Sem pedalada

O triste fado lusitano está espelhado nos trajetos opostos da Maconde e da Zara.

Roubo o título ao jornal Record, que o usou para pontuar mais uma derrota do Benfica, numa longa série de desaires das nossas equipas de futebol em provas internacionais. Nada de novo, a perda de capacidade competitiva é a sina de quem é forçado a vender os talentos que forma, para tapar os buracos financeiros que criou, ou herdou. Infelizmente, o problema estende-se à política, à economia e a tudo mais. 

O mal não é de agora. No passado, descobrimos novos mundos, mas deixámos para outros a exploração das rotas comerciais. Dois séculos mais tarde, o Marquês de Pombal deu um forte impulso à agricultura e à indústria, mas os continuadores perderam por falta de comparência. Vieram depois as tropas de Napoleão, as lutas liberais, a Monarquia constitucional e a Primeira República, entretendo-se cada uma a destruir o que a anterior tinha deixado de pé.

Quando a miséria já era grande, o Dr. Salazar ofereceu o condicionamento industrial a meia dúzia de amigos do Regime. Com mercados protegidos e feudos na metrópole e nas colónias, os nossos capitalistas adormeceram e nunca tiveram pedalada para competir lá fora. 

Com a revolução, ganhámos no ‘D’ de Democracia, mas perdemos no ‘D’ de Desenvolvimento, porque, em vez de trabalharmos para recuperar atrasos crónicos, preferimos viver dos fundos comunitários, como antes tínhamos vivido do ouro do Brasil. À esquerda e à direita, governantes e ’associados’ enredaram-se em pequenas, médias e grandes traficâncias nos negócios do Estado, que empobreceram o país e o foram empurrando para os braços da troika. 

O triste fado lusitano está espelhado nos trajetos opostos da Maconde e da Zara. Entre nós, cultiva-se a pequenez, persegue-se quem se destaca e insiste-se em dilapidar a riqueza, vendendo empresas como quem vende jogadores de futebol. Diferentemente, Espanha tem uma cultura hegemónica, que valoriza a propriedade, se orgulha dos seus triunfos e se revê nos seus campeões, da economia ao desporto. 

À escala europeia, o PSI-20 é uma risota e as grandes empresas são ridiculamente pequenas. Não se fortalecem porque não têm de se confrontar com opositores exigentes, que poderiam estar nas autoridades reguladoras, em acionistas atentos, em sindicatos independentes, em associações de consumidores atuantes e em concorrentes fortes. E não ganham escala porque preferem a guerrilha à cooperação, falecendo o espírito associativo em confederações onde os dirigentes se tornaram funcionários, sem outra função que atender às liturgias do costume, e sem outro interesse que não o de conservarem lugares e estatuto. 

Agora, o Governo estendeu o tapete à Web Summit, que deveria projetar Portugal para o mundo, mas o ‘colossal evento’ não mereceu uma nota de rodapé na imprensa e nas televisões estrangeiras. Mesmo as estrelas convidadas para abrilhantar o show acabaram contagiadas pelo desinteresse geral. 

Longe do recinto, sem startup e sem fundraising, D. Dolores Aveiro, campeã dos influencers, fatura mais que toda aquela gente junta. E sem custos para os contribuintes.