Um poema esperado do Papa à Amazónia

Numa altura em que Portugal assiste a uma discussão acesa sobre a Eutanásia, o texto da Exortação Pós-sinodal sobre a Amazónia passou quase despercebido. 

Como os abutres se juntam aos mortos para lhes comer a carne e deixar o esqueleto, assim a comunicação falou que o Papa não tinha aberto o sacerdócio aos homens casados e deitou todo o resto do texto para fora. 

É normal! Foi isso que fizeram com o texto sobre o celibato do Papa Bento XVI e do Cardeal Sarah: discutiram o problema dos nomes que apareceram na capa e nem sequer se dignaram falar do texto que ambos escreveram para o referido livro. Já agora, para que quiser, a Lucerca acabou de o publicar em Portugal. 

Voltemos ao texto da Exortação Pós-sinodal escrita pelo Papa Francisco depois de um Sínodo Pan-amazónico que ocorreu em outubro do ano passado, em Roma. Depois de o ter lido cuidadosamente, tenho a dizer que é, talvez, dos mais belos textos sobre a Amazónia. Vale a pena ler para se perceber o amor e o carinho que Francisco nutre pelos povos indígenas da Amazónia, que atravessa vários países da América Latina. 

O texto é breve! Cerca de oitenta páginas pequenas! Lê-se em menos de duas horas, estuda-se em menos de quatro horas. As duas primeiras partes do documento são um poema dedicado à Amazónia. Eu diria, parafraseando os títulos do documento, um sonho! O texto não traz nada de novo, do ponto de vista das expectativas. É um texto que se encaixa realmente no pensamento e na dinâmica de Francisco. Dele só poderíamos esperar um texto maravilhoso como este. 
 
O Papa, no início do documento, diz que a Exortação Pós-sinodal prefere «não citar o Documento [das conclusões do Sínodo], convidando a lê-lo integralmente». Isto mesmo já Francisco o tinha feito na Exortação depois do Sínodo sobre a fé e que veio dar o documento Evangelii Gaudium. O Papa pegou em algumas ideias discutidas no Sínodo, mas depois fez um texto seu próprio que pouca ligação tem com o texto das conclusões. 

Outra coisa que observamos no texto de Francisco sobre a Amazónia é que ele quer mesmo exaltar o poder da beleza e da natureza, da pobreza e da cultura indígena mais do que propor grandes projetos para aquele território. 
Ele faz um conjunto de citações de poetas, escritores e sábios para levar os homens ao amor para com os indígenas. A par de todas estas citações poéticas aparecem apenas cinco citações bíblicas nos três primeiros capítulos do documento.

O único capítulo dedicado exclusivamente a questões eclesiais é o capítulo IV. Também aqui há apenas uma citação bíblica. 

Dá-nos a amarga sensação de que Francisco não quis ouvir a voz dos bispos reunidos numa animadíssima assembleia. Os temas aprovados pelos bispos e que se esperava que houvesse uma tomada de posição mais firme, afinal não foram tratados, nem sequer apontados. 

Mas também não é novidade! O Papa Francisco tem-nos habituado a viver com um ministério petrino que não assenta em afirmações doutrinárias, mas que conta com o discernimento dos fiéis. Não é do seu estilo espetar um prego nos assuntos. Francisco gosta mais de enroscar o parafuso que vai entrando sem darmos conta. 

Há uma coisa que transparece em todo o texto: o Papa Francisco ama o povo da Amazónia e convoca toda a igreja a partir em missão para ir ao encontro deste povo. Com tudo isto, Francisco fez um texto belíssimo não fazendo a vontade de ninguém. Uns e outros pensavam que o Papa iria pronunciar-se sobre o celibato dos padres. Ele não disse nada! Uns queriam que ele afirmasse a necessidade do celibato. Outros queriam que ele abrisse a ordenação sacerdotal aos homens casados. A uns e a outros ele respondeu, não respondendo!