Portugal e o Futuro

O futuro das nações está muito condicionado pela história, pela geografia, pelas alianças internacionais, pelas características da população

Na semana passada, falando do que faltou no 10 de Junho, escrevi que faltou falar do país, do saber para onde vamos, do caminho que queremos seguir.

Porque julgo que essa incerteza contribui para uma certa insegurança dos cidadãos, para uma falta de confiança na democracia.

Mas nem todos pensam assim.

Pacheco Pereira, por exemplo, considerou um disparate falar-se de um ‘rumo para Portugal’, pois numa democracia isso não existe.

Como há muitas opiniões diferentes, há vários rumos possíveis – não há só um.

À primeira vista, esta observação é totalmente pertinente.

Parece mesmo incontestável.

Numa sociedade onde coexistem partidos da extrema-direita à extrema-esquerda, como pode falar-se de um desígnio coletivo, de um caminho comum?

Afigura-se um disparate, uma falta de perceção do que é uma democracia.

 

Mas será mesmo?   Será que numa democracia não poderá haver uma base sobre a qual todos se entendam?

Não será possível um compromisso à volta do qual haja um largo entendimento?

É fácil provar que não só pode haver como ‘tem de haver’.

Logo à partida, a maioria tem aceitar a própria existência de uma democracia.

Sem isso, nada feito.

Em segundo lugar, tem de haver um consenso largamente maioritário sobre os papeis do Estado e da iniciativa privada.

À iniciativa privada caberá um papel liderante no desenvolvimento económico ou apenas um papel complementar em relação ao Estado?

Esta definição é fundamental para todos saberem com o que podem contar.

Em terceiro lugar, tem de haver um larguíssimo consenso sobre a presença (ou não) na União Europeia, até porque ela acarreta uma significativa perda de soberania.

 

Mas há mais.  Há objetivos estratégicos que estão acima dos partidos e das opções políticas, porque vão muito para além das legislaturas.

Por exemplo: queremos ser um país essencialmente continental ou um país também marítimo?

Aceitamos a desertificação do interior como uma fatalidade ou empenhamo-nos na ocupação de todo o território?

Queremos umas Forças Armadas viradas sobretudo para missões internacionais ou também empenhadas em operações no interior?

Sobre isto também tem de haver um entendimento muito alargado.

 

E ainda há mais.  Portugal não nasceu ontem.

Assim, há uma história comum de quase nove séculos que condiciona as opções políticas.

Há uma língua comum.

Há a geografia – pois não é a mesma coisa estar na Europa, com uma ampla costa atlântica, na encruzilhada de três continentes, ou estar na Cochinchina.

Há a presença em organizações internacionais, como a União Europeia ou a NATO.

E há as próprias características da população, pois os portugueses não são iguais aos suecos e muito menos aos chineses.

 

Quer isto dizer que os países não são um livro em branco – e que o futuro não depende por completo do partido ou partidos que conquistam a maioria.

Está muito condicionado pela história, pela geografia, pelas alianças internacionais, pelas características da população.

O papel dos partidos é, assim, mais tático do que estratégico: é escolher, dentre o leque de opções possível, as melhores medidas para prosseguir o caminho que o país vem a trilhar.

E ainda aqui deveria haver um entendimento alargado sobre assuntos de interesse comum.  

Como, por exemplo, a educação: não pode haver uma ideia hoje e outra amanhã, com estudantes a serem apanhados a meio dos percursos escolares por constantes inflexões estratégicas.

Como a Saúde: não é razoável uma lei de bases ser aprovada por uma maioria circunstancial.

Como a Justiça: uma matéria de natureza ‘nacional’ não deve depender de arranjos partidários de ocasião.

Sobre todas estas matérias deveria haver um consenso alargado – apontando um rumo.

 

Como se vê, falar de ‘rumo’ em democracia não é disparate nenhum.

Disparate é pensar que os países têm o futuro em aberto e que todos os devaneios são possíveis.

Se olharmos para a história das nações, sobretudo as mais antigas, observamos uma continuidade: há características que permanecem, independentemente dos governos e das conjunturas.

E quando há descontinuidades profundas, ruturas violentas no caminho que vem a ser traçado, isso corresponde muitas vezes a grandes tragédias.

Por todas estas razões, fazia sentido falar no 10 de Junho no nosso destino coletivo.

Por muito que alguns não gostem da ideia.