Quando é que o Estado prende os especuladores?

“Certo é que a raça humana está mais próxima da dos ratos do que nunca: habitua-se a tudo ou quase”.

Não sou o melhor exemplo, apesar de ter os cuidados básicos: lavo as mãos sempre que toco em alguma maçaneta, tento não levar as mãos à cara, afasto-me o mais possível sempre que falo com outros, e por aí fora. Apesar disso, continuo a trabalhar na redação, onde só estamos quatro ou cinco pessoas, vou às compras ao mercado do bairro, onde adquiro o pão, peixe, carne, legumes e a fruta – e já agora algum vinho e cerveja –, e nunca entrei em pânico. Evito andar no elevador com outras pessoas, mas não fui daqueles que correram ao supermercado em busca de papel higiénico e ovos, apesar de não os ter (o produto dos galináceos, para que não fiquem dúvidas). 

Com esta loucura preocupei-me com o medicamento que é fundamental para a minha vida, um protetor do esófago, nunca tendo feito questão de ir a correr comprar máscaras e gel desinfetante, ou mais prosaicamente álcool para ‘combater’ o coronavírus. Eis que chego à farmácia e me dizem que o meu medicamento está esgotado e que só na versão light é que o posso comprar: metade dos comprimidos e metade da dosagem. Ok, se é o que há, venha daí. E álcool desinfetante? «Não temos, mas estamos à espera», dizem-me. Passados uns dias volto à farmácia e o meu Nexium, passo a publicidade, continua em falta mas já têm álcool plus gel de 100 ml. «Sim senhor, quero», digo. «7 euros e 95 cêntimos», responde-me a diligente farmacêutica. Parvo, acabei por comprar. Não seria mais sensato comprar vodka pura, que faz o mesmo efeito e é muito mais barata? Afinal, uma garrafa rasca de vodka, de mais 750 ml, é mais em conta e as mãos até agradecem. 

Brincadeiras à parte, a caminho de casa questionei-me se os meus familiares, e o resto da população, têm quase oito euros por um mísero frasquinho que se diz fundamental para conter a propagação do coronavírus. E, aí, recordei-me da declaração de estado de emergência. Faz algum sentido o Estado permitir este assalto à mão armada? Por que razão não obrigam, de acordo com a Constituição, fábricas a produzir este e outros produtos a preços comportáveis para a maioria da população? E por que razão não mandam prender quem se aproveita desta pandemia para enriquecer como se fossem agiotas da bolsa? Será que ninguém aprende? Estamos em ‘guerra’, por muito que custe a alguns, e há assaltos à mão armada à vista de todos e o Estado não faz nada?

Diz-se que a nossa vida nunca mais será igual, mas há teorias para todos os gostos. Não creio que, por exemplo, depois da peste suína se tenha sentenciado que a vida nunca mais seria de ajuntamentos e consumo desenfreado. O mesmo se passou depois das duas grandes guerras. Certo é que a raça humana está mais próxima da dos ratos do que nunca: habitua-se a tudo ou quase.

 Mudando de assunto, esta pandemia, além dos enormíssimos estragos que fará na economia, obrigando-nos a alterar de estilo de vida, vai dar cabo da vida familiar de muito boa gente. Se já agora se sente o nervosismo no ar, imaginemos o que será daqui a dois meses… Tudo indica que o raio do coronavírus veio para ficar.Veja-se o que se passa em Itália, Espanha – nestes países já se tem de decidir quem se cura e quem morre –, Alemanha ou Grã-Bretanha e percebemos facilmente que o pior está para vir. Se mesmo nas relações de trabalho, à distância, as irritações são mais do que muitas, calculo que numa casa pequena onde várias pessoas têm que conviver 24 horas sobre 24 horas o cenário ainda seja mais assustador. E é aqui que as pessoas terão que fazer um esforço brutal para não acabarem à pancada umas com as outras. Diz-se que a violência doméstica irá aumentar bastante, mas, além da violência execrável, há um problema a adicionar: ninguém pode escolher outra casa, atendendo à quarentena. Para onde irão as vítimas de violência doméstica? E os filhos que se zangarem com os pais? Vão alugar onde? Esperemos que tudo corra bem…

vitor.rainho@sol.pt