Ir para a escola é como ir para a guerra

Que deserto emocional é este em que a humilhação de um colega é motivo de aplausos?

É natural termos receio da mudança, por não sabermos o que aí vem, pelo desconhecido que se avizinha e adivinha, pela incerteza. E se nos adultos a mudança pode trazer ansiedade, nos mais pequenos não é diferente, sobretudo quando já têm consciência do que essas mudanças podem implicar e ao mesmo tempo mantêm alguma ingenuidade que os pode levar a imaginar os cenários mais improváveis.

Uma das grandes mudanças ocorre na transição do primeiro para o segundo ciclo, principalmente quando é acompanhada por uma mudança de escola. Se antigamente neste período os receios que se nos acometiam estavam sobretudo relacionados com um espaço novo, uma nova forma de ensino, novos professores, o medo de estar sozinho, de não conseguir fazer amigos, hoje quem entra no 2.º ciclo junta a todos os outros receios, e acima de todos os outros, o medo de ser vítima de bullying.

Ainda no 4.º ano, professores e técnicos começam a prepará-los para o que poderão encontrar na escola dos mais velhos e o que ouvem é atemorizante: há jovens que levam facas para a escola, há assaltos, violência, humilhações, perseguições. Se esta passagem para uma nova fase devia ser, apesar dos receios, uma conquista do crescimento e uma etapa entusiasmante, torna-se, naturalmente, num caminho assustador, a não ser que se esteja devidamente artilhado. Já assisti a crianças de nove e 10 anos a combinar levar para a escola nova tesouras, facas e canivetes para o caso de serem ameaçadas.

A violência não pode ser travada com violência ou teremos verdadeiras chacinas nas escolas e estaremos a permitir que os jovens cresçam com valores totalmente errados. A par desta preocupação em alertar os mais novos para o que os pode esperar, não pode deixar de haver uma prevenção para que não sejam eles amanhã os agressores, se é que não o são já. A batalha contra o bullying tem de ser acérrima e não deve passar só (mas também) pelo aumento da vigilância ou pela proibição dos telemóveis nas escolas. Tem de haver uma mudança interna, um investimento no trabalho das emoções dos jovens desde cedo, tanto em casa como nas escolas. A proximidade entre pais, professores e crianças, o diálogo, a inclusão, a promoção e valorização das relações entre pares, a transmissão de valores como o respeito pelo outro, a amizade ou a partilha são mais importantes do que os conteúdos escolares e têm de ser trabalhados diariamente.

Temos de parar para pensar e perceber o que se está a passar com os nossos jovens. Que inseguranças, fragilidades, dificuldades e necessidade de afirmação os levam a fazer mal aos outros. Que deserto emocional é este em que não se compadecem dos colegas. Que valores são estes em que a humilhação é motivo de aplausos sem que haja alguém com coragem de a travar. É verdade que sempre houve desacatos, mas nunca com estas proporções doentias e com estas consequências gravíssimas, gritantes ou silenciosas. Não podemos simplesmente assumir que é uma mal da sociedade moderna. É uma vergonha e temos de fazer tudo para a travar imediatamente, como se combatêssemos uma epidemia.