Venezuela. Por trás das acusações à TAP

Quando a comitiva de Guaidó pisou solo português, a TAP não esteve envolvida no rastreio da bagagem e objetos. Aliás, nunca está. 

A Venezuela voltou a a atacar a segurança do aeroporto de Lisboa e a TAP. Desta vez, foi o Ministério Público venezuelano que exigiu às autoridades portuguesas que descubram «que tipo de cumplicidade interna existe no aeroporto de Lisboa» com o tráfico de cocaína para Portugal, alegadamente em voos da TAP. As acusações surgem poucos dias depois de o Governo de Nicolás Maduro atacar a companhia aérea portuguesa, dizendo que fora cúmplice do transporte de explosivos e coletes à prova de bala por Juan José Márquez, tio do autoproclamado Presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó. Caracas alegou mesmo que o líder da oposição voou na TAP com uma identidade falsa, violando «padrões internacionais». Em sequência, o Governo de Maduro suspendeu por 90 dias os voos da TAP para a Venezuela.

Parece, no entanto, cada vez mais claro que a companhia aérea tem pouco a ver com o assunto. «Quem faz o raio-x não é a TAP, quem faz a inspeção das bagagens não é a TAP», lembrou esta semana o presidente executivo (CEO) da TAP, Antonoaldo Neves, na apresentação das contas de 2019 (ver texto ao lado).  

«O rastreio de bagagens e objetos é responsabilidade de uma empresa privada, sob  supervisão da PSP», explicou ao SOL Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Investigação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF-SEF).

Normalmente, este processo não acontece com passageiros que vêm de fora do espaço Schengen, fazem escala em Lisboa e seguem outra vez para fora do espaço comunitário: como não entram em território português, o controlo é feito à partida e no destino. Guaidó e a sua comitiva vinham dos Estados Unidos e seguiam para a Venezuela – mas o SOL sabe que o autoproclamado Presidente pisou solo português.

Agora, ficamos com duas possibilidades: Guaidó viajou como passageiro normal ou como VIP. Segundo o presidente do SCIF-SEF, este estatuto é concedido «a chefes de Estado ou outras altas figuras» pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros ou pelo Ministério da Administração Interna – nenhum dos ministérios comentou o assunto. E não é improvável que Guaidó tenha recebido estatuto de VIP, uma vez que Portugal reconhece-o como Presidente interino, apesar de manter relações diplomáticas, na prática, com Maduro. 

VIP ou não, tanto as bagagens do autoproclamado Presidente venezuelano, como as da sua comitiva – incluindo a do seu tio – seriam sempre sujeitas aos controlos de segurança comuns. Note-se que mesmo na sala VIP «há sempre controlo de identidades» por agentes do SEF, garante Pereira: o passaporte tem que bater certo com o cartão de embarque, emitido por uma empresa privada. A outra acusação de Caracas é que o nome de Juan Guaidó não constava na lista de passageiros do voo TP173 da TAP para a Venezuela.  

Guaidó já havia reagido a esta acusação, afirmando que jamais omitiu o seu nome e insinuando que o Governo de Maduro simplesmente não o quer reconhecer: «O meu nome é Juan Gerardo António Guaidó Márquez. Tenho vários nomes, Juan Gerardo António Guaidó Márquez. Viajei com o meu nome. Se a ditadura não gosta dos meus nomes isso é outra coisa». 

Deste episódio ressalta uma certeza: o mal-estar diplomático entre os dois países. O Governo português reagiu de pronto pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que descreveu o caso como «um ato inamistoso e sem qualquer fundamento». Santos Silva criticou que a suspensão da TAP decorresse numa fase de inquérito, sem que a transportadora «fosse ouvida ou fosse apresentada qualquer prova».

Também Marcelo Rebelo de Sousa reagiu. O Presidente da República considerou  que a situação «não tem o mínimo fundamento, é inaceitável, incompreensível e inadmissível».

Ao SOL, Nuno Caetano, analista da Infinox, resume todo o caso a «uma jogada política e de retaliação do Governo de Nicolás Maduro, na sequência do reconhecimento por Portugal de Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela».
Entretanto, a casa de Juan José Márquez foi alvo de buscas na sequência de um mandado judicial, na sequência das investigações que ainda decorrem. O tio de Juan Guaidó continua detido desde terça-feira, dia 11, sem direito a visitas ou contacto com o exterior.