Ainda vale a pena votar?

A crise das democracias ocidentais, que nos tem dado resultados eleitorais exóticos e feito emergir partidos de extrema-esquerda e de extrema-direita, alguns dos quais com presença em governos de países da União Europeia, como atualmente sucede em Portugal e na Itália, não é mais do que o refluxo da descrença atual dos cidadãos no sistema…

A teoria de que a nação se faz representar, através do voto, em políticos eleitos que usam os poderes de soberania para defenderem os interesses e os pontos de vista daqueles que os lá puseram foi uma engenhosa criação do famoso Abade Siéyés, em pleno dealbar da Revolução Francesa, para contornar a inexequibilidade da doutrina da soberania popular, una, indivisível e intransmissível, de Jean-Jacques Rousseau, na altura ainda o santo padroeiro da nova França. Desse modo, instituindo assembleias eleitas donde sairiam governos com legitimidade democrática nacional, ficava resolvida a velha questão da origem do poder, passando-o para as mãos do «povo» e dos seus representantes, abandonando, de vez, o paradigma da sua origem divina.

Acontece que, hoje, na maioria das democracias ocidentais, se assiste a um profundo e continuado descrédito da representação política. É como se, cada vez mais, os cidadãos se sentissem divorciados de quem os governa, convencidos de que, uma vez depositado o voto na urna, deixam de contar na condução da política. Nessa medida, o sentido actual do voto e, no fim de contas, da própria democracia, seria aquilo a que Karl Popper chamou um «valor negativo», ou seja, apenas serve para destituir quem governa e não tanto para eleger os «nossos» governantes.

Esta sensação de esvaziamento da democracia e da política, cujas razões múltiplas não cabem aqui desenvolver, tem duas consequências directas evidentes: o aumento da abstenção, por parte daqueles que, pura e simplesmente, já «não querem saber», e o crescimento dos populismos e dos radicalismos, que exploram este descontentamento e falam directamente aos eleitores sobre as suas maiores ansiedades com soluções demagógicas e fictícias, que exploraram os temores e as inseguranças das populações.

Em vésperas das eleições para o Parlamento Europeu, após uma campanha eleitoral a todos os títulos miserável, quando é de esperar que a abstenção, em Portugal, ultrapasse os 70% e os partidos da extrema-direita anti-europeísta possam formar o maior grupo parlamentar dos 751 deputados europeus, é necessário reflectir seriamente sobre as causas que levam os cidadãos ao desinteresse e à revolta.

 

Rui Albuquerque

Professor da Universidade Lusófona do Porto