Incentivos não chegam para atrair médicos

No último concurso de colocação de médicos de família foram definidas 50 vagas com direito a incentivos em zonas com mais falta de recursos. 23 ficaram por ocupar.  

Incentivos não chegam para atrair médicos

Há 305 novos médicos de família a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde, mas alguns dos centros de saúde em zonas mais desfalcadas continuaram sem conseguir fixar clínicos. Segundo informação disponibilizada ao SOL pelas diferentes Administrações Regionais de Saúde, no último concurso para colocação de recém-especialistas (destinado ao contingente de médicos que terminou a especialidade em março) ficaram por preencher 23 das 50 vagas reconhecidas como estando em zonas carenciadas, áreas para as quais existe desde 2015 um pacote de incentivos para atrair clínicos. 

Para Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, o cenário tenderá a complicar-se se não forem equacionados planos de intervenção local e «medidas mais dirigidas» a cada uma das realidades. Numa altura em que o número de portugueses sem médico de família atribuído é o mais baixo de sempre (625 mil), mas o Governo já assumiu que não será cumprida a meta de garantir médico a todos esta legislatura, o risco é continuarem a persistir no futuro «bolsas de utentes sem médico», alertou ao SOL o médico. 

Segundo dados disponibilizados pelas ARS, a região do Alentejo é a que neste momento tem mais dificuldade em atrair médicos: ao todo abriram 42 vagas e só dez foram ocupadas. Onze centros de saúde foram considerados em zonas carenciadas  e podiam recrutar 16 médicos com direito a atribuição de incentivos, mas só três lugares foram ocupados. Odemira, Marvão, Mora e Ponte de Sor/Montargil estão entre as localidades que não conseguiram atrair clínicos. 
Na região de Lisboa e Vale do Tejo entraram no total 160 médicos e ficaram por preencher 49 vagas.  Foram ocupadas 12 das 18 vagas em zonas carenciadas, com vagas por preencher em Baixa da Banheira ou Benavente, entre outras. 

No Algarve foram ocupadas 20 das 32 vagas abertas, sendo que ficaram por preencher quatro de nove vagas em zonas carenciadas, com nenhum médico interessado em ir trabalhar para Vila do Bispo ou Aljezur.  Na região Norte, onde a cobertura de médicos de família é quase total, não houve zonas consideradas carenciadas nos cuidados primários, apenas a nível hospitalar. Mesmo sem incentivos, as 61 vagas abertas foram todas preenchidas. Já na ARS do Centro também foram preenchidos todos os 54 lugares abertos nos centros de saúde, sendo que dois eram em zonas carenciadas.

‘Sem condições de exercício não há incentivos que valham’

Os incentivos para fixar médicos em zonas carenciada foram lançados em 2015 e foram reforçados pelo atual Governo. Refletem-se num aumento de 40% na remuneração base (calculado a partir da primeira posição remuneratória da carreira médica), o que significa mais 36 mil euros brutos ao fim de três anos de contrato, e outros benefícios como mais dois dias de férias por ano e ajudas na despesa na mudança na família e transferência escolar dos filhos. Para Rui Nogueira, a experiência tem demonstrado que são insuficientes para atrair jovens médicos, sobretudo quando os concursos são nacionais e acaba por haver vagas em zonas mais atrativas, dado que é preciso substituir os médicos que se reformam ao mesmo tempo que se tenta reforçar a resposta para garantir médico a todos os portugueses.

«As condições de remuneração são importantes, mas percebemos que muitas vezes a opção dos colegas tem a ver sobretudo com as condições de exercício e a possibilidade de integrar uma equipa. Se não houver uma melhoria nas condições de exercício não há incentivos financeiros que nos valham», diz ao SOL o médico, que defende que o que se está a passar no Alentejo deveria merecer atenção especial da tutela. «Apesar de os números serem mais pequenos, é a única região onde não se está a conseguir substituir os médicos que saem para a aposentação».  

Segundo os dados disponíveis no portal do SNS, confirma-se que tem estado a aumentar gradualmente o número de utentes sem médico na região desde 2017, em contraciclo com o resto do país. Apesar de já terem sido mais no passado e de hoje representarem apenas 5,8%, em agosto havia 28 948 utentes sem médico no Alentejo quando no final do ano passado eram 21 mil. 

Com uma previsão do aumento do número de reformas nos próximos dois anos, o cenário poderá agravar-se, admite Rui Nogueira, e será um desafio ao objetivo de garantir a cobertura total de médico de família. «Precisamos de planos integrados. Muitas vezes os jovens médicos chegam a um centro de saúde e ficam assoberbados pela falta de condições e o número de utentes sem médico, populações pobres e envelhecidas, quando devia ser analisado antes se são necessários mais enfermeiros, assistentes sociais, mais respostas na comunidade, capacidade para fazer domicílios», diz o médico. No fundo, criar um ambiente que permitisse constituir equipas e depois recrutar as pessoas necessárias , continua Rui Nogueira, admitindo que atualmente alguns lugares acabam por ser ocupados apenas temporariamente até os médicos conseguirem mudar para outro ponto do país, um levantamento que fica por fazer. 

A forma como está desenhada a reforma dos cuidados de saúde primários, em curso desde 2007, é outro aspeto a ter em conta: a constituição das Unidades de Saúde Familiar  (USF) implica recursos humanos disponíveis para constituir equipas e apresentar a respetiva candidatura, um cenário que se torna mais difícil nas regiões com mais lacunas. E assimetria de condições é grande. Nas USF, há novos métodos de trabalho e incentivos ao desempenho, não existem utentes sem médico atribuído e há mais condições para um acompanhamento dos agregados familiares, além de incentivos institucionais e, no caso do modelo B, aos próprios profissionais, que contribuem para uma melhoria contínua das condições de trabalho.

Rui Nogueira admite que atualmente seria necessário um plano para as cerca de 30 unidades onde há mais falta de médicos, sendo que a região de Lisboa, em particular Sintra, é a mais deficitária. Se são precisas novas medidas, destaca uma iniciativa pela positiva. Em agosto, a ARS de Lisboa e Vale do Tejo anunciou um protocolo com o Instituto Gama Pinto para iniciar consultas de oftalmologia nos cuidados primários e o Agrupamento de Centros de Saúde de Sintra – onde um quinto dos utentes não tem médico de família – vai ser pioneiro nesta resposta. Para o médico, esta forma de "discriminação positiva" das zonas mais carenciadas de médicos acaba por ajudar a melhorar a resposta aos utentes e, ao mesmo tempo, motivar as próprias equipas que trabalham nestes locais.