Herdeiros de Picasso ganham a eletricista

O antigo eletricista Pierre Le Guennec e a sua mulher tiveram em casa durante 40 anos 271 obras de Picasso. Depois de uma longa batalha legal com os herdeiros do artista, o casal acaba de ser condenado a prisão com pena suspensa.

Pierre Le Guennec, o antigo eletricista de Picasso, e a sua mulher foram condenados na passada segunda-feira a dois anos de prisão com pena suspensa por um tribunal de Lyon (França). É a terceira vez que o casal é considerado culpado do roubo e ocultação de 271 obras do mestre espanhol.

A origem do caso remonta a 2010, quando Le Gennec se dirigiu à sede da Picasso Administration – entidade responsável pela gestão do legado e autenticação de obras do artista – com uma mala contendo 175 obras (entre desenhos, pinturas e litografias) não assinadas para ser confirmada a respetiva autoria. Na altura, o homem disse que os trabalhos lhe haviam sido oferecidos pelo próprio Picasso, como forma de agradecimento por Le Guennec lhe ter instalado alarmes antirroubo em várias casas.

Este tipo de oferta não seria inédito. Ao longo de 26 anos, Picasso ofereceu dezenas de obras – de simples esquissos a peças de cerâmica – ao barbeiro Eugenio Arias, o único homem a quem confiava o corte de cabelo, e com quem gostava de jogar às cartas e de assistir às corridas de touros.

Mas a história do eletricista não convenceu os filhos do artista. Maya Widmayer-Picasso (nascida da união com Marie-Therèse Walter e que surge representada em várias pinturas do pai), comentou: «Os meu pai oferecia, mas nunca nestas quantidades enormes». Já Claude Ruiz Picasso, que está à frente do processo de autenticação, comunicou as suas dúvidas ao seu advogado, que por sua vez entrou em conctacto com as autoridades.

Alguns dias depois, quando a Polícia revistou a casa de Le Guennec no Sul de França, encontrou cerca de outras cem obras do criador malaguenho. Avaliados por alto entre 60 e 100 milhões de euros, os 271 trabalhos estiveram 40 anos guardados na casa do antigo eletricista. Incluíam seis telas, nove colagens cubistas, 28 litografias e blocos de desenho datados de entre 1900 a 1932, naquela que constitui ainda a maior descoberta relativa à obra de Picasso desde a sua morte a 8 de abril de 1973. As obras foram para uma caixa-forte do Banco de França.

 

Da ‘confiança absoluta’ aos sacos de lixo

No primeiro julgamento, em 2015, o antigo eletricista alegou: «Picasso tinha uma confiança absoluta em mim, talvez por eu ser discreto».

Os herdeiros de Picasso tinham outra teoria: as 271 obras teriam sido roubadas por Maurice Bresnu, o motorista de Picasso, que por sua vez era primo de Pierre Le Guennec. E alguns já teriam mesmo sido vendidos na Suíça.

Ainda assim, como nada disso pôde ser provado (Bresnu morreu em 1991), o casal Le Guennec foi condenado a dois anos de prisão com pena suspensa pela posse de bens roubados.

Os Le Guennec recorreram da decisão, e em 2016 voltaram à sala de audiências. Pierre Le Guennec admitiu ter mentido quanto à forma como as obras lhe chegaram às mãos e apresentou uma nova versão dos factos._Na realidade, disse, os desenhos não lhe haviam sido oferecidos por Picasso, mas sim por Jacqueline, a sua última companheira. Esta, após a morte do artista em 1973, confiara-lhe a guarda de centenas de obras, metidas dentro de sacos de lixo – entre 15 e 17 sacos. Quando os recolheu, como forma de agradecimento Jacqueline deixou um dos sacos com o casal.

«Como se pode pensar que ela [Jacqueline], que tanto admirava o marido e a sua obra, teria enchido sacos de lixo com os seus desenhos e outros trabalhos?», questionou um representante da família da Picasso.

A 16 de dezembro de 2016 o tribunal confirmou a pena para os Le Guennec. Mas em 2018 o Supremo anulou a sentença e foi remarcado o julgamento. A decisão desta segunda-feira não é passível de recurso.