Tenham vergonha!

Ontem acordei com o telefonema de um médico amigo em pânico. «Vítor, isto é tudo uma mentira enorme. Estão a mentir às pessoas de uma forma escandalosa. Há muito mais médicos contaminados do que dizem. Muitos são meus amigos e eu sei. E não são só médicos. Os enfermeiros, que estão a ser lançados para…

Depois contou-me o que se passa num hospital nas proximidades de Lisboa, onde os doentes são ‘atirados’ para uma sala comum e onde os médicos só entram uma vez por dia. «A porta não tem vidros e, por isso, fica entreaberta, espalhando o vírus pelos corredores. Mas como não há batas, viseiras, máscaras e outros materiais de proteção, ninguém quer entrar».

 Devo muito a este médico que tratou um familiar meu como fosse seu, dando-lhe mais uns anos de vida. Estou-lhe eternamente grato e sei que jamais inventaria uma história destas. O que me revolta é o Governo e os seus serviços continuarem, sistematicamente, a mentir às pessoas. António Costa, calculo que com a melhor das intenções, teve mesmo o desplante de ir à televisão dizer que não falta nada nos hospitais. Mas acha que é desta forma que não cria alarmismo? Ou será que está a tentar copiar o célebre ministro iraquiano que dizia em direto nas televisões que os americanos iam ser esmagados quando tentassem entrar no Iraque, vendo nós ao longe os soldados americanos a poucos quilómetros de Bagdade?

Assuma o óbvio: Portugal é um país pequeno, e à semelhança dos grandes, não estava preparado para uma situação destas e que ir ao mercado comprar equipamento necessário está extremamente difícil, pois outros com mais poder de compra chegam-se à frente. Mas ponha, rapidamente, a indústria a trabalhar para o povo, fazendo todo o material que está em falta para proteger os profissionais de saúde e os doentes.

Esconder a verdade tem uma validade muito curta. Para não ser acusado de estar a mentira, Costa devia de dar uma conferência de imprensa conjunta com as Ordens ligada ao setor da Saúde. Devia dizer a verdade e explicar que no mundo só em países não democráticos é que foi possível atacar o problema sem dó nem piedade. Nós, as democracias, vamos ter de fazer cedências para conseguir combater o coranavírus. Como é que se vai conjugar isso sem paralisar ainda mais a economia é que vai ser o grande desafio.

Muitos milhares de portugueses não vão receber o ordenado este mês. Infelizmente, a nossa economia funciona muito à base da paralela e aqueles que trabalham ao dia vão ficar sem qualquer fonte de rendimento. Como vão estes conseguir comprar comida para pôr na mesa para a família?

No campo da restauração dizem-me que os assaltos a restaurantes e mercearias são uma realidade. Que medidas estão a ser feitas para que aqueles que não têm dinheiro possam comprar alimentos? A Igreja e outras organizações sociais estão a ser ouvidas para se saber quais são os maiores grupos de risco? O que se passa em Portugal não é muito diferente do que aconteceu em Angola aquando da baixa de preço do petróleo. A oligarquia que estava ‘montada’ nesse maná deixou de dar as migalhas para o povo se contentar. Em Portugal, com o eclipse do turismo, largos milhares de portugueses ficaram no desemprego.

Outro problema é dado pelos empresários irresponsáveis que com os lucros pornográficos levavam uma vida de marajás. No verão estavam nos melhores resorts de luxo, no inverno escolhiam as estâncias de turismo mais fashion, compravam os melhores carros e apartamentos e esqueciam-se de guardar um pé de meia para as aflições. Muitos, agora, gritam que o Estado não os ajuda e que, por isso, não vão poder pagar salários. As Finanças que vejam onde gastaram o dinheiro dos lucros e que os obriguem a cumprir as suas obrigações. Como sabemos, os empresários que se pavoneavam nos JNC quois da vida não têm vergonha na cara. Mas que não façam de nós parvos.

 vitor.rainho@sol.pt