Paulo Cafôfo. Candidato PS às regionais da Madeira

Paulo Cafôfo, o independente que conquistou a Câmara do Funchal com uma coligação que juntou toda a esquerda, concorre agora à presidência do Governo Regional. A dois meses das eleições, diz não estar preocupado com ‘arranjinhos eleitorais’, mas sim em ganhar.   

Paulo Cafôfo, ex-presidente do município do Funchal, prepara-se para disputar o Governo Regional da Madeira como candidato independente do PS. Apesar de não querer filiar-se na família socialista, o professor, de 48 anos, confessa em entrevista ao SOL estar comprometido com o PS no projeto com que se propõe mudar a Madeira e libertá-la do PSD, no poder há décadas desde as primeiras eleições regionais pós-25 de Abril. Garantindo não ter ambições partidárias ou pessoais, Cafôfo caracteriza-se como um homem de causas, com pensamento próprio e disposto a dar o seu contributo  para melhorar a terra. O candidato assegura ainda que a sua carreira política não é mais que uma missão com prazo de validade. Depois, quer voltar a dar aulas. 

Começou a sua carreira política no Sindicato dos Professores da Madeira?  

Sempre estive ligado ao associativismo e à participação na sociedade civil. Na altura, demiti-me do sindicato por uma questão de princípios. Sou um homem de causas e achei que a negociação [das verbas para o financiamento de uma nova sede] não refletia uma posição correta sobre aquilo em que acreditava e que devia ser a independência do sindicato. Foi aí que integrei o Laboratório de Ideias do PS e diria que foi esse o início da minha união com os socialistas, que na altura procuravam abrir o partido à sociedade civil. 

A sua entrada no Laboratório de Ideias foi através de convite do PS?  

Fui convidado pelo PS.  Acharam que a minha intervenção e contributo podia ser útil. Acedi como normalmente faço quando acredito nos projetos.

Como correu esse primeiro contacto com o PS? 

Foi onde tive a consciência que tinha de fazer alguma coisa pela minha terra. Esta região tinha há décadas o mesmo tipo de poder. Acredito na alternância das forças democráticas. Não entendo uma realidade com uma única cor política ou que isso seja útil. A diversidade é útil, sobretudo no campo político. O tempo do partido único já lá foi. Ainda hoje, penso que o maior obstáculo que temos na região é a falta de alternância política. 

Tem havido algumas mudanças…

Temos neste momento um partido, o PSD, que está no poder sem qualquer tipo de ideias ou iniciativas. Há uma inércia muito grande, que resulta do facto de estar há tanto tempo no poder. Temos um Governo que está a trabalhar para um partido e que instrumentaliza os recursos públicos em favor desse mesmo partido. Precisamos de libertar a Madeira. 

Como passou do Laboratório de Ideias para candidato à presidência da Câmara do Funchal? 

Fui convidado pelo PS para me candidatar. O partido considerou que eu era uma pessoa de diálogo e que podia estabelecer pontes e unir os partidos. E, como não sou militante de nenhum partido, tenho a minha independência, o que também me dá o poder de fazer o projeto que idealizo para a minha terra. Mas este percurso não foi planeado. Nunca ambicionei qualquer participação política ou partidária nem nunca tive objetivos pessoais. As coisas foram surgindo naturalmente. 

Porquê o PS?

Porque me revejo nos ideais do PS. Penso que é o único partido que consegue ter a capacidade e as melhores ideias e pessoas para a alternância democrática na região.

O que o mantém independente? 

Não gosto nada da palavra ‘independente’ porque sou uma pessoa comprometida com o PS. Mas a verdade é que para ter uma participação política não preciso de estar filiado em nenhum partido. 

Hoje é a cara do PS na Madeira…

Existe uma simbiose entre mim e o PS. Mas sou uma parte. Reconheço que sou o rosto do PS, mas o partido faz-se de muitas pessoas e de muitas vontades.

Nunca pensou em filiar-se?

Nunca tive essa necessidade.

Em 2013, ganhou as autárquicas de forma histórica, retirando o PSD que estava na presidência da Câmara desde 1976. Qual foi o segredo para quebrar esse ciclo? 

Essa vontade de mudança ainda hoje existe. Há uma clara vontade de mudar e de parar de ter na região, desde o 25 de Abril, sempre o mesmo partido no poder. A verdade é que, em 2013, houve essa rutura e as pessoas perceberam que havia mais que um partido capaz. E é essa diversidade da democracia, que surgiu em 2013, que acho que será reproduzida agora nestas eleições.  

Na altura, alguns críticos disseram que a sua vitória foi por demérito do PSD, que atravessava disputas internas… 

O que sei é que, independentemente dessas disputas internas, a população votou em mim. E votou duas vezes. O que significa que por mais que tenha havido disputas internas, houve um reconhecimento e vontade de mudar.   

Qual foi a falha do PS para não ter conseguido conquistar mais espaço político na Madeira durante tantos anos? 

A Madeira teve durante vários anos o mesmo Governo suportado por um partido que teve o mesmo líder. Há ainda uma perpetuação no poder com as mesmas figuras, embora um diferente presidente. É uma máquina que inibe a iniciativa partidária e a participação cívica. 

Como assim?

Dou-lhe um exemplo. No meu primeiro mandato à frente da Câmara Municipal do Funchal, em 2014, propus e concretizei o Orçamento Participativo, para incentivar a participação cívica. Retirei dessa experiência dois factos: a participação dos meus munícipes bateu recordes nacionais; e o bloqueio do PSD, que não concordava com a iniciativa. Agora, cinco anos depois, há uma semana sensivelmente, o mesmo PSD apresenta o primeiro Orçamento Participativo para a região, apelidando-o de ‘projeto inovador’. Esta história para lhe dizer que acredito que tudo mudou em 2013. Com a vitória do PS em várias câmaras municipais assistiu-se a um certo despertar democrático do povo madeirense. Mas prefiro falar mais do futuro do que do passado. 

E como vê o futuro?

Acredito que estou na liderança de um projeto que, pela primeira vez na história da região desde o 25 de Abril, tem condições para ser poder na Madeira e concretizar a alternância partidária que é tão benéfica ao desenvolvimento. 

Quando chegou à Câmara, em 2013, criou a primeira ‘geringonça’… 

Pode dizer-se que sim. Encabecei uma coligação de vários partidos e que viria a conquistar a Câmara municipal do concelho mais populoso da Madeira. Desempenhei esse papel o melhor que soube e que as condições o permitiram. Sempre trabalhei bem com a pluralidade de opiniões. Sinto-me bem na tarefa de unir e gerar consensos. 

O que retira de positivo da experiência da coligação?

O exercício da política deve ser feito sob a intenção de construir pontes e não muros. Acredito no diálogo e que é possível haver pontos de convergência, mesmo que não estejamos de acordo em tudo. Tenho sempre uma ideia positiva das coligações e a minha experiência diz-me que é possível pormos de lado determinados objetivos pessoais e partidários e pôr o interesse público à frente.

E quais foram os pontos negativos?

Os pontos de fricção não são um problema. É natural haver divergências em qualquer área, não é exclusivo da política.

Esperava outro resultado nas eleições europeias? Como vê a vitória do PSD na Madeira?

Temos de distinguir as duas eleições. As eleições europeias tinham protagonistas diferentes das regionais, que por sua vez terão protagonistas diferentes nas legislativas. Em relação às europeias anteriores, o PS teve uma subida e o resultado de maio em nada inibe os meus objetivos e, acredito, nem as pretensões dos madeirenses e dos porto-santenses em mudar. Em mudar de políticas e protagonistas na região.  

Como surgiu a decisão de se candidatar à presidência do Governo Regional?

Não ambicionava e nem foi uma decisão do PS. A decisão surgiu da vontade das pessoas em mudar. Não posso virar a cara quando os madeirenses me pedem para avançar, nem posso deixar de estar presente quando me pedem para fazer mais pela nossa região. Mais do que qualquer questão partidária foram mesmo as pessoas o grande motivo de ter decidido renunciar o mandato da câmara do Funchal. Recordo que não suspendi o mandato, renunciei. 

O PSD diz que deixou a autarquia caótica… 

O PSD tem um medo imenso de que possa perder poder que já tem há mais de 40 anos. A verdade é que no Funchal fizemos diferente daquilo que o PSD tinha feito e é por isso que os madeirenses nos deram a maioria absoluta. Essas críticas não fazem sentido. Temos hoje uma boa governação no Funchal e o que queremos é transportar essa mesma governação para o Governo Regional e para toda a região autónoma. 

 

A sua candidatura não foi consensual, dividiu os socialistas… 

Os partidos são estruturas dinâmicas e democráticas, particularmente o PS. Houve uma disputa natural entre duas candidaturas com projetos completamente diferentes para o futuro político do partido e da região. Nesta disputa interna havia o projeto de Emanuel Câmara, que sempre disse era um projeto para ganhar a região com um candidato que seria eu. E os militantes do PS votaram maioritariamente neste projeto, que unifica. E é por essa razão que o anterior líder do partido, Carlos Pereira, que foi derrotado nas listas internas, é agora o candidato cabeça-de-lista para as eleições à Assembleia da República. Portanto, como se pode ver o PS está unido e mobilizado para uma vitória nas regionais. 

Pensa que foram as disputas internas que no passado travaram melhores resultados para o PS?  

A escolha de Carlos Pereira como cabeça-de-lista é um sinal de união. Estamos todos muito motivados, mobilizados e unidos para uma vitória na região. Temos de levar para segundo plano questões internas, disputas, por vezes pessoais, e temos de realçar aquilo que é importante para a região.   

Como é a sua relação com António Costa? Falam regularmente?  

Acima de tudo, é uma relação de candidato. 

Como vê as críticas que lhe fazem, quando o classificam como candidato telecomandado pelo PS nacional?  

Sempre pensei pela minha cabeça e nunca fui submisso a ninguém. E autonomia não pode estar submissa a ninguém, nem alguma vez estarei submisso a alguém. 

Como vê a relação de autonomia entre a Madeira e o continente?

Sou um autonomista convicto, e acredito que a autonomia foi o melhor instrumento que os madeirenses tiveram para resolver os problemas. Somos portugueses por inteiro, mas antes somos madeirenses. E é como madeirenses que temos de lutar pela nossa terra num quadro de unidade do país. Porque a autonomia não surgiu para dividir os madeirenses, como faz parecer por vezes o PSD. Nem para por madeirenses contra outros portugueses. Acredito que deve haver uma autonomia de responsabilidade, mas acima de tudo uma autonomia de resultados. 

Mas essa autonomia abre a porta a leis diferentes no mesmo país e que podem vir a discriminar, de forma positiva ou negativa os madeirenses. É o caso dos professores que na Madeira vão ter todo o tempo de serviço reconhecido e no continente não. Sendo professor, como viu esta posição do PS? 

É meu entendimento que os professores têm de ser valorizados. Sempre fui muito claro em relação a este assunto. Não podem haver barreiras para a progressão dos docentes, desde que tenham um bom desempenho e mérito naquilo que fazem. Caso seja eleito, vamos cumprir aquilo que é a progressão na carreira, a eliminação das quotas e para a avaliação do ‘muito bom’ e do ‘excelente’, mas também uma coisa que aqui na Madeira o Governo Regional suspendeu, que foi a aceleração da carreira por bonificação. Ou seja, se um professor tirar um mestrado ou doutoramento, esse investimento deve ser valorizado na progressão. É para estes casos que serve a autonomia.Para mim, a Educação é uma área crucial e caso venha a ser eleito merecerá uma especial atenção.   

Disse há pouco ter uma experiência positiva da coligação na Câmara. Caso não consiga subir os resultados admite formar uma coligação para governar?  

Não sei se vai haver maiorias absolutas ou relativas, e nem estou preocupado com isso. A minha coligação é com o povo. Estou concentrado em apresentar as melhores propostas para os problemas de sempre com quadros de pessoas que me garantem a competência para poder resolve-los. Não estou preocupado com arranjinhos eleitorais ou eleitoralistas. Não me preocupo com coligações, preocupo-me com ganhar as eleições.

Segundo as últimas sondagens, o PSD e PS estão separados apenas por 1,4%, mas a esquerda unida (PS, BE e CDU) obtém uma maioria de votos e mandatos. Se este cenário se confirmar já põe a hipótese de formar uma ‘geringonça’?

Como disse, estou completamente focado em ganhar as eleições. Este é um momento histórico, uma oportunidade única e cumpre a todos os madeirenses contribuir para que haja alternância no Governo. No tempo certo iremos fazer o que se faz em democracia: dialogar com respeito e sentido de responsabilidade, verificando qualquer necessidade de entendimento. Até lá, avançamos empenhados na vitória.

O Aliança de Santana Lopes já se mostrou disponível para se sentar à mesa e discutir uma possível coligação com o PSD. Isso pode afetar os resultados?  

Não me preocupo com alianças nem partidos que querem fazer acordos com o PSD. Como já disse, estou focado no meu projeto, no contacto direto com as pessoas e a preparar-me para ser presidente do Governo Regional. As estratégias dos outros partidos, ficam para os outros partidos. 

Diz que não vem para fazer igual, o que vem fazer de diferente e qual é a sua prioridade?  

Temos problemas que a autonomia não tem servido para resolver, mas sim para agravar. Um dos grandes problemas é claramente a Saúde. As listas de espera para cirurgias e para consultas, em vez de estarem a diminuir estão a aumentar. O problema agravou-se nesta legislatura. E esta é a grande prioridade que tenho. 

Como vai fazer para reduzir as listas de espera?

A minha estratégia é garantir o acesso universal à Saúde. Temos 22 mil pessoas à espera de uma cirurgia e, por exemplo, no Funchal, só 47% da população tem médico de família. Temos de resolver este problema e reconquistar a confiança. Neste momento não há confiança no SNS. Temos profissionais de saúde extraordinários mas, o modelo e a forma como o sistema está organizado não garante confiança às pessoas. Queremos também acabar com o subfinanciamento que existe do SNS.  

Está em linha com o PS nacional, que já assumiu que a Saúde é a ‘jóia da coroa’ para a próxima legislatura… 

É a grande prioridade. Não podemos brincar com a Saúde, e neste caso, com a dos madeirenses que se agrava pelo facto de estarmos numa zona insular. Quero que esta seja a grande prioridade do meu mandato. Acabar com as listas de espera, com a falta de médicos, com a falta de cuidados de saúde que existem. O Governo Regional tem sido negligente na Saúde e quero acabar com esta negligência política.  

Quer construir um novo hospital na Madeira?  

A Madeira precisa de um novo hospital. Temos tido a solidariedade do Governo da República para comparticipar em 50% do financiamento do novo hospital da Madeira. Este novo hospital é sem duvida essencial, mas não resolve todos os problemas na Sáude na Madeira. É preciso reorganizar o SNS, dotá-lo de mais recursos humanos.  

Mas houve um Conselho de Ministros que discutiu o financiamento apenas de 13% para o novo hospital… 

Isso não é verdade. A República comprometeu-se a comparticipar em 50% do financiamento do novo hospital. O Governo Regional não está a propagar a verdade. Ainda não estão concluídas as expropriações para os terrenos onde será construído o novo hospital e nem ainda está concluído o concurso público para adjudicar as empresas que poderão edificar esta nova unidade. 

Que atenção vai dar ao turismo? 

Em termos de turismo, a Madeira tem estado a dormir à sombra da bananeira. A região tem um potencial turístico enorme, mas precisamos de fazer chegar mais aviões e de ter mais oferta hoteleira. A região deve ter incentivos do Turismo Portugal e da ANA, para que outras companhias aéreas possam viajar diretamente para a região. Proponho a criação de novas rotas e a promoção é outra matéria a tratar. Os Açores investem muito mais na promoção do que a Madeira. 

E para os transportes? 

Quero apostar nas ligações marítimas. Sou um defensor que deveria haver uma ligação marítima todo o ano via ferry com o Continente, havendo uma comparticipação do Estado para suportar uma parte dos custos destas viagens. E além de Portimão, o ferry tem de ir até Lisboa, porque é aí que está o maior movimento de passageiros. Aliás, considero que uma economia mais virada para o mar pode ser um fator de aceleramento do desenvolvimento da região. Falo numa aposta, por exemplo, nas energias oceânicas ou nas várias áreas ligadas ao shipping.  

 

O Governo tem criticado a TAP pelos preços praticados para as viagens entre a Madeira e o Continente. Partilha dessas críticas?  

A questão da mobilidade e dos transportes aéreos não pode ser reduzida à TAP. A TAP é mais um dos operadores das companhias que está nesta rota. 

Foi constituído arguido pelo acidente da árvore que caiu. Como está esse processo?  

É um acidente que ainda está presente na minha memória pela desgraça que foi, pelas vítimas que causou, pela dor e sofrimento a que assisti naquele dia. Nada se alterou relativamente à minha situação em termos judiciais. Houve uma manchete que afirmava que voltei a ser arguido, mas não corresponde à verdade. O MP arquivou o processo de investigação sobre a minha pessoa e não houve acusação. O processo continua na instrução, mas não voltei a ser arguido.  

Se perder as eleições, vai cumprir o mandato como deputado? 

Não ponho essa hipótese porque sei que vou ganhar as eleições.  

Está no seu horizonte vir a ser deputado na Assembleia da República ou até vir a ser ministro?  

Não tenho ambição política. O meu único objetivo é completar esta missão de serviço público a que me propus. Não tenho qualquer plano ou objetivo pessoal, nem quero uma carreira política. Sou professor de profissão. Embarquei neste projeto político para a região mas tenho esta liberdade de ter uma carreira. 

Admite voltar a dar aulas?  

Com certeza. É o que gosto de fazer, foi o que escolhi. A minha carreira é a docente. E quando sair da política será nessa carreira que voltarei a avançar. Vejo a política como uma missão, como um serviço público, na qual procuro dar o meu contributo. 

Se ganhar as eleições e vier a governar, que legado quer deixar?  

Quero deixar um legado de proximidade. Ou seja, de um Governo que não exclui, que não persegue, que não chantageia. Um Governo que dá igual oportunidade a todos. Quero que a Madeira seja uma terra de liberdade, onde todos têm oportunidade.