizem que não. Se eu não sei, eles não sabem, e já recusaram. Boicotam o acordo, organizam um campanha contra ele, sem saber o que lhes concede a eles, a nós e à região. 

No entanto, a reação dos palestinianos foi aos pontos do acordo divulgados por um jornal israelita, a partir de supostos documentos do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel. Além de que muitos dirigentes palestinianos afirmaram não ter confiança em Trump como mediador neutral. Têm razões para isso?

Penso que se fosse um líder palestiniano não antagonizaria o Presidente dos Estados Unidos. Se há uma hipótese para a paz, o único mediador possível, como aconteceu no passado, na paz com o Egito, com os jordanos, só pode ser mediada pelos EUA. São os únicos que têm alavancagem sobre os dois lados, sobre Israel e o mundo árabe. Eu não me basearia em fugas de informação na imprensa. Analisaria o plano de paz quando fosse apresentado. 

Como podem os EUA ser neutrais no assunto quando historicamente sempre apoiaram Israel? O veto norte-americano na ONU chegou a ser a única coisa a impedir sanções contra Israel.

Historicamente, há alguns elementos que podem contradizer o que disse. É verdade que os EUA são aliados de Israel, mas ao mesmo tempo, não são inimigos do mundo árabe ou dos palestinianos. Por exemplo, quem fez o ultimato a Israel para pararmos o nosso avanço militar, na Guerra do Yom Kipur, em 1973 – depois de sermos atacados, e quando estávamos a menos de 100 quilómetros do Cairo -, foi Kissinger. Que era judeu e secretário de Estado norte-americano. Provavelmente ele era inteligente o suficiente para compreender que o Egito não deveria ser humilhado militarmente outra vez, como foi na guerra de 1967. Nas academias militares ainda se estuda a guerra de 1973, em que conseguimos mudar drasticamente as más condições com que começámos a guerra. Mas os egípcios ainda consideram a guerra uma vitória. E têm um museu da vitória, paradas militares para celebrar. E o nosso embaixador está lá para os respeitar. Provavelmente foi uma das condições que permitiu o acordo de paz. Foi o génio de Kissinger em ação. Também foi Barack Obama que pressionou Netanyahu para congelar a construção de colonatos durante o período de quase um ano. E quando digo congelar digo que nem uma varanda podia ser construída. E Netanyahu não estava numa posição fácil internamente. Aqui se vê que os colonatos são sempre o pretexto para os palestinianos não negociarem. Mesmo com o congelamento da construção, Mahmoud Abbas, não quis negociar. 

Mas agora a orientação de Trump é quase a oposta de Obama quanto ao assunto. É o mais forte aliado que Israel tem?

Felizmente temos aliados nos EUA, mas também noutros países, incluindo em países europeus. Sei que há um instinto pavloviano entre os europeus para pôr de lado tudo o que venha de Trump. Na Europa – é uma generalização, há exceções, até entre os meus contactos – a maioria adora odiar Trump. Mas creio que ele deveria ser julgado pelo resultado do que faz. Não vou entrar em política interna norte-americana. Mas, por exemplo, no que toca à relação com o Irão, Trump está a fazer a coisa certa, a única maneira correta de tratar este tipo de regimes. E os mísseis balísticos que os iranianos já têm, o seu alcance não é só até Israel, também chegam a território europeu. O Irão não é só uma ameaça para Israel, que ameaça quase diariamente apagar do mapa. Não os iranianos, o regime. O povo iraniano tem uma grande civilização, um cultura maravilhosa, uns jovens incríveis que se querem ver livre deste regime fascista. Um regime que tem um plano muito claro: xiitizar o Médio Oriente, e depois, gradualmente converter o mundo inteiro a uma versão xiita do islão. E não é um plano imaginário, é factual e está documentado. E podemos ver nestes últimos dias como o regime iraniano está stressado e em pânico. Finalmente, as sanções defendidas por Trump estão a dar os resultados que o mundo livre procura. E também que procura a oposição dentro do Irão.

A questão nuclear neste caso não se aplica, mas a Arábia Saudita é um Estado patrocinador do terrorismo ao tentar disseminar o wahabismo, uma das linhas mais fanáticas do Islão político. Israel não tem essa preocupação com este Estado, de que possa ganhar influência e ter uma forma mais fácil de se esquivar aos direitos humanos?

Antes de mais, a Arábia Saudita nunca proclamou abertamente a sua vontade em destruir Israel. O rei e os príncipes não o dizem diariamente. Acho que o terrorismo wahabista existiu definitivamente no passado e que a realidade na Arábia Saudita está a mudar bastante. Os processos são por vezes lentos, mas vemos alterações. Não acho que a Arábia Saudita represente uma ameaça no Médio Oriente nem para os seus países vizinhos, nem para Israel, nem para o mundo ocidental.

Ao longo da entrevista relacionou as críticas a Israel com antissemitismo. Por que é que criticar um Estado é necessariamente antissemita?

Uma pessoa pode criticar um certo governo, atos de um certo governo, mas quando se critica com um ódio visceral – que é possível detetar em certos setores políticos em Portugal e noutros países europeus – o próprio Estado de Israel, não é apenas pela minha definição de antissemitismo. Pode ser muitas vezes subliminar, subconsciente, mas quando se tem este ódio visceral e certos partidos políticos na Assembleia da República que nem se encontram com o embaixador israelita para dialogar, para discordar dialogando, mas abraçam calorosamente o embaixador iraniano de um regime muito iluminado e progressista, então acho que é ou ingénuo ou hipócrita pensar que este tipo de críticas não é antissemita. 

Esse ódio visceral a que se refere, se fosse contra o Estado sul-africano do apartheid seria anti-branco ou poderia ser uma defesa dos direitos humanos? 

Claro que não ficará surpreendido se discordar com a analogia que tenta fazer. Se fossemos um país de apartheid, o meu vice-embaixador não seria druso, o Supremo Tribunal não teria um juiz árabe, um general no exército não seria árabe. Toda esta comparação entre o apartheid sul-africano e a situação complexa em Israel não tem fundamento, é ridícula e pode servir a propaganda antissemita que começou com o espalhar do ódio do movimento nacional sionista na antiga União Soviética e que foi adotado por alguns jornalistas e pelos media europeus. Até lhe digo que há críticas ao regime do apartheid sul-africano em que não encontrava um ódio tão visceral à África do Sul, como o que consegue encontrar em alguns setores europeus contra Israel.