‘Os girassóis estavam na sala de casa do meu avô’

A vida e a arte de van Gogh são celebradas numa exposição que acaba de abrir em Belém. O sobrinho-bisneto do pintor esteve na inauguração.

Hoje com 66 anos, o antigo advogado Willem van Gogh cresceu a ver as pinturas do seu famoso tio-bisavô, Vincent, nas paredes de casa do avô. Os Girassóis estavam pendurados por cima do sofá da sala de estar. Conversámos com o descendente do pintor holandês na inauguração da exposição Meet Vincent van Gogh, organizada em parceria com o Museu Van Gogh de Amesterdão, e instalada numa tenda no Terreiro das Missas, em Belém.

Que idade tinha quando se apercebeu da importância do seu tio-bisavô?

Eu cresci no meio destas pinturas. Os quadros faziam parte do nosso dia-a-dia. Os Girassóis estavam na sala de estar do meu avô por cima do sofá. Eu gostava muito do amarelo, era uma cor alegre, mas não tinha noção do impacto de Vincent van Gogh como artista. Até que, quando tinha dez anos, fomos passar férias ao sul de França. Passámos uma noite no hotel e eu fiquei no quarto com as minhas irmãs mais novas. E ao entrarmos no quarto, vimos uma reprodução dos Girassóis na parede. Num país onde eu não percebia a língua, tão longe de nossa casa, havia uma reprodução de uma pintura dele, portanto deduzi que ele devia ser muito famoso.

O seu avô também lhe falava de Vincent?

Tive uma relação muito próxima e muito boa com o meu avô – ele faleceu quando eu tinha 24 anos, portanto ainda beneficiei muito da sua companhia. Uma vez levou-me numas férias a Paris, Arles, Saint-Rémy de Provence, Auvers-sur-Oise, para me mostrar os locais onde Vincent viveu e pintou. Eu tive uma relação muito próxima com o meu avô e Vincent andou com o meu avô ao colo.

Tendo passado a sua infância e juventude a ver os quadros na parede de casa do seu avô, é estranho para si vê-las agora num espaço público, num museu?

Sempre que as vejo no museu recordo-me de onde elas vieram. Isso faz-me pensar que Vincent é um artista gigante, claro, o autor das pinturas mais famosas do mundo, mas tudo começou com uma pessoa que apenas adorava pintar e fazia pinturas para os amigos, como o carteiro [Joseph Roulin] ou os donos do café noturno. Temos de perceber que embora essas pinturas valham hoje centenas e centenas de milhões de dólares, foram feitas por um homem que não tinha nada.

Herdou alguma coisa do seu tio-bisavô ou do seu bisavô [Theo], que negociava arte?

Nada de nada, porque o nosso avô doou tudo o que tinha ao Museu Van Gogh, porque não queria que após a sua morte a coleção fosse dividida. Imagine que o meu pai herdava uma das pinturas. O que faríamos com ela depois da sua morte? Somos três irmãos. Penso que tanto o meu avô, como o meu bisavô Theo, como a sua viúva, eram pessoas visionárias e tomaram excelentes decisões.

Alguma vez ser um Van Gogh foi um fardo para si? Alguma vez pensou que preferia ter outro apelido?

Não, gosto muito de me chamar Willem van Gogh e tenho muito orgulho no legado dos meus antepassados. Isso tem-me permitido conhecer pessoas maravilhosas e partilhar ideias sobre a arte e o sentido da vida. Mas somos uma família de pessoas bastante normais. Engenheiros, livreiros, eu fui advogado…

Também pinta?

Não.

Nunca tentou?

Tentei uma vez. Frequentei um curso de pintura organizado pelo museu. Fui com um professor para os campos de trigo de Auvers-sur-Oise, no norte de França, para um curso de uma semana. Sempre disse que não queria pintar, mas pensei: ‘Por que não experimentar ao menos uma vez?’. Primeiro fizemos desenhos, depois pintei três quadros a óleo, e quando regressei a casa, mostrei-os à minha mulher. Ela olhou para as pinturas e disse: ‘O que é que vamos fazer com estas coisas?’. E mandou-as para a cave. Acabou-se aí a alegria de pintar para mim [risos].

Tem alguma pintura favorita de Van Gogh?

As Amendoeiras em Flor. Foi uma pintura feita para celebrar o nascimento do meu avô e acho que é uma das mais bonitas algumas vez criadas. Transmite um sentimento de felicidade, tem cores maravilhosas, a ternura das flores a desabrochar… Acho que Vincent gostaria de saber que fez esta pintura não apenas para o sobrinho mas para os dois milhões de pessoas que visitam o museu todos os anos. 

Por vezes não fica chocado com o facto de as pinturas de Vincent, que passou por tantas dificuldades, serem hoje vendidas por milhões?

Para ser honesto, não consigo sequer conceber o que sejam 100 milhões de dólares. Mas é a realidade.

Mas não acha que possa ser injusto?

Para ele?

Para o artista.

Acho que a parte boa é que a nossa família, como a viúva de Theo e o meu avô, preservou a coleção intacta, e a deixou acessível a todos, para sempre. Se algumas pinturas são vendidas por milhões, desde que sejam a colecionadores que as emprestam a museus, ficamos contentes por partilharem essas pinturas com tanta gente.

E vai muitas vezes ao museu ver as pinturas do seu tio-bisavô?

Muitas vezes. Continuo a gostar muito e a apreciar vê-las na companhia de amigos. 

Como familiar do pintor tem algum privilégio, como poder visitar o museu quando está fechado ao público?

Nem por isso. Tenho um passe anual que só é válido para a entrada de duas pessoas.