O encanto irresistível dos comboios

O comboio é, de todos os meios de transporte, aquele que mais se aproxima de um brinquedo e talvez por isso seja tão apreciado pelas crianças, pelos ingénuos, pelos românticos e pelos loucos.

Na estante da literatura de viagens lá de casa há uma micro-secção dedicada aos comboios. Paul Theroux, o autor de O Grande Bazar Ferroviário, ocupa um lugar de destaque; está lá também O Demónio do Movimento, de Stefan Grabinsky, uma coletânea de contos «passados nas grandes locomotivas que atravessavam a Europa em inícios do século XX»; e ainda Lenine no Comboio, de Catherine Merridale, sobre a viagem que trouxe o líder bolchevique do exílio na Suíça para fazer a revolução; e mais dois ou três volumes ilustrados sobre as grandes linhas de caminho-de-ferro ou a evolução das locomotivas e carruagens.

O comboio é, de todos os meios de transporte, aquele que mais se aproxima de um brinquedo e talvez por isso seja tão apreciado pelas crianças, pelos ingénuos, pelos românticos e pelos loucos.

Embora não me reveja em qualquer dessas categorias, também eu tenho por eles um fascínio irremediável. Por isso, quando há dias me deparei numa livraria com este A Short History of Trains, de Christian Wolmar, não resisti, trazendo-o de imediato para reforçar a dita subsecção da literatura de viagens.

Embora hoje os associemos sobretudo à segurança e ao conforto, a introdução dos caminhos de ferro não é concebível sem uma grande dose de sacrifício dos ‘pioneiros’ que montaram as primeiras linhas. «Para serem navvies [como chamavam aos construtores em Inglaterra] tinham de trabalhar em todas as tarefas mais árduas, como fazer túneis, escavar, dinamitar, e não simplesmente atirar pazadas de terra; tinham de viver com os outros navvies e seguir a linha de caminho de ferro à medida que os estaleiros avançavam; e tinham de acompanhar os hábitos de comida e de bebida dos seus companheiros – consumindo perto de um quilo de carne de vaca e de 4,5 litros de cerveja por dia».

Embora longe de semelhante dureza, a experiência de viagem dos passageiros também não era propriamente agradável. Nos primórdios, havia bilhetes mais baratos em carruagens sem assentos, apenas com um ralo ao meio para escoamento. No inverno, os passageiros chegavam ao destino transidos de frio; no verão, tinham de decidir muito bem se queriam ou não abrir as janelas para arejar o ambiente, pois arriscavam-se a que entrassem fagulhas do carvão que lhes deixavam as roupas todas esburacadas.

Mas havia uma exceção: a aristocracia, que podia continuar a viajar em grande estilo. «Chegavam à estação na sua carruagem puxada por cavalos, que era içada para um vagão plano e fixada com correntes […]. As classes mais altas podiam assim evitar sujar os seus vestidos e pantalonas ao sentar-se em almofadas usadas pelas massas, embora não pudessem escapar ao fumo e à fuligem que nos primórdios envolviam todos os viajantes.