Encontro secreto em Fátima

Forças de segurança estão em alerta com evento «histórico», que começou na quinta-feira em Fátima. Primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán e chefe de gabinete de Donald Trump estão entre os participantes da conferência para políticos à porta fechada.   

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e o chefe de gabinete de Donald Trump, Mick Mulvaney, estão em Portugal para participarem numa conferência organizada pela International Catholic Legislators Network (ICLN), organismo fundado em 2010 para promover os valores cristãos na política e dar «formação regular a políticos católicos e outros cristãos no ativo», lê-se no site da ICLN.

Fátima foi o local escolhido para o encontro, preparado em sigilo nos últimos meses e sem qualquer divulgação a nível nacional. O SOL sabe que o Hotel Consolata, a 70 metros do santuário, foi reservado para receber os participantes. As forças de segurança estão em alerta. A GNR implementou um musculado dispositivo quer em torno do hotel, onde decorrem também os trabalhos, quer nas imediações do santuário.

Ao todo estão no terreno duas centenas de militares de diversas valências, investigação criminal, operações especiais e inativação de explosivos, entre outras. Foram posicionados contra-atiradores e as brigadas contam com apoio cinotécnico, numa operação custeada pelo Estado português. Além do dispositivo montado para o encontro, forças de segurança reforçaram as operações de vigilância em todo o país.

Programa desconhecido

Pouco se sabe sobre a iniciativa que traz a Portugal políticos e líderes religiosos de vários países, que mais parece um clube de Bilderberg para cristãos. A única informação pública disponível é um vídeo divulgado em fevereiro pelo organismo, em que se promove um «evento histórico» num dos «santuários marianos mais importantes», com políticos cristãos e líderes religiosos de todo o mundo, uma experiência «life-changing». De resto, o programa não é conhecido e a ICLN não respondeu às questões enviadas durante esta semana.

O SOL apurou que o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán chegou esta quinta-feira ao país e o chefe de gabinete de Trump, Mick Mulvaney, aterrou ontem em território nacional, deslocando-se então para Fátima. A chegada de Mulvaney aumentou as movimentações. Um casal chinês foi intercetado quando tentou entrar no hotel e houve registo de protestos contra o apoio dos EUA às manifestações em Hong Kong. O SOL apurou ainda que o programa incluirá momentos de reunião mas também de oração, nomeadamente junto à Capelinha das Aparições.

Uma nota publicada nos últimos dias na imprensa alemã revela que o arcebispo de Viena Christoph Schönborn, um dos fundadores da ICLN, é outras figuras presentes, assim como os patriarcas da igreja ortodoxa e da igreja católica na Síria, Ignatius Aphrem II e Yousef III Younan.

Francisco deixou recados no encontro do ano passado

Esta é a 10.ª conferência anual organizada por este organismo. No ano passado, em Roma, a iniciativa culminou numa audiência com o Papa Francisco, que advertiu os participantes de que os políticos cristãos são chamados a dar testemunho e que os fundamentalismos e intolerância não se combatem com mais fundamentalismos e intolerância. «Longe de se sentir ou parecer um herói ou uma vítima, o político cristão é chamado, em primeiro lugar, como todos os batizados, a ser testemunha – através da humildade e coragem – e a propor leis consistentes baseadas na visão cristã da humanidade e da sociedade, sempre buscando a colaboração com todos aqueles que compartilham essas visões». 

Uma mensagem que contrasta com as decisões do líder autoritário do Governo húngaro, que defende uma Europa católica e recusa dar a mão a minorias. «Nunca permitiremos que a Hungria se torne um país alvo para os imigrantes. Não queremos ver minorias com um tamanho significativo com características culturais e origens diferentes entre nós. Queremos manter a Hungria como a Hungria», defendeu publicamente. Em julho, a Comissão Europeia anunciou uma queixa junto do Tribunal Europeu da Justiça contra a Hungria pela legislação que restringe a entrada de migrantes no país e criminaliza o auxílio a refugiados.

Também as políticas migratórias de Trump têm estado debaixo de crítica internacional e o Papa Francisco foi direto numa mensagem que dirigiu ao Presidente norte-americano em março deste ano. «Quem constrói muros acaba prisioneiro deles». Já em Fátima, em 2017, dias antes de se reunir pela primeira vez com Donald Trump e quando a construção de um muro na fronteira entre os EUA e o México era já uma das bandeiras mais controversas da administração norte-americana, Francisco deixara a ideia numa das suas orações no santuário: «Seremos peregrinos de todos os caminhos, derrubaremos todos os muros e venceremos todas as fronteiras».

Tanto Orbán como Mulvaney são de direita radical apesar de no seu site a ICLN se apresentar como uma iniciativa independente e não partidária. Schönborn, rosto desta organização, é visto como uma figura mais moderada. Este ano a Áustria legalizou os casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo e embora tenha defendido uma maior distinção destas uniões face ao matrimónio católico, o arcebispo mostrou-se a favor das uniões gay e tem mostrado abertura em relação à presença da comunidade LGBT na igreja. Schönborn é também um homem próximo de Ratzinger, que escreveu por diversas vezes sobre fé e política, assinando em 2002 uma nota doutrinal sobre a participação dos católicos na vida política.