Eutanásia. Manifestação para o trânsito mas não a despenalização

Centenas de pessoas protestaram à porta  do Parlamento antes da votação. “Pôr uma corda ao pescoço não  resolve nada”, diz uma manifestante.

Enquanto olha para a multidão que escuta, atentamente, um dos oito discursos contra a despenalização da eutanásia, Delfina Aguiar segura um cartaz onde se lê “suicídio igual a eutanásia”. Com um lenço que a protege do sol, que apareceu durante a hora de almoço, a mulher de 63 anos não esconde aquilo que pensa. “Estou aqui para transmitir uma verdade absoluta. O cartaz é uma verdade absoluta”, garante, em frente à Assembleia da República. Sublinhando que lhe “entristece o sofrimento prolongado”, acusa quem defende a eutanásia de cobardia e garante que “jogarem-se ao comboio, caírem num poço ou pôr uma corda ao pescoço não resolve nada. E quem diz pôr uma corda ao pescoço diz levar uma injeção letal, que é o caso da eutanásia”. 

Entre os aplausos dos manifestantes, Delfina Marques garante ainda que não só é cobarde quem quer ser eutanasiado, como quem o permite. Ou, “popularmente, como se diz, tão ladrão é que vai à vinha, como o que fica à espreita”.

Não são apenas os cartazes azuis distribuídos pela Federação Portuguesa Pela Vida, e outros com caligrafias distintas, que demonstram a contestação ao que vai ser votado dentro de duas horas. Um sistema de som instalado durante a manhã e os tambores que ajudam a marcar o ritmo ajudam a que as vozes contra a eutanásia ganhem força e se façam ouvir dentro do Parlamento, onde algumas horas depois os deputados aprovaram a despenalização da morte assistida. A manifestação serviu também para recolher mais assinaturas em defesa de um referendo. A recolha de assinaturas para um possível referendo começou há exatamente uma semana e, até agora, foram contabilizadas cerca de 40 mil. Mas faltam ainda assinaturas que estão, por exemplo, a ser recolhidas à porta das igrejas. Ao i, José Maria Seabra Duque, responsável pela iniciativa popular de referendo, afirma que a primeira contagem será feita a 4 de março. As expectativas de José Seabra Duque, que chegou à escadaria do Parlamento quando o sistema de som ainda não estava montado, são de que as 60 mil assinaturas necessárias vão ser ultrapassadas.

Estudantes de medicina Apesar de serem precisos 60 mil nomes para que a iniciativa seja aceite no Parlamento, não há um número máximo e, por isso, Emília Monteiro, que ajudou na recolha de assinaturas “quando pôde”, aproveitou esta hora de almoço não só para mostrar que estava contra a eutanásia, como para recolher os nomes dos apoiantes do referendo que ainda não tenha assinado. “Tanto a Ordem dos Enfermeiros como a Ordem dos Médicos deram um parecer negativo aos projetos. Se os especialistas dizem que estas leis não são claras, acho que não serão a melhor resposta”, diz ao i a estudante de medicina. Confessando que “leu por alto” os projetos de lei, há “uma das parcelas” que considera ser “muito complicada”. 

“É muito complicado dizer o que é o sofrimento intolerável, dizer este é tolerável e este não é”, explica a jovem de 20 anos, garantindo que “há ainda muito a fazer para que as pessoas se sintam acompanhadas e não estejam nesse sofrimento”, que pode ser físico ou emocional. 

“No sofrimento físico os médicos têm o dever de tratar das pessoas. Mas também há o sofrimento emocional por não serem acompanhadas. Enquanto sociedade devia ser mais desenvolvido e trabalhado”, explica Emília Monteiro, antes de continuar a recolha de assinaturas que, ao que conseguiu apurar ao longo desta semana, não são apenas de quem é contra a eutanásia.

Um dos momentos mais simbólicos da manifestação foram os discursos contra a eutanásia. Falaram Ribeiro e Castro, Jorge Nuno de Sá e, entre outros Isilda Pegado, uma das principais vozes contra a despenalização. 

Morte não é solução Atrás da maré de cartazes azuis está Mário Quintana, que assinou a proposta de referendo. Mas não era esta a sua primeira opção. O jovem estudante de direito, que não quer dizer que é contra a eutanásia e prefere dizer que é “a favor do acompanhamento das pessoas que sofrem”, preferia que “aqueles que nos representam percebessem que a morte não é solução para o sofrimento”. 

Sublinhando que estava a ser oferecida “uma escapatória que não acaba com o sofrimento, mas sim com a vida as pessoas”, o jovem de 19 anos garantiu que consultar os portugueses é o último recurso para garantir que os que sofrem serão ajudados.

O jovem Mário Quintana largou a manifestação para assistir ao debate. Os cinco diplomas em defesa da despenalização seriam aprovados já ao final da tarde. A essa hora já o trânsito tinha voltado ao normal na rua de São Bento e o sistema de som desligado. A próxima luta é o referendo.