O Chega chegou ao hemiciclo

André Ventura chegou atrasado ao primeiro dia de Parlamento. Antes de parar em São Bento, rezou na Igreja de São Nicolau e encontrou uma antiga colega do ginásio.

Não é fácil ser André Ventura. Nem tão pouco será fácil vestir a pele de caloiro nas andanças do Parlamento. A manhã desta sexta-feira foi uma agitação, uma espécie de regresso às aulas em que os alunos chegam à escola e o cenário acaba por ser sempre o mesmo – há aqueles grupos que já se conhecem e os que perderam elementos pelo caminho, há aqueles que chegam sozinhos e, claro, há aquele que olha de lado para quem chega atrasado.

E há sempre alguém que chega atrasado no primeiro dia. Esta sexta-feira foi o líder do Chega. A sessão durou apenas seis minutos, mas André Ventura perdeu dois. E não eram só os ponteiros do relógio a acusar o atraso, todos repararam. Duarte Pacheco falava e eis que chega André Ventura, dá a volta, tenta puxar a cadeira, mas não dá. Pois, lá estava o problema identificado pelo CDS – não há espaço entre as cadeiras. 

O atraso do Chega obrigou Ana Rita Bessa, uma das deputadas do partido ainda liderado por Assunção Cristas a levantar-se. A líder fez má cara, mas lá teve de engolir o sapo. O espaço no Parlamento começa a ficar apertado e o CDS já pediu uma solução para a falta de espaço entre as cadeiras. Há um problema que é preciso resolver e que, como disse André Ventura, «mostra o estado do nosso país», já que é precisa uma autorização da Direção-Geral do Património Cultural para alterar o que quer que seja no edifício. 

Igreja sempre presente 

O dia do líder do novo partido de extrema-direita começou bem cedo e a pontualidade foi sempre uma preocupação – o deslize no Parlamento deu visibilidade. Este novo aluno não estava nervoso com o seu primeiro dia e a postura era semelhante à da noite eleitoral: confiança e calma na balança das emoções. A Igreja de São Nicolau, na Baixa da capital, foi paragem obrigatória antes de seguir para São Bento. 

Carregado de simbolismo, aquele edifício sagrado foi o local escolhido para o casamento de André Ventura. Além disso, é também a igreja onde vai habitualmente à missa, ou simplesmente rezar, como aconteceu ontem. Mesmo ao lado, no número 57, «era a residência da altura de estudante, por isso é que costumava ir àquela igreja», contou André Ventura. E, de facto, o líder do partido bebé que conseguiu um assento parlamentar nas últimas eleições Legislativas, tem muitos conhecidos naquela zona. Além de conhecer bem os cafés, encontrou uma antiga colega do ginásio, que cumprimentou e agradeceu os parabéns. «Antigamente, ia todos os dias ao ginásio, aliás, por mim também tinha ido hoje ao ginásio – hoje é um dia normal – mas tinha de vir aqui [à igreja]», disse. 

E este dia até parecia pertencer à época pré-Parlamento, em que André Ventura não era um deputado da Assembleia. Ora veja-se: Nas viagens entre casa, igreja e Parlamento, o advogado de 37 anos falou do trânsito, pediu ajuda à mulher para escolher o caminha com menos congestionamento, falou das notícias, explicou as questões de direito num caso de negligência hospitalar e passou um sinal quase vermelho. 

As primeiras propostas de André Ventura já se conhecem: diminuir os deputados na assembleia e aumentar o nível de proteção para os agentes da autoridade – Polícia de Segurança Pública (PSP) e Guarda Nacional Republicana (GNR). «Tudo com calma», foi referindo ao longo da manhã.

A propósito de autoridade, o candidato pelo círculo eleitoral do Porto, Hugo Ernano, assistiu também aos primeiros minutos de André Ventura como deputado. A manhã de sexta-feira parecia uma espécie de prolongamento da noite eleitoral, quando os apoiantes do Chega foram para a porta da Assembleia da República. Ontem, estavam lá muitos dos apoiantes dessa noite. Entre eles, um dos antigos alunos de André Ventura, Carlos Monteiro, de 81 anos, que fez questão de o acompanhar: «Ele não está nervoso, estou eu mais nervoso do que ele». 

Para o futuro, o caloiro André Ventura garante que o que realmente importa são as ideias e não a cor política, admitindo que a aprovação, ou não, das propostas não depende da esquerda ou da direita. «O Chega veio para fazer a diferença», disse um dos apoiantes. 

E depois há aquela música do Ed Sheeran que diz: «porque eu não quero saber/ quando estou com o meu amor». Foi a ouvir esta música, no carro, que André Ventura chegou à Assembleia da República, ao lado da mulher com quem casou.