Mobilidade em Lisboa: visão e realidade

A Visão Estratégica para a mobilidade em Lisboa recentemente aprovada refere uma cidade imaginada quase sem automóveis, com oferta e funcionamento dos transportes públicos ideal, meios suaves em harmonia com peões, etc.

Os propósitos são positivos, mas trata-se de uma visão idílica muito distante da realidade e mais longínqua ainda se observarmos os resultados da ação da Câmara Municipal de Lisboa (CML) nos últimos 13 anos em que a responsabilidade política do atual executivo se mantém. A medida da eficácia da CML em matéria de mobilidade até hoje está na resposta à seguinte questão: o trânsito, o estacionamento ou os transportes públicos em Lisboa melhoraram? Porque muito mais do que propósitos genéricos, importa ser consistente e eficaz nas soluções concretas que melhorem a mobilidade dos lisboetas.

O documento sobre a estratégia para a mobilidade em Lisboa pretende apontar um caminho para o desenvolvimento de Lisboa a médio prazo. As políticas estruturais para o futuro de Lisboa devem ter estabilidade e devem reunir consensos políticos. Tal foi alcançado, embora com a consequência de ser um documento muito genérico com princípios consensuais centrados na melhoria dos indicadores ambientais da cidade e que passam pelo aumento da atratividade dos transportes públicos, pela promoção da mobilidade elétrica, pela redução das viagens em veículo particular, ou pela construção parques de estacionamento dissuasores. São propósitos que facilmente alcançam concordância, mas faltam as soluções que os concretizem.

No entanto, esta visão estratégica para Lisboa não enquadra devidamente a interdependência com o contexto da Área Metropolitana de Lisboa (AML), ignorando que a política de mobilidade para Lisboa vai muito para além dos seus limites administrativos e depende de decisões que extravasam a competência municipal. As políticas de mobilidade devem ter uma escala e articulação metropolitanas, como confirmam o facto de entrarem em Lisboa, diariamente, cerca de 370.000 automóveis, bem como a população da capital passar de cerca de 500.000 residentes para perto de 1 milhão de pessoas. Por outro lado, as soluções para a eficácia dos transportes públicos em Lisboa e na Área Metropolitana passam pela densificação e alargamento da rede do metropolitano e pela melhoria da oferta de comboios e de barcos, fatores que dependem da decisão e investimento do Governo.

A visão apresentada contrasta com a realidade que não tem melhorado (antes pelo contrário): a EMEL parece perseguir os moradores, o trânsito é infernal, o estacionamento é cada vez mais difícil, os transportes públicos não satisfazem as necessidades, o investimento no metro, nos barcos ou nos comboios continua por concretizar, a obsessão pela construção de ciclovias tem concretizado soluções que por vezes prejudicam a mobilidade global e a segurança, a regulação e a fiscalização de trotinetes continua por fazer e o regulamento dos tuk-tuk está na gaveta há anos. Estes são os problemas que os lisboetas sentem e cuja resolução deve ser prioritária.

O documento sobre a visão estratégica para a mobilidade em Lisboa é insuficiente para responder aos problemas da cidade. Importa efetuar a avaliação dos instrumentos de planeamento e de gestão, bem como das medidas executadas, privilegiar uma visão metropolitana, exigir do Governo os investimentos nos transportes dele dependentes, articular com o planeamento urbanístico e elaborar documentos mais operativos que apontem soluções concretas para os problemas com a definição de objetivos quantificados e calendarizados. Este processo deve ser acompanhado por um debate técnico e político que assegure soluções robustas com uma base de apoio tão alargada quanto possível.