Anacom perde dossiê 5G

Ministério das Infraestruturas vai assumir o processo de implementação da quinta geração móvel para evitar mais atrasos. Operadoras já tinham lançado duras críticas à atuação de Cadete de Matos e da Anacom.  

O Ministério das Infraestruturas vai chamar a si o dossiê do processo de implementação da quinta geração móvel (5G), afastando assim a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), que tem estado envolvida no processo de desenvolvimento desta tecnologia. O SOL sabe que o Governo já perdeu a paciência com Cadete de Matos, não só pelos atrasos na implementação do 5G, mas também por ainda não ter recuperado o espetro de 3,5Ghz, banda essencial para implementar de forma completa a nova rede, visto esta estar nas mãos da Dense Air.

Ao que o SOL apurou, estes atrasos levaram o Governo de António Costa – e particularmente o  Ministério de Pedro Nuno Santos – a considerar que o espetro deve ser gerido como um bem público e, como tal, terá de sair das funções do regulador, caso contrário Portugal corre o risco de  implementar um ‘quase’ 5G, impedindo o desenvolvimento das empresas e da indústria portuguesa, já que esta tecnologia aumenta significativamente a velocidade da transmissão de dados e é vista como um grande avanço para vários setores.

 A agravar esta situação está o facto de a banda detida pela Dense Air – que foi comprada a uma empresa por valores muito baixos, e à qual foi atribuída, em 2010, a banda de 3,5Ghz – não ter sido utilizada nos dois anos seguintes após a sua aquisição. Uma situação que, ao que o SOL apurou,  já deveria ter levado a entidade liderada por João Cadete de Matos a resgatar o espetro. Aliás, a própria Anacom reconheceu recentemente (num relatório) que fez que a empresa não tem qualquer trabalhador nem teve qualquer receita de  vendas, não tendo por isso qualquer operação.
Face a esse cenário, a NOS e a Vodafone já apresentaram queixas nos tribunais contra o regulador, acusando Cadete de Matos de inação e de prejudicar o interesse público ao não cumprir a lei de forma imediata. Também a Altice tem tecido duras críticas à atuação da Anacom, defendendo que Portugal está atrasado seis meses no lançamento do 5G e chegou mesmo a pedir a sua demissão pela forma como está a gerir todo este processo. 

E nem o calendário que foi entretanto lançado acalma as operadoras. Ainda esta semana, a Associação dos Operadores de Comunicações Eletrónicas (APRITEL) revelou que «receia que Portugal se atrase no lançamento do 5G por causa das condições anunciadas pelo regulador», defendendo ainda que «os documentos colocados em consulta pública ficaram aquém do expectável e necessário».

Recorde-se que o regulador anunciou, na quarta-feira, as condições para o lançamento desta tecnologia e explicou que optou pelo leilão, por considerar que esse é um processo mais transparente. O início do leilão está previsto para abril de 2020 e o encerramento dois meses depois. A entrega da licença deverá acontecer em entre julho e agosto do próximo ano. 

Braço de ferro
Condições essas que não agradam ao setor. «As propostas relativas ao concurso são ainda muito genéricas e nada reveladoras da estratégia do país para a atribuição de espetro. Tal significa que estamos a protelar no tempo a discussão e a comprometer a atribuição de espetro nos prazos desejáveis», afirma a associação agora liderada por Pedro Mota Soares.

E as críticas não ficam por aqui. A APRITEL considera ainda que «não existe qualquer garantia de que todos os operadores terão acesso ao espetro necessário para explorar, de uma forma eficiente e inovadora, todas as potencialidades do 5G. Isto porque não está garantida a disponibilidade efetiva, na altura do leilão, da quantidade de espetro que a Comissão Europeia entende como ideal – no caso da faixa dos 3.6 GHz de blocos contíguos de 80 a 100 MHz, nem se conhece o entendimento do regulador sobre a reserva de espetro e os respetivos caps de atribuição».
Também o calendário é visto como «curto e comprometedor», o que leva a associação do setor a dizer que é «lamentável» que Portugal se atrase nesta matéria, «principalmente quando sempre estivemos na linha da frente da inovação neste setor». Quanto mais tempo passa, «reduzem-se as possibilidades de Portugal tirar o maior partido possível das potencialidades que o 5G oferece». 

No entanto, Cadete de Matos refuta «totalmente a ideia de Portugal estar atrasado no 5G» e aponta algumas incoerências no discurso das operadoras. «O calendário da Anacom foi precedido de uma consulta a todos os operadores no ano passado. Nessa consulta, todos defenderam que não havia modelo de negócio para o 5G antes de 2022. Houve uma empresa [Altice Portugal] que inclusive defendeu que esta migração da faixa dos 700 MHz só devia acontecer em 2022», acrescentando que não esteve de acordo com essa proposta de adiamento e, como tal, vai avançar com a migração até junho.

Já em relação às acusações da NOS sobre a Anacom ter «favorecido ilegalmente» a Dense Air na atribuição da licença da frequência dos 3,5 Ghz, Cadete de Matos também afastou qualquer irregularidade. E para o responsável não há dúvidas: a licença «é válida». Cadete de Matos lembra que «a Dense Air vai manter essa licença, de acordo com o que está nas nossas intenções, até 2025. Mas vai mantê-la com uma redução do espetro atribuído, que a empresa voluntariamente nos comunicou, nomeadamente em Lisboa e no Porto, onde tem mais espetro disponível».
A verdade é que este descontentamento por parte do Executivo não é novo. Em setembro, o Governo já tinha alertado a entidade liderada por Cadete de Matos para a necessidade de deter o espetro todo. Também nessa altura, o secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Alberto Souto de Miranda, chegou a admitir que o regulador estava «a demorar em promover a consulta pública sobre a atribuição do 5G». 

Regulador ‘finta’ concursos
Entretanto, a Anacom celebrou no dia 3 de outubro dois ajustes diretos com a Altitude Software Sistemas e Serviços S.A. O primeiro contrato, com um custo de sete mil euros, visa os serviços de gestão de call center, enquanto o segundo, no valor de 6.500 euros, tem como objeto os serviços de implementação de centro de contactos. O  que é certo é que, em vez de celebrar um único contrato, uma vez que a entidade adjudicatária é a mesma e o objeto de cada um dos contratos é semelhante, a entidade liderada por Cadete de Matos optou por celebrar dois, dispensando assim a necessidade de formalizar os respetivos contratos por concurso, na medida em que o Código dos Contratos Públicos (CCP) dispensa essa formalização em contratos de valor inferior a 10 mil euros. 

Já 14 de outubro, também por ajuste direto, contratou os serviços de trabalho temporário à EGOR por 19 mil euros. 
Com estas adjudicações, a Anacom retirou à MEO o call center para ajudar a sintonizar TDT. A ideia é criar um serviço de apoio para atender os portugueses que usam a rede de televisão digital terrestre (TDT) e que tenham dificuldades em sintonizar a nova frequência no televisor ou dúvidas sobre este processo que visa libertar a faixa dos 700 MHz para a implementação do 5G em Portugal. De acordo com Cadete de Matos, «a população mais idosa e a que tem menor literacia poderão ter mais dificuldades», o que dita a necessidade de criar um atendimento telefónico.
 

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