Democracia, ditadura, dinheiro e ideologia

No primeiro artigo do ano, venho propor aos leitores uma reflexão que julgo ser original. Pelo menos, nunca a vi escrita nem discutida em nenhum sítio. E, no entanto, ela afigura-se-me perfeitamente óbvia. Enunciada de uma forma simples, a ideia é esta: os regimes assentes no dinheiro são democracias, os regimes assentes em ideologias são…

No primeiro artigo do ano, venho propor aos leitores uma reflexão que julgo ser original.

Pelo menos, nunca a vi escrita nem discutida em nenhum sítio.

E, no entanto, ela afigura-se-me perfeitamente óbvia.

Enunciada de uma forma simples, a ideia é esta: os regimes assentes no dinheiro são democracias, os regimes assentes em ideologias são ditaduras.

Olhemos à volta: toda a Europa tem hoje regimes ‘assentes no dinheiro’, isto é, regimes onde vigora a economia de mercado.

Todos são democracias.

Na América do norte sucede o mesmo, e talvez com mais intensidade: os Estados Unidos e o Canadá têm sistemas assentes no dinheiro e são das maiores democracias do mundo.

Aliás, os Estados Unidos são o país do mundo onde o dinheiro mais comanda – time is money – e aquele onde a democracia é mais pujante, com tudo o que a liberdade tem de belo e de implacável.

Vejam-se agora outros exemplos: Cuba, um país dominado pela ideologia e onde há sessenta anos existe uma ditadura liderada por uma família; a Venezuela, onde Chávez impôs um regime de força assente no Exército: a China e a Coreia do Norte, onde os partidos comunistas controlam a sociedade com mão de ferro. 

E nos países muçulmanos onde existem regimes fundamentalistas, isto é, regimes religiosos radicais, é o que se sabe.

E se formos mais atrás, à União Soviética, ao fascismo italiano, ao nazismo alemão, continuamos a constatar esta verdade.

Ou mais atrás ainda, aos tempos da Inquisição.

Onde o dinheiro impera há democracia, onde domina a ideologia – qualquer que seja – há ditadura.

E, pensando um pouco melhor, isto acaba por ser simples de perceber: o capitalismo precisa de liberdade para se desenvolver, para mudar, para se aperfeiçoar, para descobrir novos caminhos por onde romper – enquanto os regimes baseados numa ideologia necessitam exactamente do contrário: precisam de uma ditadura para defender o dogma.
O capitalismo não nasceu de uma cartilha: nasceu, cresceu  e desenvolveu-se no seio da sociedade medieval, e ganhou novos fôlegos com base no experimentalismo, no empirismo.

O capitalismo não foi inventado: brotou naturalmente.

Não tem uma cartilha – tem teorias construídas a partir da realidade pré-existente, que aliás apontam por vezes em sentidos diferentes. 

Os regimes ideológicos, ao invés, partiram de uma doutrina – fosse o cristianismo, o islamismo, o comunismo ou o fascismo – e com base nela organizaram a sociedade. 

O capitalismo tem teorias que o explicam; inversamente, os regimes ideológicos têm livros de referência que estabelecem a doutrina: a Bíblia, o Corão,  O Capital, o Mein Kampf.

O capitalismo impôs-se de baixo para cima, da base para o topo; o comunismo ou o fascismo impuseram-se de cima para baixo, do topo para a base.

Os regimes assentes em ideologias têm no vértice chefes que encarnam a doutrina e lideram as massas: seja Lenine, Estaline, Hitler, Mussolini, Mao Tsé-Tung ou Khomeini.

Os regimes assentes em ideologias dizem-se ‘populares’, afirmam-se amigos do povo, mas são afinal populistas, e violentos, ou seja, arregimentam as massas como exércitos para impor ditaduras.

Os heterodoxos são esmagados implacavelmente – porque põem em causa o dogma.

Por isso, devemos desconfiar de todos quantos vêm criticar o capitalismo em nome de uma qualquer ideologia de salvação: o capitalismo tem muitos defeitos, o primado do dinheiro comporta muitos vícios, mas a subversão do capitalismo termina invariavelmente em ditadura.

Não vale a pena o Bloco de Esquerda, o Podemos ou o Syriza virem falar em terceiras vias, em regimes socialistas mas democráticos, em novas soluções alternativas ao capitalismo: isso nunca se inventou.

Ou aceitamos a sociedade de mercado com os seus defeitos ou caímos numa ditadura assente numa ideologia.
Neste início dos anos vinte, faço ao leitor o seguinte desafio: apresente-me um exemplo – um único – de uma democracia que não assente no dinheiro, ou seja, numa economia de mercado.