Guerra entre Ferro e Ventura está para durar

André Ventura não desiste e vai reformular a proposta sobre castração química para pedófilos. Prisão perpétua pode ser a próxima polémica no Parlamento.

A guerra entre o presidente da Assembleia da República e o líder e deputado do Chega não vai ficar por aqui. André Ventura tenciona reformular o polémico projeto de lei que propõe a castração química para pedófilos e voltar a apresentá-lo no Parlamento. «Não aceito isto. É uma hipótese muito forte afinar o projeto, reescrever algumas partes, alguns aspetos técnicos, e voltar a apresentá-lo, mesmo com o risco de voltar a acontecer a mesma coisa», diz ao SOL.

André Ventura argumenta que não pode desistir de uma proposta que «foi uma das principais bandeiras» do Chega durante a campanha eleitoral e não descarta acatar algumas falhas apontadas pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM).

A proposta do Chega chegou a estar agendada para ser discutida no plenário nesta sexta-feira, mas Eduardo Ferro Rodrigues decidiu retirá-la depois de ter nas mãos  um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais que concluía que o diploma não preenchia os requisitos para ser discutido no plenário. 

Uma decisão que Ferro Rodrigues assumiu como «absolutamente excecional». O presidente do Parlamento considerou, numa intervenção no plenário, que seria abrir a porta a que o parlamento pudesse debater  assuntos como a reposição da pena de morte: «Comigo a presidente da Assembleia da República não acontecerá».

Ventura ainda apresentou recurso, que foi discutido na quinta-feira, mas foi chumbado com os votos do PS, PCP, PEV e da deputada Joacine Katar Moreira. PSD, BE, CDS, PAN e IL defenderam que a proposta devia ser discutida em plenário.
Rui Rio discordou da posição assumida pelo presidente da Assembleia da República. Apesar de considerar o diploma inconstitucional, o líder do PSD defendeu que «é perigoso abrir essa porta» e deve existir «a liberdade de se debater o que se quiser».

O Bloco foi o único partido de esquerda a defender que o diploma devia ser debatido. Pedro Filipe Soares classifica a proposta como uma «uma aberração política», mas considera que, «para garantir a liberdade de iniciativa, nenhuma maioria absoluta deve poder vetar iniciativas legislativas de outros partidos sob o argumento constitucional». 

OPS, que desde o início tentou travar o debate em plenário, argumenta que a proposta é inconstitucional e contou com o apoio do PCP para impedir o debate. A deputada socialista Cláudia Santos congratulou-se com a decisão. «Não permitimos que a Assembleia da República fosse aviltada com a discussão de um projeto de lei que é manifestamente inconstitucional».

«Se fosse Almeida Santos isto não acontecia»

A polémica ficou, para já, resolvida, mas dificilmente a guerra entre o presidente da Assembleia da República e André Ventura ficará por aqui.  O deputado do Chega pretende reformular o projeto de lei sobre o abuso de menores e garante que vai avançar com outras propostas que poderão enfrentar problemas idênticos como a prisão perpétua ou o trabalho obrigatório nas prisões. Para André Ventura, este «é um precedente gravíssimo» e aponta o dedo a Ferro Rodrigues. «Aqui houve má vontade. Tenho a certeza que se fosse o dr. Almeida Santos isto não acontecia. O que temos aqui é um presidente que tornou a coisa quase pessoal», diz ao SOL. 

Ferro Rodrigues agiu bem?

Não é pacifico se, nestes casos, o presidente do Parlamento deve impedir ou não a discussão das propostas por alegadas inconstitucionalidades.

Guilherme Silva, ex-vice-presidente da Assembleia da República, entende que «não é boa regra comprometer» o processo legislativo. «Custa-me um bocadinho admitir, independentemente de se tratar de uma iniciativa mais à direita ou mais à esquerda», afirma ao SOL o ex-líder parlamentar do PSD. 

José Matos Correia, que também foi vice-presidente do Parlamento, tem outra posição e lembra que «quem tem o direito de estabelecer a agenda parlamentar» é o presidente da Assembleia da República. «Se, de facto, há inconstitucionalidades, o presidente da Assembleia da República agiu bem. É mesmo obrigação do presidente da Assembleia da República não admitir essas iniciativas. Não tem sido prática? Paciência»», diz ao SOL o antigo deputado do PSD.  

Isabel Moreira argumenta que o regimento da Assembleia da República «é claro» e prevê que «não devem ser agendados projetos de lei inconstitucionais». A deputada socialista admite que «tem de haver muita cautela na aplicação do regimento», porque «só nos casos de descarada inconstitucionalidade é que não há lugar a agendamento». 

O regimento da Assembleia da República prevê que não sejam aceites as propostas que «infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados». 

*com Ana Teresa Banha