Europa. Futuro ‘decidido à porta fechada’

Ursula von der Leyen foi escolhida em vez dos candidatos dos partidos mais votados. É alemã mas o seu grande apoio é a França de Macron.

Isto não é democracia», acusou o porta-voz  parlamentar do Partido Popular Europeu (PPE), Esteban González Pons, referindo-se ao pacote de candidatos aos cargos de topo da União Europeia propostos pelo Conselho Europeu, onde se reúnem todos os chefes de Executivo dos países membros. Em causa está a rejeição dos candidatos à presidência da Comissão Europeia dos partidos mais votados, em prol da candidatura da ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyen. 

Apesar da retórica inflamada do líder parlamentar do PPE – que disse que «o futuro da Europa tem de deixar de ser decidido à porta fechada» -, este já admitiu que irá dar orientações ao seu grupo para que vote em Leyen, que faz parte do PPE. Em princípio, a ministra da Defesa alemã também poderá contar com o apoio dos liberais do Renovar Europa (antigo ALDE), que foram os grandes beneficiados das últimas rondas negociais. Apesar de serem apenas o terceiro grupo mais votado, os liberais conseguiram  o segundo cargo de maior prestígio da UE, a presidência do Conselho Europeu, que ficou nas mãos do primeiro-ministro interino belga, Charles Michel.

Quem ficou a perder foi o segundo grupo mais votado, a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D), que até há pouco tempo parecia cada vez mais alinhado com o Renovar Europa. Os socialistas ficaram com cargos com menos destaque, conseguindo colocar o italiano David-Maria Sassoli como presidente do Parlamento Europeu e o espanhol Josep Borrel como alto representante da UE para os Negócios Estrangeiros e Segurança. Um parco consolo para a derrota do candidato socialista à Comissão Europeia, o holandês Frans Timmermans, que não conseguiu que a sua candidatura fosse aprovada no Conselho Europeu – onde precisava do apoio de pelo menos 21 Estados com mais de 65% da população da UE entre si. 

Timmermans foi descartado por uma minoria de bloqueio liderada pelos países de Visegrado – República Checa, Hungria, Polónia e Eslováquia – «por ter defendido os valores da União e do Estado de direito» enquanto vice-presidente da Comissão Europeia, segundo a líder de bancada do S&D, Iratxe García. Os países de Visegrado acusaram o candidato socialista de não «compreender a história da Europa Central e a importância da cultura cristã», nas palavras do primeiro-ministro checo, Andrej Babiš. A nomeação surpresa de Leyen foi uma forma de aplacar os países de Visegrado, cujos representantes não deixaram de realçar a fé cristã e os sete filhos da ministra da Defesa (ver perfil no B,i).

Se Leyen foi uma solução rápida para conseguir a nomeação do Conselho Europeu, pode muito bem ser chumbada pelos eurodeputados, se a eleição de Sassoli como presidente do Parlamento Europeu servir como indicador. Enquanto Sassoli foi eleito com 345 dos 667 votos válidos, Leyn precisa do apoio de 376 deputados – mais de metade dos 751 em funções – para substituir Jean-Claude Juncker na presidência da Comissão Europeia.

Leyen tem ao seu lado o equilíbrio de género dentro do pacote para os quatro cargos de destaque da UE, de que faz parte também Christine Lagarde, nomeada presidente do Banco Central Europeu (BCE), após os dois mandatos como diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI). A condenação de Lagarde em 2016, por negligência e má utilização de cerca de 400 milhões de euros de fundos públicos, quando era ministra das Finanças de França, não impediu que fosse nomeada para dirigir o BCE. A diretora do FMI é lembrada pelo seu papel de supervisão das medidas de austeridade aplicadas nos países do sul da Europa – como Portugal e a Grécia – acabando por admitir que tinham sido contraprodutivas, diminuindo o crescimento económico e causado sofrimento desnecessário. 

Vitória francesa?

Apesar do Presidente francês, Emmanuele Macron, ter garantido que o pacote de potenciais novos líderes europeus foi «fruto de um profundo entendimento franco-germânico», com o objetivo de «não dividir a Europa política ou geograficamente», é difícil não ver o resultado como uma grande vitória de Macron. Conseguiu colocar uma francesa como diretora do BCE, ter um aliado seu do Renovar Europa como presidente do Conselho Europeu e ainda uma candidata à presidência da Comissão Europeia do seu agrado. 

Macron e Leyen têm em comum um enorme entusiasmo por uma maior integração europeia. Enquanto a chanceler alemã, Angela Merkel, mostra algumas reticências quanto ao assunto, Leyen chegou a dizer que queria que os seus filhos vivessem nos «Estados Unidos da Europa», em entrevista ao Die Zeit, tendo também expressado apoio à ideia de um exército europeu. Macron tem ainda um bónus pelo facto da ministra da Defesa alemã ser fluentemente francófona – algo muito bem visto pelo público francês -, bem como o facto da sua nomeação ter dividido os conservadores entre o apoio a Leyen ou ao candidato com quem foram a eleições, Manfred Weber.