«Os lugares mais obscuros do inferno estão reservados para aqueles que se mantém neutrais em tempos de crise moral».
Dante Alighieri
As próximas eleições legislativas vão disputar-se num clima de apatia e desinteresse cívico.
Independentemente de quem as venha a ganhar, com maioria simples ou absoluta, a legitimidade formal estará garantida (já há quem aponte para um score de apenas 39% para se atingir a almejada maioria política) mas não nos pode impedir de proceder a um rigoroso exame sobre como a política, em geral, e a politica partidária, em especial, tem sido desenvolvidas nos últimos anos.
Nas eleições legislativas de 2015, o índice de participação fixou-se nos 55 % (a abstenção foi de 44,14%) e desde 2009 a taxa de abstenção tem sido sempre superior a 40%.
Se recordarmos que, nas eleições legislativas de 1980, os abstencionistas representaram, apenas, 16,06% dos potenciais eleitores, temos a medida preocupante da degradação que tem ocorrido na vida pública em Portugal.
Poderá dizer-se que este é um fenómeno presente nas democracias liberais, permanentemente acossadas por movimentos populistas de esquerda e direita, (ou seja por todos aqueles que sendo capazes de ‘colocar as perguntas certas’ só estão disponíveis para formular ‘respostas erradas e perigosas’), mas tal não é verdade, como ficou claro, com a participação crescente de eleitores, nas recentes eleições europeias na maioria dos países da UE.
Sejamos realistas, temos um problema, e esse problema, resulta, em boa medida, da indesmentível crise moral que começa a aprisionar a nossa sociedade.
De resto, e levando apenas a sério o que extravasa dos burlescos novos batismos ideológicos, das promessas sem nexo e responsabilidade e dos temas fraturantes dos nossos populistas de serviço (o BE e o PAN) só existem, verdadeiramente quatro temas nesta campanha: a possibilidade de uma maioria absoluta (ameaças ou oportunidades, conforme o ângulo de análise) a carga e pressão fiscais que bate todos os recordes (com gestão de danos, no mínimo criativa, por Mário Centeno), a crise que aí ‘vêm’ sobretudo porque a Alemanha se deu ao desplante de se permitir, sem aviso prévio, entrar em recessão técnica (arma de arremesso para cada um defender a sua dama) e a necessidade de mudar o sistema político, como panaceia de todos os males do regime e da sociedade.
No sendo perfeito, o nosso sistema político tem sido capaz de responder bem em diferentes cenários e conjeturas, não sendo pois, na natureza do sistema e nas suas regras, que reside a solução para as nossas frustrações.
Neste domínio, algumas propostas que tem sido discutidas no espaço público, desde que o atual líder da oposição as formulou com uma pertinácia significativa e duradoura, seriam, se concretizadas, verdadeiras armas de arremesso contra o regime democrático, a representação parlamentar e a defesa das minorias.
Há, seguramente, muita coisa a melhorar mas já parece estranho que essas propostas de melhoria surjam em clima eleitoral, desconexadas e pouco escrutinadas por uma parte da comunicação social, que olha para a árvore e esquece a floresta.
É urgente rever o regime dos partidos políticos ou, pelo menos, aplicar rigorosamente a lei em vigor; é oportuno reformular os círculos eleitorais para lá do desenho ultrapassado dos distritos, sem prejudicar a representatividade das minorias; é preciso discutir o voto obrigatório, agilizar as formas de votação e, em especial, reconhecer a importância do voto preferencial; e é correto reconhecer que, hoje, não tem sentido manter o monopólio dos partidos, impedindo a candidaturas de cidadãos independentes a representação parlamentar.
Mas todos essas aspetos, sendo melhorias, não vão resolver o problema essencial que exige uma maior transparência pública, um rigoroso escrutínio de promessas feitas e não cumpridas, uma exigência crescente sobre a competência e o caráter de todos os agentes políticos, a melhoria dos serviços públicos, a aplicação de uma justiça rápida, enfim, o aproveitamento de todos os escassos recursos existentes ao serviço de todos os cidadãos.
A crise não é do sistema, é moral, e permanecer em silêncio perante ela é puro oportunismo e cobardia.
As eleições não são uma festa para onde se vai descontraído e para passar o tempo; são um ato cívico de escolha e responsabilidade que não pode ficar à mercê só de alguns.
P.S. – Uma nota final, para saudar e apoiar a escolha e nomeação de Elisa Ferreira para a Comissão Europeia. A sua competência, experiência e personalidade mereciam um portfolio melhor.