Como ‘funciona’ uma catedral

Se alguém me dissesse, há duas semanas, que um dos livros que eu acharia mais extraordinários nos últimos tempos era um livro para crianças, eu responderia que estavam a gozar comigo.

Mas isso é porque ainda não conhecia o trabalho de Stephen Biesty, e o seu Ver por Dentro – Viagem ao Interior da Coisas, com o qual me cruzei por acaso um dia destes e que me despertou de imediato a atenção. A capa, que mostra um transatlântico ‘cortado às fatias’, é promissora. Mas o que encontrei ao folheá-lo ultrapassou as minhas expectativas.
Biesty é uma autêntica ‘besta’ da ilustração – ‘besta’ no melhor sentido, naturalmente. Não é por acaso que conquistou com os seus cortes o prémio para o melhor livro ilustrado atribuído pelo New York Times em 1993. Cada um dos seus desenhos ocupa a largura de duas páginas de grande formato e impressiona pelo rigor e detalhe. O primeiro mostra um castelo do século XIV e tudo o que se passa no seu interior: da capela às oubliettes (masmorras onde os prisioneiros particularmente detestados ou perigosos eram deixados esquecidos, ou oubliés, daí o nome); das torres ao fosso; das chaminés aos esgotos – Biesty, diga-se, revela um talento especial para representar pessoas sentadas na retrete.

Seguem-se um observatório astronómico, um galeão do século XVI, uma catedral, uma plataforma de petróleo, um teatro de ópera, um helicóptero, um submarino, um arranha-céus… Um verdadeiro banquete para os olhos – e para a mente, uma vez que cada desenho é acompanhado por mini-textos que explicam a lógica e o funcionamento daquelas criações humanas. No caso da catedral da Notre-Dame de Paris, por exemplo, é-nos desvendada com toda a clareza a anatomia e a mecânica desse grande monumento.

Mas o clímax é, sem dúvida, atingido nas páginas desdobráveis dedicadas ao transatlântico e ao comboio a vapor, soberbas ilustrações com um metro de comprimento. Lá está, uma verdadeira bestialidade!

Mas será mesmo esta viagem ao interior das coisas um livro realmente para crianças? Esta pergunta não tem uma resposta fácil.

No meu caso, por muito que gostasse de partilhar estes belos desenhos com os meus filhos, prefiro preservar o livro intacto para quando o puderem apreciar devidamente.Não o escondi, mas mantenho-o estrategicamente resguardado num local discreto. Ede tempos a tempos, quando ninguém está a ver, abro aquelas páginas enormes e divirto-me a estudar os pormenores. Talvez o livro seja mesmo para crianças, mas para um tipo particular: o das crianças grandes, que sabem ler os livros sem os estragar nas horas livres do emprego.