O impasse atual da construção europeia

Os socialistas e sociais-democratas são os grandes derrotados perante o ‘acordo de mínimos’ estabelecido e, em contrapartida, os franceses do movimento ‘En Marche’ de Emmmanuel Macron

A escolha dos cargos de topo para a direção da União Europeia, tendo em vista o próximo mandato de cinco anos, demonstra, de uma forma clara e inequívoca, as dificuldades que a Europa sente, hoje, para construir um projeto em volta da unidade dos estados e da solidariedade dos povos.

A solução de compromisso encontrada, ao fim de vários dias de impasse, de diversos contactos bilaterais e de reuniões inconclusivas, tendo em conta a fragilidade de que reveste, é preocupante e merece reflexão.

Os socialistas e sociais-democratas são os grandes derrotados perante o ‘acordo de mínimos’ estabelecido e, em contrapartida, os franceses do movimento ‘En Marche’ de Emmmanuel Macron, são, aparentemente, os verdadeiros vencedores.

A realidade impôs-se à ficção e demonstrou que o irrealismo irresponsável que o primeiro-ministro de Portugal foi revelando ao longo do processo, não tinha a mínima viabilidade para ser concretizado.

Afinal, Portugal representa apenas 1,5 % da riqueza e da população da União Europeia e a ‘sorte’ que, por enquanto, acompanha António Costa e lhe tem permitido alguns êxitos no plano interno, não se propaga, por milagre, no universo mais amplo e mais esclarecido da União Europeia.

Esta ‘lição’ não é sequer original, pois já tinha visto a luz do dia quando da candidatura portuguesa a sede da Agência Europeia do Medicamento (primeiro para Lisboa e, estranhamente, em seguida para o Porto), com as consequências que sabemos, mas muitos já esqueceram, pois, em Portugal, a cultura da inimputabilidade continua a ser uma regra da política.

Regressámos, agora, na Europa, aos bons velhos tempos de Durão Barroso, em que a escolha do Presidente da Comissão não resulta de uma avaliação de mérito, mas deriva sim de uma conjugação de diversos fatores e interesses egoístas que se vão eliminando uns aos outros.

Para a similitude ser maior, soubemos agora, e fora de tempo, que António Costa terá sido sondado (?) para ocupar um dos lugares cimeiros da União. Este absurdo seria difícil de aceitar a não ser pelos que, insensatamente, acreditam que uma espécie de ‘eurogeringonça’ é possível no contexto europeu.

Ora tudo isto revela um quadro institucional enfraquecido e extremamente preocupante, nomeadamente, porque se aproxima a decisão final sobre o Brexit, se assiste permanentemente à provocação italiana às regras estruturantes da UE, se assiste ao fortalecimento das democracias iliberais sob o comando de Orban e se sofre com o renascimento de um compromisso frágil dos países escandinavos (nova Liga Hanseática?) com o projeto europeu.

Por outro lado e para agravar, assiste-se também ao enfraquecimento da liderança alemã, prisioneira da fragilidade física e psíquica da chanceler Merkel, e incapaz, por isso, de reformular uma aliança franco-alemã que possa ser a referência para o futuro de uma Europa de progresso e solidariedade.

Os próximos meses serão, assim, decisivos, pois, durante esse período, irão, necessariamente, ser mobilizados todos os poderes democráticos que ainda sobrevivem na União Europeia (nomeadamente o Parlamento Europeu) e haverá oportunidade de perceber se o momento presente é um tempo de ‘ceticismo europeu’, com todas as suas consequências, ou apenas um período de ‘pessimismo europeu’ que convoca, de novo, a Europa a reafirmar os seus princípios, mas a obriga, também, a mudar de rumo no que diz respeito ao equilíbrio dos poderes dos seus órgãos, à reformulação da União Monetária, à definição de uma Política Externa (verdadeiramente) Comum, à aceitação de uma atitude pró-ativa e solidária perante os refugiados, à concretização de uma missão coordenada e única de combate às alterações climáticas etc etc.

Não será uma tarefa fácil, mas é, seguramente, um desiderato necessário, imprescindível e decisivo para que a Europa possa reencontrar-se com o seu Projeto e fique, de novo, em condições de honrar todos os seus Compromissos com os cidadãos europeus.