A infantilização dos adultos

O fenómeno de infantilização dos adultos, não sendo novo, acelerou-se muito ultimamente. Com a vulgarização das bicicletas eléctricas, dos segways, das trotinetas com e sem motor, dos skates, etc. Cada vez mais adultos se divertem como crianças em cima destas geringonças.

No passeio Marítimo de Algés, onde às vezes vou andar a pé, vi um destes dias um homem dos seus 40 anos, acompanhado pela mulher ou namorada, transportando nas mãos um skate. Ainda olhei à volta para ver se vinha com eles alguma criança, mas não: o skate era mesmo dele. E perguntei-me: para quê? O homem vem passear com a namorada, que vai a pé, para que quer ele o skate? Andará uns bocadinhos de skate e ficará à espera dela? Ou andará aos círculos à volta dela, onde houver espaço para o fazer? Não sei qual era a ideia. Em qualquer dos casos, tratar-se-ia de um comportamento adolescente, que se diria reservado a menores de 16 anos.

Os adultos estão num processo de infantilização. Os carros, para muita gente, são hoje brinquedos grandes. Os donos usam-nos para corridas ou passam horas ao fim de semana a lavarem-nos e escovarem-nos como se fossem bibelots. E cada vez os automóveis têm mais botões, mais ‘valências’, vidros e capotas que se abrem sozinhos, extras desnecessários, acessórios dispensáveis.

E que dizer das motos, onde os condutores fazem cavalinhos, se lançam a alta velocidade e se matam todos os dias? Para muitos motards, as motos são também objectos de brincar –basta ver as concentrações que a toda a hora têm lugar e as diversões patetas a que os homens (e as mulheres) se dedicam.

O fenómeno de infantilização dos adultos, não sendo novo, acelerou-se muito ultimamente com a vulgarização das bicicletas eléctricas, dos segways, das trotinetas com e sem motor, dos skates, etc. Cada vez mais adultos se divertem como crianças em cima destas geringonças.

E depois há os jogos. Antigamente as senhoras ‘bem’ que não trabalhavam jogavam a canasta à hora do chá e os reformados juntavam-se nos jardins a jogar à sueca. Mas isso eram fenómenos de socialização. Pretextos para estarem juntos. Para trocar conversas. Mas agora, nos telemóveis, os adultos têm jogos solitários, eles sozinhos contra a máquina, e jogam a todas as horas: no carro, no meio do trânsito, no emprego, à mesa do restaurante.

Em toda a parte vemos gente de olhos pregados nos pequenos ecrãs. Se não estão a falar ao telefone ou a trocar mensagens no Whatsapp, estão a jogar. E as conversas são básicas, sem interesse nenhum, roçam quase sempre a indigência mental, promovem a estupidificação. O telemóvel absorve a vida das pessoas e no fim não fica nada.

Curiosamente, enquanto isto acontece, enquanto os adultos se infantilizam, nas brincadeiras destinadas às crianças passa-se o contrário. Nos jogos ou nos filmes infantis assistimos a coisas horríveis. Monstros medonhos, disformes, figuras de pesadelo, cabeças cortadas, sangue a esguichar. E as crianças ficam fascinadas a ver essas cenas, já não gostam da Branca de Neve ou do Capuchinho Vermelho, apesar de esta incluir o lobo mau.

E querem sempre mais. Querem mais agitação, mais movimento, mais violência. E na internet as crianças têm acesso a tudo, desde sexo hardcore a youtubers a fazer os maiores disparates. E os meninos passam horas a ver aqueles imbecis, apostados às vezes em cenas arriscadas. Nos últimos dias morreram dois youtubers quando gravavam cenas para porem online e mostrarem as peripécias aos jovens seguidores.

Vivemos já no tempo do absurdo, onde tudo está virado de pernas para o ar. A roupa compra-se rota, as tatuagens cobrem o corpo todo, cravam-se argolas na lingua e na bochecha, homens e mulheres trocam de sexo, infatilizam-se os adultos, os temas dos adultos são servidos às crianças. Alguém pensa que daqui poderá sair algo de bom?

Como serão estas crianças no futuro? E como serão em velhos estes adultos infantilizados? 

Mas parece já não haver nada capaz de parar esta loucura. Ou porque as pessoas, mesmo que a estranhem, se deixam tomar por ela e entram na dança, ou porque evitam criticá-la, com receio de serem tomadas por botas-de-elástico.

E assim, todos os dias, a sociedade vai deslizando um pouco mais para baixo. De skate, segway ou trotineta.