«A velhice é isto: ou se chora sem motivo, ou os olhos ficam secos de lucidez»

Esta frase, de Miguel Torga, foi encontrada em Lisboa, na Avenida dos Estados Unidos da América, pela Constança, e diz: «A velhice é isto: ou se chora sem motivo, ou os olhos ficam secos de lucidez».

Trata-se de uma frase que Miguel Torga inscreveu no seu Diário, no dia 1 de maio de 1974. Nesse dia, em Coimbra, a população saíra para a rua, a festejar, alegremente, a primeiro Dia do Trabalhador em liberdade. Esse dia foi festejado euforicamente por todo o país. Em Lisboa, a multidão juntou-se na Alameda D. Afonso Henriques, para ouvir Mário Soares e Álvaro Cunhal, regressados do exílio.

Cético com tamanha alegria, Torga segue a multidão e questiona-se: «Há horas que são de todos. Porque não havia aquela de ser também minha? Mas não. Dentro de mim ressoava apenas uma pergunta: Em que oceano de bom senso iria desaguar aquele delírio? Que oculta e avisada abnegação estaria pronta para guiar no caminho da história a cegueira daquela confiança?». E termina esta sua reflexão com a frase pintada na parede, num sentimento simultaneamente de desilusão e clarividência.

A verdade é que, com a idade, nos tornamos mais maduros e, como tal, refletimos sobre a realidade, sobre os outros, sobre o que nos acontece com a utilização de maior consciência de nós e do que nos rodeia. É, portanto, natural que, com o passar do tempo, nos tornemos mais ponderados e mais perspicazes.

Por outro lado, quando chegamos à velhice, perdemos certas capacidades, o que nos fragiliza e nos torna mais sensíveis a questões que durante toda a vida procurámos não valorizar. Às mudanças psicológicas acrescem as mudanças físicas que, tantas vezes, nos surpreendem. Diz Cecília Meireles: «Eu não tinha este rosto de hoje, / (…) // Eu não tinha estas mãos sem força, / tão paradas e frias e mortas; / (…) // – Em que espelho ficou perdida / a minha face?».

Passamos o tempo a tentar ser fortes quando, na realidade, não o somos. Construímos barreiras entre nós e o mundo e colocamos máscaras para que os outros não nos conheçam tal como somos e, assim, não nos reconheçam no que, na realidade, constitui a nossa essência, e que tentamos, a todo o custo, proteger. Somos seres frágeis, desprotegidos, que tentam, a qualquer preço, mostrar-se valentes e destemidos. Há, porém, algumas pessoas que conseguem efetivamente ser fortes, revelando uma coragem física e psicológica diferente de todos os que as rodeiam. São pessoas reconhecidamente distintas, líderes natos, que se impõem naturalmente, e são admiradas pelas suas virtudes. Mas, mesmo estas, pela sua natureza humana, acabam por enfraquecer e, na velhice, tornam-se iguais a todos – frágeis, assustados, sós.

É, pois, verdade, como diz Miguel Torga, que a velhice nos faz chorar sem motivo óbvio, apesar de uma longa vida conter sempre motivos, mais ou menos remotos, que podem levar às lágrimas. E, do mesmo modo, a lucidez que se atinge, pelo facto de muito já se ter vivido, sentido, experienciado, também provoca a ausência de lágrimas e a incapacidade para se surpreender com o que de novo acontece ou para se deslumbrar com euforias efémeras.

Valorizar os nossos velhos, mais do que reconhecer o passado, é, no fundo, valorizarmo-nos a nós próprios e ao nosso futuro, num diálogo permanente, mas silencioso.

 

Maria Eugénia Leitão