Na noite eleitoral, dezenas de comentadores nos vários canais de TV desdobraram-se em esforços para explicar os resultados; mas o que se passou é muito simples e explicável em meia de dúzia de linhas e duas ideias-chave.
Primeira ideia: António Costa tinha a vitória garantida à partida, pois todos os primeiros-ministros em funções que se recandidataram venceram as eleições.
Todos – até Passos Coelho, depois de ter sido tão vilipendiado.
Sócrates e Santana Lopes perderam, mas esses já não eram primeiros-ministros quando as eleições se realizaram: o primeiro tinha-se demitido e o segundo tinha sido demitido.
Costa ganhou, portanto, porque não podia deixar de ganhar.
E perante isso, até se pode dizer que 36,6% foi um resultado fraquinho.
A segunda ideia a reter é que não faz sentido analisar os resultados numa lógica direita-esquerda, como muitos fizeram.
Quando Cavaco ganhou em 1987 e 91 com mais de 50% dos votos o país era de direita – e agora é de esquerda?
Não.
Boa parte dos resultados eleitorais depende dos líderes.
Assim, para lá da regra de que todos os primeiros-ministros em funções ganham, há uma segunda regra: os eleitores votam em pessoas e não em programas.
É isso que explica as maiorias absolutas de Sá Carneiro, Cavaco, Sócrates e Passos Coelho: eram os que transmitiam maior capacidade de liderança.
E daqui seguimos para um outro patamar de análise.
À partida para a campanha, quais eram as grandes dúvidas?
Se o PS teria ou não maioria absoluta e se Rui Rio ficaria abaixo dos 25%.
Ora, nenhuma destas hipóteses se verificou.
O PS ficou muito longe da maioria e Rui Rio subiu bem acima dos 25%.
E porquê?
Porque Costa fez uma péssima campanha e Rio fez uma campanha excelente.
Foi o tal ‘fator humano’ a funcionar.
Se Costa tivesse feito a campanha que Rio fez, e Rio tivesse feito a campanha que Costa fez, o PS teria ganho com maioria absoluta e o PSD teria registado uma hecatombe.
Falando ainda da campanha, o episódio da discussão de Costa com o ‘idoso’ foi confrangedor.
Não lembra ao careca um primeiro-ministro pôr-se a discutir com um popular numa arruada.
E não interessa se o idoso era do PS, do CDS ou não tinha partido: qualquer pessoa tem direito a interpelar um político naquelas circunstâncias.
Acontece que Costa, depois de o ouvir dizer que estava de férias enquanto as pessoas morriam em Pedrógão, perdeu as estribeiras e começou a gritar: «É mentira! É mentira!»; e fez menção de avançar para o homem, talvez para o agarrar pelos colarinhos.
Ora, por que reagiu assim?
Por que se enervou tanto?
Porque o homem lhe tocou no ponto fraco.
É verdade que Costa estava em Portugal quando foram os incêndios de Pedrógão, deslocou-se lá e apareceu – mas fê-lo fugazmente.
Quem fez as despesas do Governo foi um secretário de Estado que chorou nos ombros de Marcelo; e o próprio Marcelo deu o corpo ao manifesto, andando por toda a parte a visitar as áreas ardidas e a consolar as pessoas.
António Costa tinha já férias marcadas e não as desmarcou.
Portanto, a afirmação do homem, não sendo rigorosa, tinha um fundo de verdade.
E a indignação de António Costa deveu-se sobretudo ao facto de não ter nesta questão a consciência tranquila.
É um assunto mal arrumado na sua cabeça.
Também por isso se sentiu na necessidade de dar depois uma explicação pública sobre o ocorrido – embora a emenda tenha acabado por ser pior do que o soneto.
Nestas eleições só houve uma verdadeira surpresa (que as sondagens, aliás, anunciavam): o péssimo resultado do CDS.
Assunção Cristas foi a voz da oposição nos últimos quatro anos, fez uma boa campanha, esforçada, aqui e ali com algum brilho – mas não ganhou nada com isso.
Penso que foi vítima do voto útil: uma pessoa votava no CDS para quê?
Se queria combater o Governo, votava no PSD; se queria um voto mais ‘específico’, votava na Iniciativa Liberal ou no Chega.
De resto, foi este o problema de Santana: com medo de atacar o politicamente correto, viu André Ventura ultrapassá-lo pela direita.
Quanto ao Livre, distinguiu-se pela cor da pele da candidata e sobretudo pela sua extrema gaguez – que é constrangedora para a própria, sendo duvidoso que o partido a devesse sujeitar a tão grande exposição; pareceu-me um oportunismo que não abona nada a favor da direção.
O PAN conseguiu impor-se juntando três ‘causas’ tão diferentes como os animais, o ambiente e a comunidade gay.
Finalmente, ficou claro que o BE e o PCP não ganharam nada com a ‘geringonça’.
O BE perdeu 58 mil votos (ou seja, 10%) das últimas eleições para estas, e o PCP perdeu 117 mil votos (isto é, 25%).
Ambos perderam eleitores para o PS e para o PAN – que foram os únicos a subir.
E não há mais nada a dizer.